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Um dos principais argumentos a favor da diversidade do corpo docente dos EUA é o de que os alunos negros costumam se sair melhor academicamente quando têm professores negros. Um estudo de 2010, intitulado “Diversificando o Corpo Docente: uma Análise dos Principais Argumentos”, descobriu que “professores negros usam o seu conhecimento pessoal sobre a linguagem, a cultura e as experiências de vida dos alunos negros para melhorar seus resultados acadêmicos e experiências escolares”.

Para ir além desse estudo, uma professora – branca – quis deixar o seu depoimento no The Washington Post para explicar a importância de alunos brancos terem aulas com professores negros. O nome dela é Ashley Lamb-Sinclair, ganhadora do prêmio Professora do Ano do Kentucky, de 2016. Ela também é fundadora e executiva-chefe da Curio Learning, uma empresa de tecnologia educacional que está em vias de lançar uma plataforma para o desenvolvimento profissional de professores. Confira:

*Por Ashley Lamb-Sinclair

“Robert Trumbo foi a primeira pessoa na vida que me disse que eu seria professora. Não foi só uma sugestão, mas quase uma ordem, ou, pelo menos, uma profecia. Eu estava sentada na sua aula (...), ajudando um dos colegas com uma redação, quando o Mr. Trumbo chegou e me disse, “Você é uma professora, Ashley Lamb”.

Por mais que à época eu mesma discordasse abertamente, eu acreditei nele, sobretudo porque o Sr. Trumbo foi um dos professores que eu mais respeitava, e a sua presença na minha vida era quase mitológica. Ele havia dado aula para minha mãe e tias, e foi um dos meus professores favoritos também. Se o Sr. Trumbo dissesse qualquer coisa que fosse, você prestava atenção.

É difícil acreditar em generalizações racistas quando há um ser humano que contraria esses comentários ali na sua frente, todos os dias.

Ele exigia que todos os alunos decorassem o seu próprio número do Seguro Social [o equivalente ao CPF no Brasil], porque “confiem em mim”, ele dizia, “vocês vão precisar”. Ele explicava a importância de manter sempre uma “boa avaliação de crédito”, uma mensagem da qual eu me lembrei com muita vergonha mais tarde, sempre que estourava meu cartão de crédito durante a faculdade. O Sr. Trumbo ficava possesso, com uma fúria irracional, toda vez que alguém tinha um acesso de flatulência na sua sala, e ia para lá e para cá espirrando Lysol [produto de limpeza] e se esforçando o máximo para não falar palavrão, e achávamos muita graça nisso.

Ele foi o único professor que eu já vi chorar. Nossa escola sofreu a perda trágica de dois alunos num acidente com um motorista alcoolizado, e eu jamais esquecerei como a voz do Sr. Trumbo falhava quando ele mencionou que os pais haviam perdido um filho. Soubemos então que o próprio Sr. Trumbo havia sofrido uma tragédia própria e impronunciável. Naquele momento, ele não era mais o Sr. Trumbo – o meu professor, o mito –, mas um homem que havia perdido o filho. E o Sr. Trumbo foi a pessoa que veio falar comigo – uma menina branca –, abertamente e com toda a consideração do mundo, sobre como era ser um homem negro.

Não era como se eu tivesse crescido sem ter contato com negros. Os vizinhos da casa onde eu cresci eram uma família negra, que me tratavam como se eu fosse de casa. Uma das meninas mais velhas era minha babá, e o menino mais novo foi meu melhor amigo. Eu ia à igreja com eles, e passei várias noites na casa deles. Em toda a minha vida, minhas turmas na escola eram variadas – basicamente meio a meio entre brancos e negros. Minha exposição a pessoas de tom de pele diferente foi mais ampla do que a da experiência da maioria dos norte-americanos brancos. Alunos brancos costumam ter aula em escolas nas quais são a maioria, e “alunos brancos raramente vão para escolas onde compõem menos de 25% dos alunos matriculados”.

Mas, por mais que eu tivesse alguma noção, como eu poderia compreender a experiência dos negros americanos a não ser que alguém se dedicasse a falar abertamente disso comigo? E foi o que o Sr. Trumbo fez.

