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STF Correios
Dois questionamentos sobre o monopólio dos Correios serão avaliados pelo STF.| Foto: Aniele Nascimento/Arquivo/Gazeta do Povo

O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar nos próximos meses uma ação que questiona o monopólio dos Correios nos serviços postais. Como o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) "enterrou" o projeto de privatização da estatal, o julgamento na Corte tornou-se a principal alternativa para os que defendem o fim do monopólio estatal e a livre concorrência no setor.

A quebra desse monopólio seria uma consequência da proposta de privatização dos Correios, apresentado no governo de Jair Bolsonaro (PL). No entanto, o projeto "empacou" no Senado após ser aprovado pela Câmara, e não é do interesse do novo governo, que defende participação ativa do Estado na economia e retirou a empresa do Programa Nacional de Desestatização (PND).

A questão aguarda definição há pelo menos duas décadas. Uma das ações que serão julgadas foi protocolada há quase duas décadas. Originalmente, o julgamento estava marcado para dia 1.º de março, mas a presidente do STF, ministra Rosa Weber, retirou o assunto de pauta.

Economistas liberais defendem a quebra do monopólio, afirmando que o sistema postal ganharia mais eficiência com o fim do domínio absoluto dos Correios. Também seriam beneficiados os consumidores, que poderiam contar com preços menores e o desenvolvimento de inovações na área logística.

“No Brasil, os Correios têm um monopólio sobre muitos serviços postais, o que limita a entrada de outras empresas no mercado e impede a concorrência. Isto pode dificultar a inovação e a criação de novos modelos de negócios”, diz Diogo Costa, CEO do Instituto Millenium, organização que defende valores liberais como a economia de mercado.

Correios estariam descumprindo princípios constitucionais como a livre concorrência

Uma das ações que será apreciada pelo plenário do Supremo é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 70, protocolada em 2003 pelo Sindicato Nacional de Encomendas Expressas.

A entidade alega que os Correios descumprem preceitos e princípios constitucionais fundamentais, como a livre concorrência, praticando “atos de extermínio da concorrência em completa dissonância com o preceito constitucional e as leis vigentes, sob a alegação de pretenso monopólio”.

As empresas de encomendas dizem que decisões judiciais têm levado ao encerramento de micro e pequenas empresas no país.

“Manter o monopólio da ECT sobre certos serviços postais, além de juridicamente frágil, seria prejudicial ao país e cada vez mais anacrônico em face aos desenvolvimentos institucionais e tecnológicos por que passam nossa sociedade”, aponta nota técnica publicada pelo Instituto Millenium.

Constituição de 1988 estabeleceu monopólio dos Correios sobre serviços postais

O monopólio sobre os serviços postais foi estabelecido pela Constituição Federal de 1988, porém ela não explicita que serviços são esses e como a União irá mantê-los.

O detalhamento é feito por lei anterior, a 6.538, de 22 de junho de 1978, que dispõe sobre os serviços postais, regulando direitos e obrigações relacionadas ao serviço postal no território nacional. A legislação também trata das competências e monopólios dos Correios.

Segundo a legislação, são exploradas pela União, em regime de monopólio:

  • recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição para o exterior de carta e cartão-postal;
  • recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição para o exterior de correspondência agrupada; e
  • fabricação, emissão de selos e de outras formas de franqueamento postal.

A legislação também prevê que dependem de prévia e expressa autorização dos Correios:

  • venda de selos e outras fórmulas de franqueamento postal; e
  • fabricação, importação e utilização de máquinas de franquear correspondência, bem como de matrizes para estampagem de selo ou carimbo postal.

A lei também prevê que não se incluem no regime de monopólio:

  • transporte de carta ou cartão-postal efetuado entre dependências da mesma pessoa jurídica, em seus negócios, por meios próprios e sem intermediação comercial; e
  • transporte e entrega de carta e cartão-postal, executados eventualmente e sem fins lucrativos, na forma definida em regulamento.

A norma legal já foi alvo de questionamento no STF, sendo objeto da ADPF 46. A Associação Brasileira das Empresas de Distribuição questionava, em 2003, o direito de as transportadoras privadas realizarem entregas de encomendas, o que já ocorria.

O plenário do STF decidiu, em 2009, que a Lei 6.538/78 está de acordo com a Constituição Federal. “Assim, cartas pessoais e comerciais, malotes e cartões-postais só podem ser transportados e entregues pela ECT. Ficou definido, porém, que o transporte e entrega de demais objetos e encomendas não são de exclusividade dos Correios”, aponta a nota técnica do Millenium.

As empresas requerem que a Corte Suprema estabeleça que a Lei 6.538/78 não está de acordo com a Constituição Federal e determine que a Justiça suspenda o andamento de ações judiciais relacionadas à ADPF.

