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Imagem do movimento estudantil contrário ao Maduro, em protesto no último dia 21 de novembro. A faixa diz: “Não te rendas”.
Imagem do movimento estudantil contrário ao Maduro, em protesto no último dia 21 de novembro. A faixa diz: “Não te rendas”.| Foto: Centro de Comunicación Nacional / Reprodução Twitter

A palavra "socialismo" não existe na constituição venezuelana. Mas, em 2007, Chávez tentou propor essa forma de governo por meio de reforma constitucional. Ele pediu aos venezuelanos que lhe dessem um cheque em branco para estabelecer uma "economia socialista" e criar províncias, cidades e distritos por decreto presidencial – nomeando diretamente suas autoridades –, entre outras extensões de seus poderes. Quando foi eleito por uma "maré vermelha" para seu segundo mandato de seis anos como presidente, em 2006, havia sobrevivido a um referendo revogatório e a uma tentativa de golpe de estado. Ele se sentia confiante. A audaciosa tentativa de conseguir o cheque em branco, em 2007, também incluía a extensão de seu mandato e sua reeleição sem limites.

Mas, para surpresa de todos, os venezuelanos disseram “não” ao socialismo em um referendo consultivo. Não foi por magia. Por trás da primeira grande derrota eleitoral de Chávez, dois fatores operaram: o fechamento do canal de televisão com maior cobertura, antiguidade e raízes na Venezuela, a RCTV; e a organização dos estudantes universitários, descontente com a arbitrariedade contra a liberdade de expressão e o entretenimento dos venezuelanos. Após o fechamento da RCTV em maio de 2007, o Movimento Estudantil floresceu nas universidades de todo o país, e informou aos venezuelanos sobre os riscos do cheque em branco para Chávez, impulsionou a campanha do “não” contra a reforma, e cultivou uma nova geração de liderança política decisiva para a Venezuela nos anos seguintes.

Juan Guaidó, estudante de Engenharia em 2007, vem do Movimento Estudantil Venezuelano. Da mesma forma, os deputados de oposição Freddy Guevara, Gabriela Arellano, Juan Andrés Mejía, Stalin González, Miguel Pizarro e Juan Requesens, hoje prisioneiro político da ditadura de Nicolás Maduro.

Ao longo de 20 anos de um regime que chegou ao poder por uma eleição popular e nunca mais quis ir embora, há muitas batalhas travadas e períodos de aparente letargia. Mas sempre que parece que a ditadura venceu, derrotou e cansou uma sociedade que acabou desistindo, as universidades e seus estudantes mostram ao mundo que os venezuelanos ainda estão vivos. Por trás do protesto pacífico e seus picos nos últimos anos, estão as universidades e os estudantes. Tanto em 2014 como em 2017, anos com períodos contínuos de protestos, os estudantes foram os protagonistas e também o principal foco da repressão ditatorial. Estudantes venezuelanos aumentam as listas de milhares de prisioneiros e detidos em protestos.

“A luta de um ano não é suficiente e a luta de um dia é menos. As pessoas ficam desencorajadas porque não conseguem o que esperam. O que precisa ser entendido é que o esforço deve ser sustentado e a luta mais determinada”, aponta Rafael Punceles, estudante representante da Universidade Católica Andrés Bello, em uma entrevista ao portal Prodavinci. Ele e os líderes de outras universidades realizaram um protesto em 21 de novembro, o dia do estudante universitário. Juntamente com David Sosa, estudante representante da Universidade Central da Venezuela, dialogaram com jovens militares em um chamado para apoiar a Constituição e os venezuelanos, sem assumir uma posição política.

Punceles e Sosa integram uma geração de jovens que mal conhece ou viveu outro governo, ou outra Venezuela não governada por Chávez e seus herdeiros. Ainda assim, essa juventude reflete, reage, exige e reivindica. Ocupa espaços, participa da política estudantil. Não dá o país por falido.

“Os estudantes universitários são um dos setores de maior prestígio e valor público da sociedade”, explica o reitor da Universidade Metropolitana, Benjamin Sharifker, em entrevista para a Gazeta do Povo. Sharifker foi reitor de uma universidade pública, a Universidade Simón Bolívar, e da privada Universidade Metropolitana durante a era Chavista. Conhece os desafios compartilhados que as universidades públicas e privadas têm na Venezuela. Ele afirma que, apesar dos estimados 5 mil venezuelanos que deixam o país diariamente, ainda há estudantes e jovens para formar no país

“Entre 4 e 6 milhões de pessoas saíram do país, mas ainda há uma população com muitas pessoas que querem educação. A maioria tem planos de ir embora para o exterior no final de seus estudos, a metade dos graduados da Universidade Metropolitana emigraram. Mas aqui as universidades públicas mantêm uma certa qualidade, apesar das dificuldades, e as privadas são mais baratas na Venezuela em comparação com o Chile ou a Colômbia”, explica. “Há também quem fica para estudar na Venezuela por razões idealistas e ligação nacional”, relata Sharifker.

Boa parte da diáspora venezuelana estabelecida na América Latina se destaca por seus níveis de formação. Entre 2000 e 2011, uma massa de profissionais venezuelanos do petróleo, demitidos da indústria nacional pelo regime chavista, ajudou a impulsionar decisivamente a indústria petroleira na Colômbia. Na Argentina, de acordo com dados da Direção Nacional de Migração, mais de 80% dos 165.688 venezuelanos que entraram no país entre 2014 e 2019 têm uma ocupação ou profissão.