Como uma professora branca que, no momento, leciona numa escola primariamente branca, eu me vejo diante de questões raciais o tempo inteiro, e me sinto despreparada para lidar com elas. Ao dar aulas sobre o “O sol é para todos”, é inevitável que eu me veja diante de uma turma cheia de alunos brancos que querem discutir os prós e contras do uso de termos raciais pejorativos no texto. Pior ainda é quando eles querem ignorar a sua presença.

Mas o principal é que não só o Sr. Trumbo era negro, como era um professor fenomenal. Ele nos fazia ir além. (...) Mas, porque ele era negro e um grande professor, os alunos brancos de suas turmas tinham um homem negro como referência de pessoa de autoridade e conhecimento.

Ou então, quando lemos “The Other Wes Moore” [sem tradução para o português] e os alunos querem discutir eventos parecidos aos do livro, como os massacres recentes cometidos por policiais contra a população negra, e, de repente, eu, uma mulher branca, me flagro diante de jovens cabecinhas cheias de dúvidas que precisam de uma perspectiva que possa ajudá-los a entender o que veem nas redes sociais ou ouvem dos colegas. Mas não posso explicar para eles qual é a sensação de ser um negro nos EUA.

O Sr. Trumbo falou comigo numa certa manhã trágica, porque ele me ajudou a entender qual a sensação de se perder um ente querido, e eu mesma nunca esqueci o que ele disse. E quando ele apertou o botão de pausa numa cena importante da minissérie “Roots” e explicou para mim o contexto daquele momento a partir de sua própria experiência de vida, nós entendemos um pouco como era para o Sr. Trumbo ser um homem negro e toda a história que vinha com isso. O que aconteceria se nossos alunos brancos, em escolas primariamente brancas em todo o país, tivessem a oportunidade de criar empatia com um adulto de respeito capaz de falar de questões raciais a partir da própria experiência?

Porém, por mais que muitas das nossas escolas tenham se tornado mais diversificadas, a população docente só tem ficado mais branca. Muitos argumentam que isso é um problema especialmente para os alunos que fazem parte de minorias, que se beneficiam de ter professores que são como eles. É óbvio que alunos negros precisam de professores negros, mas, a partir da minha experiência, eu sei da importância para os alunos brancos terem professores negros também, sobretudo em nosso clima político atual, com a ascensão do bullying nas escolas.

Segundo o Southern Poverty Law Center, “Os professores vêm observando um aumento no bullying, assédio e intimidação de alunos cuja etnia, religião ou nacionalidade foram alvos verbais dos candidatos nas campanhas eleitorais”. Precisamos de educadores pertencentes às minorias nessas salas de aula que possam trazer uma perspectiva às palavras e ações das pessoas que cometem bullying contra outras etnias.

Mas o principal é que não só o Sr. Trumbo era negro, como era um professor fenomenal. Ele nos fazia ir além. Ele enxergava quem éramos de verdade. Ele nos fez rir e por vezes nos fez chorar. Ocasionalmente nos deixou com raiva também, mas nós o respeitávamos como pessoa e educador em primeiro lugar e antes de tudo. Mas, porque ele era negro e um grande professor, os alunos brancos de suas turmas tinham um homem negro como referência de pessoa de autoridade e conhecimento.

É difícil acreditar em generalizações racistas quando há um ser humano que contraria esses comentários ali na sua frente, todos os dias. A resposta ao problema não é simplesmente recrutar professores que pertencem a minorias só para fazer número, mas fornecer caminhos para que todos que são capazes de se tornarem professores fenomenais tenham a oportunidade e autonomia para isso.

O pai da minha mãe uma vez lhe disse, “Prefiro te ver num caixão do que namorando um negro”. Ele a proibiu de ouvir os discos de Fats Domino, um de seus músicos favoritos, porque ele era um negro que namorava brancas. Ela cresceu num lar onde teria sido fácil aceitar e repetir estereótipos racistas como se fossem verdadeiros. Mas ela teve aulas com o Sr. Trumbo no ensino médio, e ela o amava. Ele era a refutação humana de uma retórica na qual, sob outras circunstâncias, ela poderia ter acreditado.

O que aconteceria se todos os alunos brancos dos Estados Unidos tivessem tido aula com um Sr. Trumbo? Eu gosto de pensar que essa retórica racista seria bem mais dura de engolir e muito mais difícil de ser reproduzida pelos nossos jovens.”

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