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LIGs começaram a ser emitidas em novembro do ano passado | BEHROUZ MEHRI/AFP
LIGs começaram a ser emitidas em novembro do ano passado| Foto: BEHROUZ MEHRI/AFP

Recém-lançados no Brasil, os títulos que ajudaram a Europa a superar a crise financeira da última década estão na mira dos bancões para 2019. As letras imobiliárias garantidas (LIGs) começaram a ser emitidas em novembro do ano passado (2018), e já acumulam um estoque de mais de R$ 2 bilhões.

Por enquanto o investimento só está disponível para investidores ricaços. Mas é grande a expectativa de que ele se popularize. Tanto pelas condições atraentes para o investidor (com seu modelo de garantias, indexadores e isenção de imposto de renda) quanto pela regulação que deve facilitar a vida das instituições bancárias em relação às alternativas que existem hoje.

O primeiro banco a registrar a modalidade foi o Santander, com dois títulos considerados pequenos, que somam R$ 24 milhões. Em um mês, a quantia que o banco tem em carteira já passa dos R$ 300 milhões. Uma emissão do Bradesco, prevista para os próximos dias, pode chegar a R$ 750 milhões, disse o presidente do banco, Octavio de Lazari, à Reuters . O banco já emitiu R$ 475 milhões para clientes private do banco, em dezembro.

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O Santander é o maior emissor de “covered bonds”, os títulos que inspiraram a LIG, na Zona do Euro. “O fato de termos sido os primeiros [a emitir] reflete a importância que damos para este instrumento”, avalia o superintendente de produtos e estruturação da Tesouraria do Santander Brasil, Alessandro Chagas Farias.

“A gente está vendo a LIG como uma oportunidade do banco melhorar o passivo, alongando os prazos e criando outras formas de financiamento”, avalia o diretor de investimentos do Banco Inter, Rafael Rodrigues. A instituição, 100% digital, surpreendeu como a primeira fora dos “bancões”, os principais players do mercado, a emitir LIG. Em parte, isso aconteceu pela vocação imobiliária do Inter, que surgiu como um spinoff da construtora MRV. Hoje as empresas são totalmente independentes, mas compartilham de uma “sinergia intelectual”, explica Rodrigues.

O Inter fez sua primeira emissão em dezembro, com prazo de dois anos e rentabilidade de 98% do CDI (Certificado de Depósito Interbancário, indicador utilizado para mensurar a remuneração do investimento). O volume pequeno, de R$ 12 milhões, foi adquirido por 21 clientes do banco.

Investidores qualificados

Estas primeiras emissões — foram 36, entre 21 de novembro, data do primeiro registro, e 28 de dezembro — servem para o mercado tatear o instrumento. Os valores ainda são pequenos e os investidores, poucos.

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Pesa o fato de que somente emissões em caráter privado estão liberadas. Ou seja, só podem adquirir LIGs os chamados “investidores qualificados”, que têm um mínimo de R$ 1 milhão aplicados.

Emissões públicas só devem ser liberadas após regulação por parte dos órgãos responsáveis. O assunto está em estudo na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que ainda não tem prazo de publicação. Mas a expectativa no mercado é de que uma resolução da CVM ou do Banco Central (BC) saia ainda este ano, no máximo em 2020.

Mas a popularização para o investidor comum depende de outros fatores, não só da regulação. “Uma delas é a postura do próprio banco”, se eles vão dar publicidade para este tipo de letra, avalia Thiago Silva, analista de investimentos da Toro. “Depende também do BC e da CVM terem regras que fiquem claras para os investimentos, investidores, e assessores”.

O volume de LIGs emitidas em 2018 foi de R$ 2 bilhões, segundo dados da B3, responsável por fazer o registro das operações. Ainda que relativa a um mês, é apenas uma fração perto de outros papéis, como as LCIs. Já o título mais popular entre os bancos, o CDB, chegou perto de R$ 5 trilhões em emissões.

Crédito imobiliário

Emitidas exclusivamente por instituições financeiras, as LIGs compõe a carteira de crédito imobiliário. Na prática, o dinheiro captado com a venda dos títulos vai para um caixa que permite aos bancos concederem empréstimos e financiamentos habitacionais e imobiliários, tanto nos casos em que a garantia funciona por hipoteca ou por alienação de bens.

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É um caixa que tem outras fontes de renda. Hoje os bancos acessam recursos da poupança e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para bancar financiamentos imobiliários. Além de utilizar títulos, como a letra de crédito imobiliário (LCI) e os certificados de recebíveis imobiliários (CRI), que auxiliam a financiar construções. As duas modalidades responderam por uma emissão de R$ 123 bilhões e R$ 9,5 bilhões, respectivamente, no ano passado, segundo dados da B3.

