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Não lembro ao certo quando foi que cada um dos economistas tirou do bolso uma calculadora financeira, daquelas que têm mais letras que números. Foi-me oferecida uma, emprestada, que recusei prontamente, sem saber como usá-la. Na Tropicália, país em que estávamos naquele momento, a tal maquininha é item básico de sobrevivência.

Conforme a apresentação, a Tropicália é um "pacífico, operoso e importante país da América Latina", cuja economia é similar à brasileira. O setor agrícola é altamente competitivo, o industrial é diversificado e o de serviços, moderno e sofisticado. Mas apesar de sua economia estar entre as 12 maiores do mundo, um verdadeiro abismo social separa seus habitantes – poucos ricos, muitos miseráveis.

Soube também que, em 1994, a Tropicália afastou o flagelo da inflação – que alcançou taxas anuais de 2.000% após a crise internacional dos anos 80 – com o Plano Tropical, um conjunto de medidas econômicas que combinava altas taxas de juros e âncora cambial. O país é governado por Luís Inácio "Lulu" Santos, presidente oriundo da classe operária, que sucedeu o social-democrata Viajando Henrique de Coimbra (VHC), um dos responsáveis pela implantação do Tropical quando era ministro da Fazenda.

Qualquer semelhança com o Brasil, é claro, não é mera coincidência. A Tropicália foi criada para o treinamento do banco HSBC. Eu fui convidado a integrar o time de clientes e funcionários do HSBC que participariam do evento. Era o único no grupo que não sabia operar calculadora financeira. E que usava terno e gravata.

Confinados num hotel por quatro dias, fomos apresentados ao mercado de derivativos e suas tantas variáveis. Depois, fomos divididos em grupos menores – cada um seria uma holding que controla várias empresas, com sede no país chamado Tropicália. Começou então um verdadeiro jogo de investimentos, aplicações, empréstimos e outras transações – sempre usando o mercado de derivativos – que tinham por objetivo alavancar o capital da empresa e proteger seus ativos. Venceria o grupo que conseguisse o melhor resultado.

O mercado – no caso, nós mesmos – era constantemente influenciado pelas notícias que circulavam nos jornais da Tropicália: quedas nas taxas de juros, rumores sobre mudanças na equipe econômica do governo, o preço alcançado pelo petróleo no mercado internacional, entre tantas outras. E não demorou muito para nos tornarmos atores do mercado – algo bastante interessante para quem vive na posição de observador.

Ao fim de dois dias – que equivalem, na simulação, a dois meses – definindo estratégias e fazendo negócios, a equipe vencedora foi, estranhamente, a do jogador "café-com-leite", que nem sabia usar a tal calculadora. Creio que, temendo que meu pouco conhecimento prejudicasse nosso resultado, os demais membros da equipe me colocaram em hedge. Protegeram-se da variação cambial, da taxa de juros e do jornalista. Pelo visto, aprenderam muito bem a lição.

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