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Dal Bello em sua loja: no início, negócios até com cheque pré-datado. | Daniel Derevecki/Gazeta do Povo
Dal Bello em sua loja: no início, negócios até com cheque pré-datado.| Foto: Daniel Derevecki/Gazeta do Povo

Na direção do crédito bancário

Há poucos anos, o mercado de carros usados era centralizado em feirões e na compra e venda entre particulares. Muita gente fazia disso uma segunda fonte de renda, negociando uns poucos carros sem uma estrutura formal. Foi assim que Silvan Dal Bello começou sua loja de veículos, a Bello’s Car. Quando juntou um dinheirinho, decidiu que era hora de arriscar e abrir uma loja. Tinha cinco carros em exposição. Hoje são mais de cem. Em inúmeras ocasiões, a venda só saía com uma boa dose de confiança no comprador.

"Era comum eu ter de fechar o negócio no fio do bigode, levando um cheque pré-datado", lembra. "No começo, principalmente, dependia mais da confiança. Agora o acesso ao crédito das financeiras é mais fácil." O setor de carros usados está se consolidando com lojas maiores e financiamentos mais longos. Hoje, é possível parcelar 100% do valor do veículo em até 60 prestações.

Para Dal Bello, tão importante quanto acreditar no cliente é ganhar sua confiança. "Tem gente que fala mal de vendedor de carro usado, mas a maioria de quem está no circuito faz um trabalho sério. Tenho muitos clientes que já compraram três, quatro carros comigo", afirma. "A competição é enorme, está cheio de lojas na cidade. Quem não respeita o cliente não firma o nome no mercado." (GO)

O comerciante Lenoir Panizzi toca um pequeno mercado no bairro Pinheirinho, em Curitiba. Conhece bem a clientela que atende há 15 anos. Parte dela não precisa de dinheiro para fazer compras. Os gastos são anotados na velha caderneta de fiado e a conta é acertada depois. O dono do armazém confia nos 50 vizinhos que fazem parte dessa lista quando eles dizem que vão pagar. E é o que acontece no começo de cada mês. Relações de confiança como essa são um ingrediente essencial para o funcionamento da economia mesmo em seus níveis mais sofisticados. O que vale para Panizzi e seus vizinhos vale para Wall Street.

Imagine que Panizzi decida expandir o negócio. Ele leva seu caderno de fiado a um banco e pede uma antecipação do dinheiro. Como o comerciante é cuidadoso na seleção de quem tem crédito, o risco é baixo e o gerente da agência concorda, a um determinado custo, em fazer a operação. A relação de confiança sobe, assim, um degrau. O banco, sabendo que receberá dinheiro com determinada remuneração, pode emitir títulos com base na caderneta. Os papéis são vendidos para investidores que acreditam na solidez do negócio apresentado pela instituição bancária. Daí para a frente, os papéis podem passar por novas transformações. Operações com derivativos, swaps e securitização formariam um bolo ao redor da caderneta da venda. É a parte mais complexa da crise atual.

É claro que os mercadinhos de bairro não entrarão na roda da finança global dessa maneira. Negócios assim envolvem bens mais caros, como casas e carros, e a complexidade do rolo depende da regulação de cada país. Nos Estados Unidos, as inovações financeiras tinham carta branca para acontecer. O que deu errado para que a crise começasse? Os investidores que mexiam com os papéis exóticos lastreados em dívidas imobiliárias não tinham idéia do que estava em suas mãos. Eles não sabiam se quem comprou as hipotecas tinha como pagá-las e, ao mesmo tempo, acreditavam que a inovação financeira nas operações os preservaria de possíveis prejuízos. Teriam se dado melhor investindo na caderneta do armazém.

O pânico financeiro que seguiu a queda nas hipotecas pode ser traduzido como uma crise de confiança. É como se os clientes da venda chegassem no caixa e lhes fosse negado deixar a dívida no caderno porque não se acredita mais que a conta será paga. Sem dinheiro, teriam de tentar vender alguma coisa para levar o pão para casa. "Confiança é o grau com que acreditamos que outra pessoa vai se comportar de uma determinada forma", define Sérgio Lazzarini, professor do Ibmec-SP especializado no relacionamento entre companhias. "As relações econômicas são baseadas em expectativas. Você empresta para alguém a partir da probabilidade de que a dívida será paga."

Transparência

O conceito de confiança está presente até em escolhas triviais. Compramos uma marca de pasta de dente porque acreditamos que haverá um certo produto dentro do tubo. Essa mesma lógica, de entregar o que se promete, move o mundo dos negócios. "Quanto mais complexos ficam os mercados, mais difícil é conquistar a confiança, ver quem é quem", afirma o professor de finanças Ivando Faria, da Universidade Federal Fluminense (UFF). "Aí entra a necessidade de transparência." Vem daí, por exemplo, a demanda para que empresas abertas publiquem seus balanços.

Outra característica da confiança é que quem não cumpre a palavra é punido. Se por acaso a fábrica de pasta de dente errar a fórmula, colocando pimenta no lugar de hortelã, muitos consumidores deixarão de comprá-la para sempre. Um exemplo mais corporativo é o de balanços fraudados que, em tese, deveriam levar os responsáveis para a cadeia. "Confiança e reputação têm valor, são precificadas no mercado", diz Faria.

Uma das razões para a crise atual ter atingido níveis sistêmicos é que quem concedia o crédito aos compradores de casas nos EUA não seria punido caso as prestações não fossem pagas. "Assim, o risco não era bem avaliado", comenta o economista Giuliano Contento de Oliveira, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). "Quando estourou a crise, o volume de papéis ruins já era muito grande e eles estavam espalhados pelo sistema financeiro. Isso afetou a credibilidade de todo mundo." Agora, a desconfiança é tanta que até quem não investiu no mercado imobiliário tem dificuldade para conseguir crédito.

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