Questionamento sobre o envio de boletos

Outra medida que será apreciada pelo STF é o recurso extraordinário (RE) 667.958, de 2011, que trata da possibilidade de entes federados, empresas e entidades públicas ou privadas entregarem guias de arrecadação tributária ou boletos de cobrança aos contribuintes ou consumidores sem o intermédio dos Correios.

O tema ganhou repercussão geral por decisão de seu relator, ministro Gilmar Mendes. Ele entende que o tema diz respeito à organização político-administrativa do Estado e alcança relevância econômica, política e jurídica que ultrapassa os interesses subjetivos da causa.

O Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1) já decidiu favoravelmente ao município de Três Marias (MG) para a entrega de guias e boletos feita pela própria prefeitura.

A nota técnica do Millenium observa lembra que os Correios têm monopólio em serviços que em breve se tornarão obsoletos, como entrega de documentos autenticados e cartões-postais. Por isso, de acordo com o documento, a empresa de serviços postais quer manter a entrega de guias de IPTU. "É, talvez, o único produto sobre o qual o eventual monopólio dos Correios, se mantido pelo STF, deve ainda fazer diferença por algum tempo”, pontuou a publicação.

Quais os principais problemas do monopólio dos Correios

O Instituto Millenium considera que, no caso dos Correios, os efeitos sobre o preço e o volume de serviços prestados não são o principal problema. O problema está no desestímulo à inovação, que tem reflexos no serviço prestado ao consumidor.

“Como ocorre em diversos monopólios, este é regulado pelo Estado e operado por uma estatal que, por não ser orientada pelo lucro, não recorre à prática de preços abusivos. Os efeitos sobre a inovação, entretanto, são graves”, diz a nota.

Na avaliação do Millenium, o monopólio dos Correios sobre o envio de determinados produtos inibe inovações na prestação de serviços de transporte e entrega de cartas e outros documentos em todo o país.

“As restrições à entrada de novos agentes econômicos no mercado leva a acomodação da empresa monopolista. Sem concorrência, deixa de haver motivação ou feedback do processo de mercado para se investir em mudanças inovativas que facilitem a vida do consumidor, que, por sua vez, não tem a quem recorrer”, enfatiza a nota.

O instituto aponta que o monopólio “compromete mesmo o desenvolvimento de novos modelos de negócios, como o envio de documentos conciliados ao transporte de passageiros por meio de aplicativos de fretados, dentre outros modelos de negócios que não somos sequer capazes de imaginar, mas que poderiam estar, hoje, em pleno funcionamento, tornando mais simples, ágil e barato para todos a entrega de determinados produtos”.

Para o CEO da entidade, Diogo Costa, quanto mais empresas estiverem operando nesse mercado, melhor. “O problema não é exatamente a existência dos Correios, é o monopólio que se atribui a ele e prejudica sua constante evolução.”

A abertura de concorrência nos serviços postais ocorreu em, pelo menos, três países: Alemanha, Reino Unido e Suécia. O resultado, de acordo com Costa, levou a maior eficiência e inovação no setor, com as empresas buscando formas de diferenciar seus serviços e oferecer preços mais competitivos. Ele afirma que as empresas, antes monopolísticas, se tornaram mais dinâmicas e inovadoras.

Quais os impactos da decisão do STF sobre o monopólio dos Correios

Para o Instituto Millenium, a interpretação da Constituição é bastante clara. A Constituição estabelece que a livre iniciativa é um fundamento da República. A ordem econômica também tem a livre concorrência como princípio.

“Então, aqueles monopólios que não estejam claramente expressos e delimitados como exceção pela Constituição não podem existir, pois colidem com fundamentos e princípios fundamentais da nossa República e ordem econômica”, aponta a nota técnica.

Costa aponta que uma decisão que favoreça a livre concorrência possibilitará, no caso do recurso extraordinário, que as prefeituras possam escolher outras empresas para enviar as guias de IPTU.

“Outras empresas de encomenda, logística e serviços postais não serão perseguidas pelos Correios. Isso permitirá que o mercado se desenvolva de maneira mais livre e aberta, o que pode levar a mais inovação e a modelos de negócios mais eficientes”, afirma o CEO.

Por outro lado, caso o Supremo entenda que o monopólio dos Correios se estenda a serviços como entregas de guias de IPTU e, eventualmente, demais contas, boletos e documentos, será mantido o bloqueio ao desenvolvimento de inovações e de novos negócios.

Uma decisão contrária e favorável ao monopólio, avalia o think tank, continuará causando limitações no desenvolvimento do mercado. Costa destaca que isto pode ser prejudicial para a economia, mas o mercado ainda pode driblar o monopólio, como já aconteceu com outros serviços, como a digitalização das contas de água e luz.

“Muitas pessoas estão optando por autenticar documentos e reconhecer assinaturas digitalmente para evitar a necessidade de enviar documentos físicos pelos Correios. O Brasil não aguenta mais ser anacrônico”, diz.

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