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O acesso rápido ao Google em sala de aula elimina uma dúvida que, no passado, esperaria a semana seguinte para ser esclarecida. Estudantes com necessidades educacionais diferentes não ficam mais restritos a escolas especiais e nem são chamados “alunos de inclusão”, mas estão nas escolas e, como os demais, têm o direito a aprender em aulas que considerem suas particularidades. A duração das aulas de 50 minutos, estabelecida com base em estudos que mostravam que a atenção era mantida por esse período, passa a ser discutida: dois séculos depois, a neurociência diz que a concentração das crianças se mantém por cerca de seis minutos. Todos esses exemplos mostram como a velocidade das mudanças sociais e as descobertas da ciência têm feito com que práticas centenárias nas escolas sejam questionadas. Em favor do aprendizado de cada um, todos são chamados ao exercício de repensar seus papéis.

A Gazeta do Povo ouviu especialistas para saber quais práticas da escola, na opinião deles, têm deixado de fazer sentido e que, a passos maiores ou menores, devem dar lugar a outras, confira:

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Escola como linha de produção

Houve um momento na história que, além das fábricas, as escolas foram pautadas segundo o paradigma taylorista e fordista, buscando alcançar o máximo de produção e de rendimento com o mínimo de tempo e esforço, seguindo uma linha de produção em massa. Até 1970, explica o professor de Pedagogia da UP Celso Klammer, no mundo do trabalho, a habilidade cognitiva fundamental era a coordenação motora e a acuidade visual, o objetivo era ter o preparo suficiente para executar uma função repetitiva. O gerente mandava e os trabalhadores obedeciam e reproduziam. E os alunos também deveriam seguir essa lógica, obedecendo a sirenes e se colocando abaixo daquele que assume o tablado. Diante de uma nova relação com o conhecimento, quando se percebeu que a sociedade pedia por outro perfil de cidadãos e que o aprendizado não estava mais centralizado em uma figura que detém as informações, esse modelo teve de ser repensado.

“O sinal ainda usado para que os alunos voltem às suas salas após os intervalos é considerado pré-histórico. Mas será que os jovens de hoje entrariam para as salas sem que fossem lembrados do horário? E será que as famílias estão educando seus filhos para essa autonomia?”

Maria de Fatima MinettoProfessora da UFPR

De acordo com a psicóloga Luiza Elena Ribeiro do Valle, mestre em Psicologia Escolar e Educacional e doutora em Ciências Psicologia, já se sabe que o ambiente escolar deve ser um espaço de prazer, onde aprender seja algo gostoso para quem estuda. O afeto é indispensável tanto na relação do professor com o aluno, como entre os próprios alunos. “Antes eles ouviam e obedeciam, agora os estudantes têm cada vez mais cedo opiniões, estão aprendendo a pensar. E precisam desse compartilhamento com os pares. Trabalhar em equipe e saber lidar com necessidades individuais, favorece o lado da interação, o respeito e o entendimento de limites”, afirma a psicóloga.

Padronizados e disciplinados

Camisa, sapato colegial, saia plissada na altura do joelho ou calça azul com meia preta, quem sabe até gravata e boina. Se era dia da revista na escola e algum aluno fosse pego sem as meias pretas, tinha de voltar para casa. Mais do que padronizar, a rigidez na obrigatoriedade do uso de uniforme era uma forma de disciplinar. Além desse costume, não se erguia a voz para o professor, boné em sala de aula era impensável e qualquer comportamento considerado digno de punição recebia a resposta: ou ajoelhava no milho, ou ficava de castigo no canto da sala, ou experimentava a palmatória ou reguadas, alguns dos métodos de punições físicas e psicológicas que disciplinavam pelo medo. As portas das salas de aula também tinham uma janelinha, por onde alunos e professores podiam ser observados e avaliados. À medida que o ato de ensinar foi sendo repensado e os direitos de crianças e adolescentes avançaram, proibindo uso de castigo físico ou tratamento degradante como forma de correção, a relação de poder e medo entre professores e alunos perdeu espaço nas últimas décadas. O mesmo é observado nas relações patriarcais dentro de casa, quando o pai mandava e vigiava, tempo de relações rigidamente hierarquizadas.

Hoje o tempo é da flexibilização e de relações mais descartáveis. Os uniformes ainda são usados em parte das escolas, mais pelo enfoque da identificação como estudante; as portas com janela se justificam mais pela transparência que pela vigilância e cada vez mais o professor deixa de lado a postura de detentor todo-poderoso do conhecimento para estar próximo dos alunos, como mediador e parceiro das descobertas. Ainda se busca uma forma de equilibrar as relações para que sejam pautadas em valores como respeito e limites. Desafio da escola, mas também das famílias e da sociedade como um todo.

