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Agência do Citibank em Nova Iorque. Em fevereiro, governo norte-americano promoveu “nacionalização parcial” do banco, aumentando sua participação acionária de 8% para 36%. No ano passado, o Citi teve prejuízo de US$ 27,7 bilhões, um dos maiores da história corporativa norte-americana | Reuters
Agência do Citibank em Nova Iorque. Em fevereiro, governo norte-americano promoveu “nacionalização parcial” do banco, aumentando sua participação acionária de 8% para 36%. No ano passado, o Citi teve prejuízo de US$ 27,7 bilhões, um dos maiores da história corporativa norte-americana| Foto: Reuters

Crise "sumiu" com US$ 50 tri, diz estudo

Um estudo do Banco de Desenvolvimento Asiático (ADB, na sigla em inglês) mostra que, do fim dos anos 80 até 2007, o Produto Nacional Bruto (PNB) global – ou seja, a riqueza real, lastreada em produção – saltou de US$ 10,1 trilhões para cerca de US$ 50 trilhões. No mesmo período, a riqueza "artificial", baseada em ativos financeiros, cresceu de US$ 12 trilhões para quase US$ 200 trilhões. Destes, cerca de US$ 50 trilhões já teriam sido destruídos no lado financeiro da crise econômica.

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Saída pode estar no modelo brasileiro

A ideia de separar os bancos em dificuldades em duas partes, uma com ativos bons e outra com títulos "podres", foi usada com sucesso no Brasil há pouco mais de dez anos. O Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer), criado por Medida Provisória em novembro de 1995, teve a intenção de ordenar a fusão e incorporação de bancos a partir de regras ditadas pelo Banco Central – logo após a crise do Banco Econômico, 22ª instituição financeira sob intervenção ou liquidação desde a implantação do Plano Real.

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Seis meses após a quebra do gigante banco norte-americano Lehman Brothers e alguns trilhões em gastos aprovados em todo o mundo na tentativa de estancar a sangria dos mercados, o principal nó de uma das maiores crises econômicas da história ainda não foi desatado. Ninguém sabe o que fazer com os títulos "tóxicos" (aqui chamados de podres) que originaram perdas de trilhões de dólares ao sistema financeiro global, o que acabou contaminando a economia como um todo. Nem como devolver a este sistema um ingrediente que sumiu do mapa desde o dia 15 de setembro do ano passado: a confiança.

Há quem diga que a solução passará pela nacionalização de instituições financeiras problemáticas nos Estados Unidos – talvez o maior choque cultural da história recente daquele país. Ou ainda que os norte-americanos podem buscar no Brasil um belo exemplo para contornar o problema: o bem-sucedido Proer, colocado em prática por aqui para resolver o imbróglio bancário dos anos 90.

"O grande problema foi que a desconfiança mútua se instalou no sistema financeiro americano, na base das relações, entre os próprios bancos", avalia o economista André Biancarelli, professor de macroeconomia da Unicamp (SP). "A quebra de um banco do porte do Lehman Brothers foi um grande erro, mas os Estados Unidos têm essa mania de deixar quebrar. Aquilo acabou transferindo o problema para todo o mundo, gerou uma desconfiança geral, e aí todo mundo começou a quebrar", diz Keyler Carvalho Rocha, professor de administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA/USP).

Como, nos últimos meses, a questão da confiança não melhorou lá muita coisa, os bancos continuam com o pepino nas mãos. "A não-reativação do crédito entre os bancos faz com que um banco que tem uma situação boa rapidamente caminhe para uma situação de insolvência", avalia Biancarelli, da Unicamp. Rocha, da FEA, cita o caso do Citigroup, que figurava impávido no início da crise e hoje está às mínguas – as ações, que chegaram a mais de US$ 50, valiam menos de US$ 2 na última sexta-feira. "Um banco como o Citi fechar suas portas seria uma catástrofe maior do que a que a gente já viu."

Nacionalização

Segundo os economistas, a nacionalização de instituições financeiras pelo governo norte-americano pode devolver, em parte, a confiança que se perdeu no mercado. Ou, ainda, pode ser a única solução. "A Europa já fez isso, nacionalizou alguns bancos e, na outra mão, injetou caixa nos bancos, garantindo os depósitos na maior parte dos lugares. Isso evita uma corrida bancária (para sacar depósitos)", exemplifica Roy Martelanc, professor do MBA Banking da Fundação Institu-to de Administração (FIA).

Ainda assim, ele explica que há grandes questões, além da cultura do livre-mercado, que dificultam a nacionalização. "A solução é nacionalizar, tocar um tempo como público, e depois reprivatizar. Mas há muita dificuldade em reprivatizar, mesmo porque é uma incógnita. Ao mesmo tempo, se você é um executivo de uma instituição que virou pública, não vai ganhar nem perto do que ganhava antes", diz Martelanc. O problema também é cultural. "Para eles isso é quase religião: o governo não pode ter um banco", diz Evaldo Alves, professor de Economia Internacional da Fundação Getulio Vargas (FGV) em São Paulo.

Papéis "tóxicos"

Além da nacionalização dos bancos problemáticos, resta ainda a questão dos "toxic assets", ou títulos podres – aqueles ligados ao crédito "subprime" nos Estados Unidos, fruto de uma engenharia financeira moderna e que causaram perdas bilionárias em todo o mundo.

"A grande questão é como precificar um papel que ninguém vai comprar. O banco tem para receber coisa que ele não vai receber. Isso é fruto de uma engenharia financeira, de um conluio com agências de risco – que avaliaram bem esses títulos –, e aí os governos têm que assumir esses ativos. Mas assumí-los pelo valor de face seria absolutamente injusto", considera o professor Biancarelli. "Boa parte dos chamados ativos tóxicos que estão sendo absorvidos pelo setor público não poderão ser ‘lavados’", completa João Basilio Pereima Neto, professor e vice-chefe do departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Para o presidente do banco francês BNP Paribas, Louis Bazire, a criação dos chamados "badbanks", instituições para receberem os títulos ruins, pode ser uma solução. "E aí é uma questão de tempo. O mercado imobiliário vai se recuperar um dia, e o valor dos títulos também vai se recuperar. Os Estados Unidos já tiveram problemas com caixas de poupança há 15 anos, e fizeram uma gestão disso no tempo. Colocaram os ativos de lado, e eles se recuperaram com o tempo." Para Pereima Neto, no entanto, a questão da recuperação do valor dos ativos é "uma esperança, não uma realidade".

A última resistência: a que ponto um governo pode salvar instituições e administradores que foram irresponsáveis? Deixá-los quebrar pode prejudicar ainda mais a economia, mas premiá-los com ajuda financeira seria injusto ou com a compra dos títulos tóxicos por um valor superestimado soa mal do ponto de vista político. "Entre os dois extremos – a salvação total das almas zumbis ou a condenação ao inferno –, vamos viver um longo período de purgatório e remissão de pecados", diz o professor Pereima Neto, da UFPR.

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