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Paula Silva tenta reaver R$ 5 mil que pagou à empresa por assistência para refinanciar veículo | Brunno Covello/Gazeta do Povo
Paula Silva tenta reaver R$ 5 mil que pagou à empresa por assistência para refinanciar veículo| Foto: Brunno Covello/Gazeta do Povo

Empresário nega má-fé e diz que negócio fracassou

Alegando ser alvo de ameaças de agressão e de morte, o empresário Gerson Kotovicz, responsável pela GK Revisão de Contratos, diz que deixou sua casa em São José dos Pinhais e se mudou para São Paulo com a mulher e o filho. Ele nega que a empresa atuava na Justiça – "eu gostava de intermediar acordos extrajudiciais" – e garante que pagará o que deve aos ex-clientes. "Pus minha casa à venda e vou pagar a todos que devo", promete ele, citando um sobrado em São José avaliado em R$ 700 mil. "Sou inocente, não fiz nada disso que dizem." Kotovicz reconheceu que alguns ex-clientes têm processos ajuizados por advogados contratados pela consultoria.

Um dos inquéritos contra o empresário, aberto pela Delegacia de São José, está em vias de ser concluído. O delegado Gil Tesserolli pediu a prisão preventiva do empresário – cabe à Justiça decidir o que fazer. O empresário também é alvo de ações cíveis. Só um escritório, que fez busca ativa de ex-clientes oferecendo serviços, ingressou com 100 ações e está mapeando os bens do empresário – até agora, achou a casa e um terreno que valeria R$ 4 milhões.

Segundo Kotovicz, o negócio fracassou. "Muita concorrência", afirma. Também os contratos passaram a já vir com juros baixos demais. Sobre os clientes deixados na mão, questiona: "como trabalhar se fecharam [a empresa]?". Ele se diz perseguido pela OAB-PR. "Tem mais de 120 empresas no Paraná que fazem o mesmo trabalho e só a minha fechou". A entidade negou qualquer tipo de perseguições.

  • Thelma Schoene mostra propaganda da consultoria: processo nem sequer foi ajuizado pela GK

Preocupada em ter um carro para levar os dois filhos à escola em Curitiba, a caseira Paula da Silva, 26 anos, não teve muita escolha. O crédito negado em lojas de usados a levou a financiar um Fiat Uno diretamente com o dono. O negócio foi ruim – o carro cheio de problemas mecânicos saiu por R$ 23 mil, preço de novo –, mas a tentativa de consertar o empréstimo foi pior.

Paula foi deixada na mão por uma empresa de São José dos Pinhais que prometeu a ela baixar os juros da dívida na Justiça. Em abril, depois de pagar 18 parcelas de um suposto depósito judicial, ela descobriu que a GK Revisão de Contratos havia deixado de existir, assim como o montante que ela vinha depositando – cerca de R$ 5 mil no total. "O banco nos chamou para renegociar e achamos estranho. Fomos à empresa de novo e uma atendente disse que a consultoria tinha fechado e que era para ir direto na delegacia."

Apenas na Delegacia de Polícia de São José dos Pinhais existem cerca de 50 denúncias parecidas com a de Paula. O número cresceu depois que a GK foi obrigada pela Justiça Federal a fechar portas em março – só não avisou a clientela. Segundo a seção Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PR), a empresa prestava serviço de assistência jurídica ilegalmente. A entidade afirma que a GK usou um call center para aumentar o número de clientes, estimado em milhares. Fundada em 2010 pelo empresário Gerson Kotovicz, a consultoria atuava desde 2010 na Região Metropolitana de Curitiba, Paranaguá e Telêmaco Borba. Eram 11 lojas, além de um carro de som.

Chamariz

O principal chamariz era o serviço de revisão de contratos bancários – por meio de uma ação judicial alegando juros abusivos, o devedor tentava baixar o tamanho da dívida. O problema é que, desde 2009, esse tipo de ação não recebe sentença favorável, salvo raras exceções, com base em uma súmula do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a 381.

Ou seja, o serviço que a GK oferecia – e que se vê anunciado por outras consultorias até em postes de energia – não tem perspectiva de sucesso. "Uns dez anos atrás, você revisava o contrato, baixava o juro e conseguia reembolsar os valores pagos", diz o advogado Cristiano Heineck Schmitt, professor da PUC-RS e autor de livros sobre o tema.

"Com o tempo, o STJ passou a receber esse tipo de ação e o tribunal sempre teve a posição de respeitar o que está no contrato." As exceções, diz Schmitt, são casos em que há juros embutidos não descritos no papel ou quando a instituição financeira cobra taxa acima do mercado.

