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“Algumas figuras da elite política coreana se sentem especialmente ameaçadas pelo discurso da internet, pois veem a si mesmas como figuras paternas.” -Park Kyung-sin, membro do comitê regulador da internet, indicado pela oposição ao governo de Lee Myung-bak | The New York Times
“Algumas figuras da elite política coreana se sentem especialmente ameaçadas pelo discurso da internet, pois veem a si mesmas como figuras paternas.” -Park Kyung-sin, membro do comitê regulador da internet, indicado pela oposição ao governo de Lee Myung-bak| Foto: The New York Times

Críticas

País incendeia casa para matar pulgas, compara ambientalista

Neste ano, a organização Repórteres Sem Fronteiras listou a Coreia do Sul como um país "sob vigilância" num relatório intitulado "Inimigos da Internet", colocando o país ao lado da Rússia, Egito e outras nações conhecidas por sua intolerância com dissidências. O grupo afirmou que a Coreia do Sul havia intensificado sua longa campanha sobre materiais que parecem apoiar a Coreia do Norte. Mas o relatório diz que "a censura também está focada em opiniões políticas expressas online – um tópico crucial neste ano eleitoral".

O governo nega estar tentando silenciar os críticos, e diz abrir a maioria dos casos após ser alertado por cidadãos – incluindo aqueles que se autodenominaram "xerifes virtuais". Numa declaração defendendo sua posição, o governo afirmou estar agindo porque "assassinatos e suicídios causados por insultos excessivos e a disseminação de falsos rumores e difamações se tornaram questões sociais".

Mas o reverendo Choi Byoung-sung, crítico da política ambiental do governo, argumenta que a livre expressão está sendo prejudicada. "Eles estão incendiando uma casa inteira sob o pretexto de matar algumas pulgas", comparou Choi, que combateu a remoção de publicações em seu blog advertindo sobre os possíveis riscos à saúde em cimento contendo resíduos industriais (ele venceu).

34,4 mbps é a velocidade média de acesso à internet na Coreia do Sul. O país é o quinto nesse ranking, atrás apenas de territórios menores, como Hog Kong, Andorra, Taiwan e Lituânia. O número de usuários de internet no país é de 39,4 milhões – quase 70% da população do país.

Um crítico do governo que insultou o presidente pelo Twitter encontrou sua conta bloqueada. Um ativista cuja postagem comparava autoridades a piratas (por terem aprovado uma controversa base naval) foi acusado pela marinha de difamação criminosa. E um juiz, após escrever que o presidente ("Sua Alteza") estava determinado a "ferrar" usuários da internet que desafiavam sua autoridade, foi demitido, no que muitos viram como uma punição.

Tal repressão à liberdade na internet seria notável, mas talvez não surpreendente, na China, com seu exército de censores online. Mas o ávido policiamento da mídia social nesses casos ocorreu na Coreia do Sul, uma próspera democracia e um dos países mais conectados do mundo.

A aparente desconexão vem, ao menos em parte, da luta da Coreia do Sul para administrar as contradições em abraçar ansiosamente a internet como uma maneira de alcançar as maiores economias do mundo, enquanto se prende a um passado patriarcal e puritano. Numa nação tão amea­çada por Lady Gaga que proibiu seus fãs menores de 18 anos de ir a um show, a ideia de usuários da rede podem xingar "em público", ver pornografia ilegal e desafiar as autoridades se mostrou profundamente inquietante.

"Há não muito tempo, o papel do governo e da elite dominante, incluindo a imprensa, era o de um tipo de pai benevolente das massas", afirmou Michael Breen, autor de The Koreans: Who They Are, What They Want, Where Their Future Lies. "O governo sempre soube mais e o povo era meio estúpido. Acho que um pouco disso ainda resta hoje."

Críticos do governo do presidente Lee Myung-bak concordam que sua veia conservadora é um motor da repressão à internet. Mas eles argumentam que a proibição de palavrões e outras linhas de atividade também se tornaram uma desculpa conveniente para silenciar os críticos. Não é a primeira vez que o governo é acusado de excesso de zelo: dois ex-assessores presidenciais estão sendo julgados, acusados de conduzir vigilância ilegal de cidadãos.

O afastamento de liberdades duramente conquistadas é ainda mais preocupante, dizem ativistas, pois as redes sociais se tornaram o mais novo veículo para rebeliões, substituindo as batalhas de ruas dos anos 1980 que forçaram o fim de décadas de ditadura. "Novos serviços de redes sociais, como o Twitter, surgiram como novas ferramentas políticas para antigovernistas e esquerdistas", afirmou Chang Yeo-kyung, ativista da liberdade de expressão. "O governo quer criar um efeito amedrontador para evitar a disseminação de visões críticas."

A acusação foi repetida por alguns observadores internacionais. O relator especial da ONU para a liberdade de expressão ficou suficientemente alarmado, no ano passado, para falar a autoridades sobre a necessidade de análises públicas numa democracia.

Park Kyung-sin – um dos poucos membros do comitê governamental regulador da internet nomeado por partidos da oposição, e crítico ardente de suas políticas – diz que membros da elite política se sentem especialmente ameaçados, pois veem a si mesmos como "figuras paternas".

Uma das primeiras decisões tomadas pelo comitê depois que Lee assumiu o poder foi "purificar a linguagem" usada contra o presidente porque, como disse um comissário, ele deveria ser tratado como o pai do estado, "uma forma estendida de família".

Popularidade da rede desafia costumes locais

O caso de amor da Coreia do Sul com a internet, apoiado pelo governo, gerou frutos: o país possui uma das maiores velocidades de download do mundo. E é motivo de orgulho o fato de que os passageiros de metrô de Seul conseguem navegar na web com seus smartphones.

Mas com vantagens tão óbvias para empresas, veio o inesperado: uma avalanche de desafios para os costumes. A aversão a desafiar superiores é tão profundamente enraizada que, nos anos 90, quando empresas de aviação sul-coreanas sofreram um número incomum de acidentes aéreos, muitos investigadores culpavam parcialmente a hesitação do copiloto em questionar o piloto – mesmo quando um erro era evidente.

A distância e o anonimato da comunicação pela internet apagaram muitos desses medos. De repente, cidadãos que nem conseguiam pensar em desrespeitar pessoas acima deles na hierarquia social se libertaram, criticando líderes num linguajar geralmente restrito a conversas com amigos. A humilhação daqueles tão audaciosamente criticados, segundo analistas, é difícil de estimar. "É colocada uma enorme ênfase na importância de defender a credibilidade pública", explicou Chang.

Críticos do governo contam que o aumento na vigilância começou no início do mandato de Lee, depois que seu governo acusou inimigos políticos de usar a internet para organizar manifestações em massa, em 2008, contra uma decisão de importar carne bovina dos EUA. Ao indiciar os supostos responsáveis por divulgar "falsos rumores", os promotores foram acusados de voltar a uma lei da época da ditadura. Entre os indiciados: um adolescente que enviou mensagens de texto sugerindo que estudantes de todo o país faltassem às aulas para participar do protesto (ele foi absolvido).

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