Não se dobram, mas sofrem arrocho

As universidades venezuelanas têm sido “inimigas” naturais do chavismo-madurismo, juntamente com empresas privadas, a igreja e nações como Estados Unidos e Reino Unido. Para começar, elas são autônomas por mandato constitucional. Isso significa que são livres para determinar os programas de ensino e pesquisa, a organização e a operação. Isso as torna reservas de pensamento crítico. Mas elas não têm autonomia financeira, já que 95% dos recursos das universidades públicas vêm do Estado e, mesmo antes da era chavista, já lutavam por orçamentos justos e para permanecer nos primeiros lugares na lista de prioridades dos governos.

No entanto, hoje sofrem mais com a falta de recursos. Apenas sobrevivem em meio a cortes nos orçamentos, aos embates da hiperinflação prolongada e a uma economia destruída. Elas não têm dinheiro para a manutenção básica dos banheiros, as bibliotecas estão abandonadas e desatualizadas, e as salas de jantar estão fechadas.

A Universidade Simón Bolívar recebeu apenas 55 dólares para manter a biblioteca ao longo de 2019. Ainda assim consegue se posicionar nos rankings das melhores universidades latino-americanas e mundiais. Este ano foi classificada como a 38.ª das 100 melhores universidades da América Latina pelo consultor QS (Quacquarelli Symonds). No ranking mundial, está na faixa de 801-1000. Os graduados têm um selo de qualidade. Hoje, muitos deles integram os escritórios da Amazon, Google, Facebook e Microsoft em todo o mundo.

As ondas de migração também afetam as universidades. “As públicas são muito prejudicadas pela fuga de cérebros professorais”, explica Sharifker. Ele afirma que metade dos professores emigrou, ou mudou de ramo. “Os professores de nível médio ganham entre US $30 e US $50 por mês”, diz ele. Por outro lado, as universidades privadas conseguiram ajustar um pouco os salários e reter funcionários. Um professor de uma universidade privada ganha cerca de US $400 por mês.

Alguns apoios vêm de fundações nacionais e internacionais e dos graduados que, do exterior, fazem doações e se organizam para mantê-las vivas. A organização de graduados da Universidade Simón Bolívar AlumnUSB busca e canaliza doações para bolsas de estudo e outras necessidades. Este ano, a universidade conseguiu ingressar como destinatária da doação de 0,5% das compras feitas via Amazon Smile durante os dias de black friday nos Estados Unidos.

Reação do chavismo: as Universidades Bolivarianas

O sistema universitário venezuelano é composto por cerca de 70 universidades públicas e 40 privadas. Nos anos 90 e nos primeiros anos do chavismo, elas foram acusadas ​​de excluir estudantes porque não podiam cobrir toda a demanda educacional. As cotas para estudar em quase todas as universidades eram obtidas com a apresentação de um exame de admissão, o qual relegava alunos com deficiências do ensino fundamental. Naquela época, era mais fácil e rápido culpar as universidades do que fazer o necessário para resolver os problemas de acesso e qualidade da educação escolar anterior.

O regime adotou dois cursos de ação: a criação de um sistema paralelo de universidades “bolivarianas”, com entrada automática e carreiras rápidas com currículos altamente questionados; e minando a autonomia das universidades tradicionais do sistema, com o objetivo de tomá-las.

As universidades do sistema paralelo (12 núcleos da “Universidade Bolivariana” fundada por Chávez em 2003, e as seis sedes da Universidade das Forças Armadas Nacionais, UNEFA) estão a serviço do “socialismo”, e orientadas em seus programas e diretrizes para o “Plano da Pátria”, criado por Hugo Chávez. O site da Universidade Bolivariana descreve-a como formadora de “Líderes Profissionais do Socialismo” e apresenta declarações de seu reitor que se referem ao que “Chávez e Maduro ensinam” sobre o significado e o objetivo da educação universitária. As autoridades universitárias são nomeadas diretamente pelo regime.

Nas universidades autônomas, as autoridades são escolhidas, na maioria dos casos, por meio de votação por parte dos membros da comunidade universitária: professores, estudantes, e graduados, de acordo com o que determina a Constituição. Em 2009, o Supremo Tribunal do chavismo suspendeu a realização de eleições em universidades autônomas. Com isso, em muitas delas as autoridades permanecem as mesmas, com mandatos expirados há 10 anos. Se elas se retirarem, o Conselho Universitário do regime designaria os substitutos.

Juntamente com o arrocho orçamentário, a jogada foi uma aposta no desgaste das comunidades universitárias. Sem sucesso, em agosto deste ano, o regime emitiu uma decisão que obriga as universidades a realizar eleições antes de março de 2020, mas com regras que violam a Constituição e as normas de representação nas universidades. O regime - numa tentativa de manipular sindicatos de trabalhadores administrativos e operários, e aduzindo democracia e participação - quer forçar as universidades a incluí-los no voto para eleger as autoridades.

As universidades resistem alegando inconstitucionalidade e a defesa da sua autonomia. Elas não realizarão eleições com regras impostas pela ditadura. Ainda é preciso saber se, após o período indicado, o regime tentará impor novas autoridades designadas a dedo, e se as últimas reservas de resistência à ditadura e os venezuelanos irão permitir.

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