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Insegurança

A violência custa caro: como a criminalidade “rouba” o crescimento do Brasil

Cybercrime, estelionato eletrônico
O estelionato eletrônico, em alta no Brasil, é um dos crimes que compromete o ambiente de negócios. (Foto: Ilustração: Vandré Kramer/Gazeta do Povo com Flux Pro Ultra 1.1)

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A violência no Brasil custa caro. Com o aumento da sensação de insegurança de empresas e indivíduos, a atividade econômica cresce menos que no resto do mundo, os investimentos diminuem e oportunidades de negócios são perdidas.

Embora o número de homicídios tenha caído 24,9% na década encerrada em 2023, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), outros crimes – como estelionatos (especialmente eletrônicos), violência contra crianças e adolescentes, apreensão de drogas sintéticas e tentativas de fraudes – continuam a crescer.

O cenário não é exclusivo do Brasil. América Latina e Caribe, que abrigam 8% da população mundial, concentram um terço dos homicídios globais. Em 2023, a taxa de homicídios no Brasil foi de 22,8 por 100 mil habitantes, acima da média regional (20 por 100 mil), e muito superior à média mundial (6 por 100 mil). Países do Caribe chegaram a superar 30 homicídios por 100 mil habitantes.

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A relação entre criminalidade e crescimento econômico é evidente. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), enquanto o PIB mundial deve crescer 3,1% em 2025, o Brasil deve avançar apenas 2,1%. O México, afetado pelo narcotráfico e medidas protecionistas, pode enfrentar uma retração de 1,3%.

"Há um ciclo vicioso entre crime e baixo crescimento", afirmou Rodrigo Valdes, diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI) para o Hemisfério Ocidental, em evento na Universidade de Georgetown (EUA) no início de fevereiro.

Segundo o FMI, a insegurança gera instabilidade macroeconômica, que alimenta ainda mais a criminalidade. Se o Brasil reduzisse suas taxas de homicídio à média global, a América Latina poderia crescer cerca de meio ponto percentual a mais ao ano, impulsionada por maiores investimentos e ganhos de produtividade.

Crimes no Brasil: homicídios caem em dez anos, mas estelionatos aumentam

Os dados reforçam o impacto econômico da criminalidade. Em 2023 o Brasil registrou o menor número de mortes violentas intencionais desde 2011, mas os estelionatos cresceram 8,2%, sendo 13,6% no ambiente digital.

Em 2023, houve 2,3 vezes mais estelionatos do que os roubos. Isso representa uma inversão em relação a cinco anos atrás, quando os roubos eram 3,5 vezes mais frequentes que os estelionatos.

Segundo a Serasa Experian, no ano passado, as tentativas de fraudes financeiras aumentaram 10% e poderiam gerar prejuízos de até R$ 51,6 bilhões caso não fossem contidas.

O fortalecimento do crime organizado, especialmente no Norte e Nordeste, é outra preocupação. Apesar de o narcotráfico continuar sendo a principal atividade, organizações criminosas têm diversificado suas operações, incluindo extorsão e controle de mercados locais.

Essa atuação inibe a concorrência e impõe custos elevados às empresas, como gastos com segurança privada, perdas por roubo e danos, além da menor probabilidade de expansão e inovação.

A professora Joana Monteiro, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV) Ebape, destaca a importância de abordar o crime organizado sob uma ótica econômica, tratando-o como "firmas" ou "negócios" criminais, para viabilizar estratégias mais eficazes de combate.

O Fundo Monetário Internacional (FMI) também reforça a relevância de combater a lavagem de dinheiro como uma medida essencial contra redes criminosas. No entanto, a ausência de dados padronizados e a complexidade dessas organizações representam barreiras significativas para ações de enfrentamento efetivas.

Crimes forçam redirecionamento de gastos públicos e privados para segurança

Segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), as despesas privadas com segurança na América Latina e Caribe representam 1,6% do PIB. A criminalidade eleva os custos de operação, desestimula investimentos estrangeiros e afeta setores estratégicos como serviços financeiros, comércio e turismo. Além disso, taxas de juros mais altas refletem o risco ampliado para investidores.

Os custos diretos dos crimes e da violência representam, em média, 3,4% do PIB nos países da América Latina, segundo o BID. Essa cifra desvia recursos públicos de áreas essenciais para o crescimento econômico, como educação, saúde e inovação:

  • os custos com criminalidade equivalem a 78% do orçamento público destinado à educação na região;
  • representam o dobro do orçamento para assistência social; e
  • são 12 vezes superiores aos desembolsos com pesquisa e desenvolvimento.

No Brasil, os estados têm priorizado a segurança pública em detrimento de outras áreas. Entre 2018 e 2024, os gastos com segurança cresceram 14,2% em termos reais, passando de 8,7% para 9,1% do total das despesas estaduais. No Rio de Janeiro, os gastos com segurança superam os destinados a educação e saúde.

Um levantamento realizado pelo FBSP no ano passado revelou discrepâncias significativas nos gastos públicos. Em Minas Gerais, as despesas com segurança pública foram 65 vezes superiores às destinadas à assistência social, 87 vezes maiores que as relacionadas à cultura e 243 vezes maiores que os recursos destinados aos direitos da cidadania.

No Rio Grande do Norte, os recursos alocados para segurança ultrapassaram em 4.520 vezes os valores direcionados ao esporte e lazer e foram 344 vezes maiores que os destinados a habitação e moradia. No Amapá, um dos estados mais violentos do país, os gastos com segurança pública superaram em 246 vezes os recursos destinados ao meio ambiente.

A mudança de foco de recursos tem impacto direto na desigualdade social. Segundo Joana Monteiro, da FGV Ebape, a violência compromete o acesso à educação de qualidade e perpetua a pobreza.

"A falta de oportunidades econômicas e a perda de emprego levam muitas pessoas a se envolverem em atividades criminosas, criando um ciclo vicioso entre violência e pobreza", afirma.

Custos diretos são apenas a "ponta do iceberg" dos problemas com a violência

Os custos diretos com a violência e o crime representam apenas a "ponta do iceberg", limitando uma expansão econômica mais robusta e restringindo melhores condições para o desenvolvimento do país. A insegurança reduz investimentos, a produtividade empresarial e incentiva a migração, resultando em perda de capital humano.

Um dos setores mais afetados é o turismo, que tem alto potencial de crescimento no país. Capitais como Fortaleza, Recife e Salvador estão entre as mais violentas do país, desestimulando a chegada de mais visitantes e limitando o crescimento econômico.

Duas cidades na região de Salvador estão entre as cinco com maiores índices de roubo e furto de celulares. A capital baiana é a oitava em mortes causadas pela polícia, e dois dos municípios mais violentos em homicídios estão na sua região metropolitana.

Estudos do BID também mostram que maiores taxas de homicídios inibem o investimento estrangeiro, especialmente em setores de alta tecnologia e capital intensivo. A criminalidade também reduz a produtividade e a capacidade de inovação das empresas. Segundo Paul Bisca, consultor do Banco Mundial, a percepção do crime como um obstáculo grave pode reduzir a produtividade empresarial em até 9%.

A violência também incentiva a emigração, agravando a perda de talentos e capital humano. Em países da América Central com características socioeconômicas similares às do Brasil, taxas elevadas de homicídios estão associadas a maiores índices de emigração, o que prejudica o desenvolvimento econômico de longo prazo.

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