Pressão

A GK foi fechada depois de uma ação civil pública ajuizada pela OAB-PR. Alguns escritórios, porém, continuaram funcionando por um tempo, segundo relato de ex-clientes, com outros nomes. Em São José, o acompanhamento dos processos passou a ser feito pela LG Consultoria. A Gazeta do Povo não conseguiu localizar o responsável pela empresa substituta, o advogado Luiz Fernando Gomes da Silva.

Clientes entregam veículos financiados e ficam com a dívida

A atuação da consultoria GK ia além da revisão de contratos, segundo denúncias feitas à polícia. A empresa oferecia a possibilidade de os clientes repassarem a ela carros financiados, com parcelas em atraso, para fugir da dívida.

Além das denúncias de que a consultoria não fazia o que prometia – mesmo entregue, o carro continuava no nome do cliente assim como o débito –, a negociação colocava o consumidor sob risco de processo. A renegociação de um bem financiado sem autorização do credor é considerada quebra de contrato.

Em um contrato do tipo que uma moradora de São José dos Pinhais, que preferiu não se identificar, assinou como avalista em 2011, a GK definia que o carro seria pago assim que uma revisão do financiamento obtivesse sucesso na Justiça.

O carro (um Meriva) não foi mais encontrado e a dívida de R$ 18 mil continua aberta. Entre as empresas que o grupo GK já teve – havia até uma importadora –, a única cujo site na internet está no ar é a GKarros, que negocia veículos.

Sem reembolso

Mesmo na área de revisão de contratos há denúncias sobre contratos não cumpridos. Há casos de clientes que afirmam que o processo de revisão de contratos sequer foi ajuizado.

A vendedora Thelma Schoene, 29 anos, gastou quase R$ 3 mil com a empresa para depois descobrir que a ação não existia. A intenção dela era baixar os juros do financiamento de um carro que fora roubado em Pinhais, também na região de Curitiba.

Depois de reclamar, ela conseguiu um termo para reembolso, não cumprido. "Apenas embolsaram meu dinheiro", diz.

SERVIÇOSALVO RARAS EXCEÇÕES

Existem hoje poucas situações em que ações judiciais que pedem revisão de juros podem ter efeito favorável ao devedor, conforme entendimento da Justiça:

> O contrato traz juros embutidos (ou capitalizados) não descritos no papel.

> A fórmula dos juros gera quantias milionárias, em especial quando houve mudança de moeda.

> A taxa de juros foge da média praticada pelo mercado. Nesse caso, a diferença pode ser pedida (o que nem sempre compensa).

Duvide de cara...

> Promessas de "limpar o nome" em pouco tempo.

> Propagandas agressivas sobre o serviço.

> Garantia de vitória na Justiça. O fato de um parente ter obtido sucesso anos atrás não significa que hoje o resultado será parecido.> Se o atendente não deixa claro se o serviço passa pela Justiça.

> Empresas que afirmam comprar bens financiados.

> Intermediar renegociações exige procuração judicial, portanto a relação precisa ser de total confiança no profissional.

FAÇA VOCÊ MESMO

Se o credor estiver disposto a negociar, há formas gratuitas e eficazes de renegociar financiamentos:

> Procon-PR: parte considerável dos atendimentos do órgão são para devedores. É preciso apresentar uma proposta. Órgãos municipais também agem no tema. Informações: www.procon.pr.gov.br.

> TJPR: o Projeto Superendividamento busca uma conciliação entre devedores e credores, gerando um compromisso judicial. Vale para moradores da Região Metropolitana de Curitiba e de Toledo. Informações: www.tjpr.jus.br/superendividamento.

> Portabilidade: o consumidor pode pesquisar taxas de juros mais aceitáveis e migrar a dívida para outro banco que a aceitar.

VALE A PENA?

Algumas ações "da moda" podem ter eficácia duvidosa, dependendo do pedido. Conheça algumas delas:

> Estorno por planos econômicos: é preciso verificar a situação de ações já existentes. Em alguns casos, basta ajuizar ação pedindo cumprimento de sentença, já que o caso está definido. É preciso atentar a prazos.

> Correção do FGTS pela inflação: as ações individuais estão paradas à espera de julgamentos por cortes superiores. Caso as sentenças sejam favoráveis, será possível avaliar se cabe ingressar com ação pedindo validade para valores já depositados.

> Revisão do DPVAT: pedidos de aumento dos valores são negados, visto que há lei clara sobre eles. Decisões sobre cobertura, porém, podem surpreender. Já conseguir o seguro em caso de vítimas de acidentes de trânsito é um processo gratuito, que dispensa advogado.

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