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crédito inadimplência
Crise das Lojas Americanas aumentou a percepção de risco de crédito sobre as empresas e secou recursos.| Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil.

As recuperações judiciais aumentaram quase 70% no ano passado, atingindo 1.405 pedidos, o maior número desde 2020 e o quarto da série histórica da Serasa Experian, iniciada em 2005.

O principal responsável foi uma “tempestade perfeita” que se formou a partir de 2020, com a pandemia da Covid-19, que resultou em empresas com problemas de caixa. Mesmo com a disponibilidade de crédito, as empresas foram impactadas com a alta da inflação em 2021 e 2022 e, na sequência, dos juros, justamente no momento em que elas tinham de renegociar a dívida ou pagar maiores parcelas da dívida contraída.

O cenário levou ao forte crescimento da inadimplência, que teve seu pico na segunda metade do ano passado. Mais de 72 milhões de pessoas físicas e 6,5 milhões de empresas estavam com restrições ao crédito, segundo dados da Serasa Experian.

Isto funcionou como motor para o forte crescimento das recuperações judiciais. “O ano passado foi marcado por um recorde de pessoas e empresas com restrições de crédito, contribuindo significativamente para o problema”, diz Luiz Rabi, economista da Serasa Experian.

Primeiro a inflação alta, depois os juros

As raízes do problema estão no pós-pandemia, com a elevação mundial da inflação. No Brasil, a acumulada em 12 meses chegou a 12,13% em abril de 2022, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para combater a alta nos preços, o Banco Central foi obrigado a aumentar a taxa básica de juros. A Selic ficou no teto de 13,75% ao ano entre agosto de 2022 e de 2023.

Rabi explica que, inicialmente, a inflação bateu no consumidor: “Com a renda comprometida, muitos deixaram de pagar as contas. Menos dinheiro entrou no caixa das empresas. E com a posterior decisão do Banco Central em aumentar a Selic, muitas companhias ficaram com dificuldade para rolar suas linhas de crédito, ficando inadimplentes e, posteriormente, insolventes”.

Outro fator que pesou foi a elevada procura por crédito nos meses que se seguiram aos piores momentos da pandemia, em 2020 e 2021. Rodrigo Gallegos, sócio da consultoria RGF Associados, lembra que nessa época as empresas enfrentavam problemas de caixa com a redução abrupta da receita, mas havia juros baixos à disposição.

Linhas de crédito, muitas delas pós-fixadas, foram liberadas pelo governo para atender à necessidade das empresas. “As empresas se endividaram para tentar conseguir superar a crise”, destaca.

Uma das implementadas foi o Programa Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Pronampe), criado em 2020 para auxiliar os empresários a lidarem com as consequências econômicas da pandemia da Covid-19.

À época dos primeiros empréstimos, em julho de 2020, o Pronampe tinha uma das menores taxas do mercado: Selic mais 1,25% ao ano, o que dava algo em torno de 3,5% ao ano. Um ano depois, quando o programa foi reeditado, o custo do financiamento subiu para Selic (então em 3,5% ao ano) mais 6% ao ano, o que totalizava 9,71% ao ano. “Esse cenário acabou estrangulando muita empresa”, diz Gallegos.

Dados da Serasa Experian mostram que entre a reedição do Pronampe, em junho de 2021, e outubro do ano passado, o número de micro e pequenas empresas inadimplentes cresceu 8,8% chegando a 5,9 milhões. Duas em cada três empresas que pediram a recuperação judicial no ano passado são deste porte.

Mudança de governo também afetou cenário de recuperações judiciais

Também pesou a mudança de governo, em janeiro do ano passado. O sócio da consultoria diz que, em um cenário de empresas receosas, os bancos restringiram o crédito. A situação piorou com a Americanas entrando em recuperação judicial por causa de um rombo bilionário e com dívidas de R$ 48 bilhões.

“A questão da Americanas foi a cereja do bolo. Transbordou o copo e secou a liberação de crédito, complicando ainda mais o cenário”, afirma Gallegos.

O problema foi generalizado. Diante do custo financeiro elevado, muitas empresas não conseguiram desenvolver seus projetos. Os impactos foram sentidos até mesmo no capital de giro das empresas, utilizado para bancar o dia a dia das operações.

Os pedidos de recuperação judicial também aumentaram entre as grandes empresas. Eles passaram de 91, em 2022, para 135, em 2023. A alta foi de 48,4%. Além da Americanas, outra emblemática foi a da 123 Milhas, também envolvida em um escândalo.

Proporção de empresas em recuperação judicial cresce

Levantamento feito pela consultoria RGF Associados aponta que no fim do ano passado havia 4.045 empresas ativas de pequeno, médio e grande porte em recuperação, o equivalente a 1,85 em cada mil empresas ativas. No fim do terceiro trimestre essa proporção era menor: 1,79 por mil.

A alta ocorreu em quase todas as regiões do país. A exceção foi o Centro-Oeste, onde o índice caiu de 3,04 para 2,88 empresas em recuperação judicial a cada mil ativas. Mesmo assim, a região continua tendo o maior índice do país.

Os segmentos com maior número proporcional de empresas em recuperação judicial, no 4.º trimestre do ano passado, eram o de cultivo de cana-de-açúcar (29,8 por mil); construção de rodovias e ferrovias (15,3); fabricação de laticínios (14,6); transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal (13,9) e fabricação de máquinas e equipamentos para agricultura e pecuária, exceto irrigação (11,6).

Dados da RGF apontam que as unidades da federação com maior número proporcional de empresas em recuperação judicial são Goiás (4,99 por mil); Alagoas (4,56); Pernambuco (4,04); Sergipe (3,46) e Rio Grande do Norte (3,40).

Cenário de recuperações judiciais continua complexo em 2024

O cenário para 2024 vai continuar complexo, especialmente no primeiro semestre, apontam os especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo. “Vamos continuar tendo números altos, em função dos problemas de falta de pagamento em alta registrada nos últimos dois anos. A inadimplência sobe de elevador e desce de escada”, diz Rabi, da Serasa Experian.

Um fator que pode contribuir para amenizar o problema é a retomada das negociações entre instituições financeiras e empresas. “Há uma retomada das conversas, mas elas costumam ser demoradas, levando de dois a três meses”, ressalta Gallegos.

A expectativa é de que os efeitos da retomada das conversas para renegociação de débitos, da redução dos juros e da inflação seja sentida na situação financeira das empresas no segundo semestre.

Até agora, o principal pedido de recuperação judicial de uma empresa brasileira em 2024 foi o da Gol, a segunda maior aérea do país em participação de mercado.

A companhia, que no terceiro trimestre tinha um passivo de R$ 33,3 bilhões e um patrimônio líquido (diferença entre o que tem e o que deve) de R$ 17 bilhões, fez o pedido nos Estados Unidos e não no Brasil. Ele foi aprovado pela Justiça americana e, agora, a companhia aérea está negociando suas dívidas, entre elas com arrendadoras de aeronaves (lessors).

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