Confira um comparativo LIG x LCI x CRI

Modelo de garantia dupla e isenção de IR são vantagens das LIGs

O grande diferencial das LIGs é seu modelo de garantia dupla. Além do patrimônio do próprio banco, a letra conta com uma carteira de ativos independente e exclusiva, que garante o pagamento destes títulos.

Isso significa que, se o banco quebrar, os detentores da LIG não entram na mesma fila que todo mundo que possui débito com o banco. Além disso, ela é o único título de captação bancária cujo pagamento não é antecipado automaticamente em caso de quebra da instituição emissora — se isso acontecer, a carteira de ativos supre os pagamentos devidos aos investidores, e a administração do título e da carteira é assumida pelo agente fiduciário.

Este modelo exige uma adequação operacional bastante complexa por parte das instituições financeiras. Como a carteira é totalmente afastada do patrimônio do banco, existe todo um fluxo interno para segregar estes ativos, explica o superintendente de produtos e estruturação do Santander Brasil.

“Também temos a obrigação regulatória de fazer testes de stress para saber se aquela carteira dá conta dos investidores; os resultados financeiros precisam mostrar a carteira que está regulando aquela LIG; tem agente fiduciário envolvimento que faz o lastreamento. Então, quando se compara com outros instrumentos, é muito mais complexo do ponto de vista operacional”, resume Alessandro Farias.

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O banco iniciou as adequações assim que Banco Central liberou as operações com letras imobiliárias garantidas. Desta forma foi possível fazer emissões já em novembro, assim que a B3 deu sinal verde (os títulos precisam ser registrados na Bolsa).

A isenção de imposto de renda para pessoas físicas e investidores estrangeiros é outro grande chamariz. Além disso, a letra conta com um mercado secundário, que permite aos investidores venderem seus títulos sem esperar o fim do prazo do título (de, no mínimo, dois anos).

Para os investidores maiores, a LIG não oferece limite, explica Thiago Silva, da Toro Invetimentos. A LCI, por exemplo, é tem suporte do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), mas só para investimentos de até R$ 1 milhão.

Outro diferencial importante é que a LIG permite indexação por variação cambial. O que pode ser interessante para o investidor local, mas também para atrair investidores estrangeiros, já acostumados a investir em covered bonds em outros países.

Europa

As LIGs são a versão tupiniquim do investimento conhecido lá fora como “covered bond”. Muito populares na Europa, estes ativos cumpriram papel importante em resgatar os países europeus da crise financeira da última década, que eclodiu com o escândalo do subprime, nos EUA.

Com regras mais rígidas impostas pelos reguladores aos bancos europeus, muitas instituições se desfizeram de ativos e patrimônio, sendo forçados a reduzir o valor disponível para empréstimos e financiamentos. A consequência foi uma queda na quantia de dinheiro disponível para financiar a economia, que na Europa depende entre 75% e 80% dos bancos, segundo dados da União Europeia.

Os “covered bonds”, cuja estrutura é independente do patrimônio das instituições financeiras, emergiram como o título privado mais importante do mercado europeu, chegando a um voluma de 2,6 trilhões de euros em 2013 (cerca de R$ 8 trilhões, na cotação da época).

“Na época da crise da zona do euro o Banco Central europeu começou a dar incentivos e comprar dívidas corporativas no mercado. E os covered bonds foram os ativos mais adquiridos por conta da governança e robustez” do produto, explica Alessandro Farias, do Santander.

Perspectivas

Para 2019, a perspectiva é um aumento gradual no número e no tamanho das emissões de LIGs. Os bancos não abrem números, mas há uma intenção de seguir testando as diferentes combinações que as letras oferecem.

O Banco Inter, por exemplo, cogita faz uma nova oferta por mês, “testando diferentes prazos e indexadores”, explica o diretor de investimentos, Rafael Rodrigues. A instituição deve lançar um título vinculado ao IPCA em breve. O montante das operações também deve aumentar.

Em paralelo, há uma expectativa em torno da regulação de chamadas públicas, para permitir que investidores comuns também apliquem no título.

Os bancos também discutem com os reguladores mudanças nas regras para os investidores externos. “Tem que flexibilizar as normas para permitir que as instituições emitam diretamente lá fora”, defende o superintendente de produtos e estruturação da Tesouraria do Santander. Hoje o estrangeiro precisa ter uma conta bancária de investidor não residente no Brasil para adquirir papéis do título.

Compare: LIG x LCI x CRI

Confira o quadro comparativo entre três tipos de investimentos vinculados ao crédito imobiliário: letra imobiliária garantida (LIG), letra de crédito imobiliário (LCI) e certificados de recebíveis imobiliários (CRI):

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