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Para entidades de defesa do consumidor, há uma agenda por parte do atual governo de desconstrução dos órgãos de fiscalização da área no país. | Henry Milléo/Arquivo
Gazeta do Povo
Para entidades de defesa do consumidor, há uma agenda por parte do atual governo de desconstrução dos órgãos de fiscalização da área no país.| Foto: Henry Milléo/Arquivo Gazeta do Povo

Os consumidores estão perdendo força e, principalmente, direitos. Esta é a constatação de organismos ligados à defesa de clientes de bens e serviços. De acordo com eles, o governo segue uma agenda de favorecimento a corporações que quase resultou num rolo compressor sobre os direitos dos consumidores no mês passado.

No dia 7 de maio foi publicado o decreto que enfraquecia a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), principal órgão de articulação de defesa do consumidor em âmbito federal, vinculado ao Ministério da Justiça. Depois da mobilização de importantes entidades do setor, o governo recuou e um dia antes de começar a valer as alterações (21) editou novo documento desconsiderando os pontos mais criticados do texto anterior. Apesar da vitória, o ato preocupa especialistas porque mostra o direcionamento do governo no momento em que tramitam no Congresso Nacional projetos de lei potencialmente nocivos aos interesses do consumidor. 

De acordo com o decreto 9.360, a partir do dia 22 de maio a Senacon seria rebatizada com o nome de Secretaria das Relações de Consumo. Além da diminuição de cargos, ponto que foi mantido no novo decreto, a pasta perdia autonomia. No texto original, ela deverá submeter decisões referentes a multas e ajustamento de conduta à análise da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça (Conjur). A justificativa do governo seria de aproximar as empresas da Secretaria. Procurado pela reportagem, o Ministério da Justiça, órgão ao qual a Senacon está alocada, não se pronunciou sobre o assunto. 

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“Na Constituição Brasileira consta que é direito fundamental do cidadão a defesa do consumidor pelo Estado. Esta guinada que o decreto promovia era inconstitucional, porque ao invés de proteger, o Estado passava a tratar de regulação de relação de consumo em detrimento da defesa do consumidor”, aponta Alessandra Garcia Marques, presidente da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor (MPCon). 

Assim que ficou ciente do decreto, a MPCon protocolou junto a Ministério Púbico Federal uma representação de inconstitucionalidade das mudanças na Senacon. No documento, a MPCon argumenta que há evidente inversão no papel da Secretaria que tem a função de colocar em prática o dever constitucional do Estado de defender o consumidor e não as relações de consumo. “Nós temos um Código do Consumidor, não de Relação de Consumo”, pontua Alessandra.

A Secretaria já vinha perdendo articulação antes mesmo do imbróglio dos decretos. No último ano, a interação com os demais integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC) parou de existir.

“Muitos problemas foram resolvidos com a ação da Senacon em articulação com os Procons e Ministério Público. Agora observamos que isso não acontece, basta ver os problemas com planos de saúde, telefonia e outros. A Secretaria não luta nem por normas que ela mesma ajudou a implementar como a obrigatoriedade do aviso de transgênico nas embalagens”, denuncia Sophia Associação Brasileira de Procons (Procons Brasil). Este ambiente aumenta a expectativa em torno do desempenho da nova Secretária da pasta, Ana Lúcia Kenickel Vasconcelos, empossada no dia 15 de maio.

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O órgão tem o papel de defender o consumidor diante dos grandes assuntos nacionais. Cabe à Secretaria estabelecer uma agenda aos Procons, antecipar-se a projetos de lei no Congresso Nacional que desrespeitem o Código de Defesa do Consumidor, dialogar com os Ministérios, promover soluções e ajustes de condutas em âmbito federal.

“Ela tem que ter condição de representar de forma nacional os grandes debates que envolvem a defesa do consumidor. Se a Secretaria não cumprir o papel dela, não tem que faça. Não existe outro órgão correlato. Ela é estratégica para o país”, ressalta Juliana Pereira, especialista em defesa do consumidor, apontando que países como Alemanha e Coreia do Sul possuem ministérios dedicados ao consumidor. 

Mas o Brasil, que foi exemplo na implementação de ferramentas para proteção de quem adquire bens e serviços, parece regredir neste campo. Somente em 2012 o país passou a contar com uma autarquia própria, antes disso a defesa do consumidor estava relegada a um departamento submetido à Secretaria de Direito Econômico.

Durante este período, a nova pasta conquistou avanços: criou o site www.consumidor.gov.br, a Escola Nacional de Defesa do Consumidor, atuou em diversos projetos como na proteção de dados, impediu a efetivação de projetos de leis federais que estavam em desacordo o Código do Consumidor e estabeleceu soluções conjuntas com o Sistema Nacional, que congrega Procons, Ministério Público, Defensoria Pública e entidades civis de defesa do consumidor.

Rolo compressor quase passou pelos consumidores

Para a presidente da MPCon, o decreto enfraquece a principal ferramenta de defesa do consumidor em âmbito nacional em um momento em que tramitam no Congresso projetos de lei que retiram direitos. Alessandra cita o caso do PL do Senado 77/2018 que altera a Lei de Incorporações Imobiliárias. Entre outros pontos, está aumento no valor a ser pago para as construtoras no caso de desistência do comprador do imóvel. “Ele prejudica imensamente as pessoas e passa por cima de toda a lei e jurisprudência”, argumenta Alessandra.

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Na lista de propostas para leis que são contrárias ao interesse do consumidor constam ainda dois textos que tramitam na Câmara dos Deputados. O Projeto de Lei 6299/02 altera o termo “agrotóxico” pela expressão “produto fitossanitário”. Ele também passa a análise toxicológica e ecotoxicológica para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, atualmente atribuídas à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). 

O projeto que altera a Lei dos planos de saúde é positivo somente para as operadoras, consideram organizações de defesa da saúde e do consumidor. Neste caso até a Associação Brasileira dos Planos de Saúde (Abramge) pediu o arquivamento do processo. Apesar da entidade não concordar que o projeto seja ruim, ela reconhece que precisa ser debatido com clareza pela sociedade, o que não vem acontecendo. 

A defensora pública lembra também da ação do Ministério Público contra a resolução da Agência Nacional de Aviação (Anac), que a autorizou a cobrança de franquia pelo despacho de bagagens, em setembro do ano passado. “Estamos travando uma briga judicial. Temos dados que comprovam que o valor das passagens não caiu em função da cobrança com a bagagem”, ressalta Alessandra. “A Política de Defesa do Consumidor não foi obra de um só governo, vem de uma construção com mais de 20 anos, não podemos retroceder desta maneira”, conclui.

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