“Copie em seu caderno”

Até o século 16, livros eram caros e o papel não era acessível para a maior parte da população. O registro escrito passou a ter importância com a ascensão da burguesia europeia que, pelo comércio, passou a registrar bens, créditos e débitos. A escola seguiu a mesma tendência e a carteira passa a ter uma grande importância. Hoje, o acesso à tecnologia da informação, porém, faz com que se perceba que a aprendizagem vai muito além do meramente ler, copiar e decorar para reproduzir em uma prova. Com o avanço da neurociência, reparou-se que não é bom para o cérebro reduzir o ensino a esse esquema, bem como separar com rigidez o momento da recreação ou brincadeira do momento da aula. Para a professora de Pedagogia Diana Tatit, mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP), aquele ambiente silencioso para a cópia de conteúdos e memorização, em que distrações não eram permitidas, não é o melhor paradigma para a aprendizagem. “As crianças prestam atenção em mais de uma coisa ao mesmo tempo; elas podem ter aula, folhear uma revista, conversar e mesmo assim aprender, mas a escola de hoje ainda não admite isso”, afirma.

Professor que domina o conteúdo, e só

Formação técnica é fundamental: um professor de História, por exemplo, tem de conhecer os acontecimentos históricos e seus desdobramentos. Mas na sala de aula atual, esse saber precisa estar alinhado com outro específico da docência: o pedagógico. Ainda existem professores preocupados em “dar sua aula” sem levar em consideração como cada um de seus alunos recebe as informações e se de fato aquela experiência foi bem-sucedida. Hoje, cada vez mais, o professor se torna um profissional multifuncional. Segundo especialistas da área, além de dominar o conteúdo de História, como na hipótese descrita, um professor deve entender de sociologia sem ser sociólogo, de psicologia sem ser psicólogo e reunir as habilidades necessárias para atuar como um mediador entre o conhecimento e o aluno. Precisa deixar de ensinar “para a massa” e apostar em um ensino personalizado, onde a decoreba perde espaço para a compreensão do funcionamento do mundo, das relações e do próprio papel na sociedade.

A temida prova – individual e sem consulta

Desde o século 19, a forma de se comprovar que o aluno foi capaz de acompanhar o que o professor ensinou tem sido a avaliação escrita. Hoje, espera-se que a escola tenha outras formas de avaliação e defina em seu projeto pedagógico quais serão adotadas. “A prova escrita é apenas um dos instrumentos possíveis, foi o único até 1970; corresponde ao valor que a escola de antigamente dava à habilidade cognitiva da memória. A preocupação hoje é maior, a de que o aluno tenha pensamento crítico, faro investigativo e capacidade de fazer relação entre os fatos”, afirma o filósofo Celso Klammer, professor de Pedagogia, doutor em Educação e coordenador do curso de formação de professores da Universidade Positivo (UP).

A escola só será diferente se as pessoas mudarem

As práticas do século retrasado estão em todos os níveis de ensino, do infantil até as universidades, onde são muitos os traços de continuidade em comparação com as descontinuidades, segundo o professor de História da Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Carlos Eduardo Vieira, doutor em História e Filosofia da Educação. No início da vida escolar, já se nota uma série de rotinas, rituais e práticas que seguem intocadas. De acordo com o professor, algumas delas porque oferecem respostas aos objetivos da escola. Por exemplo, fazer fila para entrar segue cumprindo o objetivo da escola de controlar e disciplinar as crianças. Outras permanecem pelo peso da tradição e da cultura.

“A escola tem uma cultura própria que, ainda que em sintonia com outras esferas sociais, impõe especificidades. A comunidade escolar precisa repensar as rotinas, as normas, os rituais e as práticas que compõem o cotidiano da escola e, assim, avaliar as razões históricas e contemporâneas que justificam a sua permanência. O problema não é a permanência de uma prática ou norma, mas a ausência de uma consciência atualizada sobre a sua pertinência”, afirma Vieira.

Apesar de as mudanças sociais terem sido mais rápidas e perceptíveis que as identificadas na escola, é evidente que a escola tem se transformado, superando obstáculos ao longo do caminho, segundo a psicóloga e professora da UFPR Maria de Fatima Minetto, mestre em Educação e doutora em Psicologia.

Ao considerar a atuação de um professor que parece não estar em sintonia com o que se espera no século 21, é preciso entender que o problema é mais complexo. “A estrutura básica de formação vem se atualizando com frequência, mas somente isso não pode fazer um milagre. O professor recém-formado chega à escola cheio de ideias e de concepções sobre aprendizagem e desenvolvimento e se depara com amarras que dificultam ações”, lembra Minetto.

Nesse sentido a professora de Pedagogia Diana Tatit, mestre em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) lembra a máxima de que a docência é um ofício que se aprende na prática. “Um professor recém-formado chega à escola e escuta que pode jogar fora tudo o que aprendeu, pois é a partir dali que ele vai de fato aprender como funciona a escola. Isso distancia a formação inicial e teórica e a prática escolar. Diante do ‘sempre foi assim e sempre vai ser’, o novo professor tem de perguntar se é o caso de permanecer com a mesma prática ou se é possível repensar e se atualizar”, afirma Tatit.

Os próprios alunos e a família também precisam assumir seus papéis para esse avanço da escola e da aprendizagem. “O sinal ainda usado para que os alunos voltem às suas salas após os intervalos é considerado pré-histórico. Mas será que os jovens de hoje entrariam para as salas sem que fossem lembrados do horário? E será que as famílias estão educando seus filhos para essa autonomia?”, provoca a professora da UFPR.

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