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Embora seja uma possibilidade prevista em lei federal desde 1996, o Regime de Progressão Continuada (RPC) ainda divide opiniões entre especialistas em educação, gestores públicos e na comunidade escolar. Vale a pena passar todos os alunos de série, independentemente das notas? 

A progressão continuada está associada a ciclos de dois ou mais anos. Em cada ciclo, os alunos são promovidos automaticamente para a série seguinte. No entanto, o modelo esbarra nos problemas de planejamento e de estrutura do ensino brasileiro. 

No Brasil, 25% das escolas oferecem o ensino por meio de ciclos,  segundo a organização Todos Pela Educação. A proposta de aprovação automática, entretanto, não é popular nem mesmo entre os professores. Segundo uma pesquisa feita em 2014 pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) em parceria com o Instituto Data Popular, seis em cada dez educadores da rede são contra a progressão continuada.

A cidade de São Paulo, por exemplo, foi uma pioneira na adoção do modelo, ainda nos anos 1980. Paulo Freire, que foi secretário de Educação do município, deu o pontapé inicial. Mas a cidade abriu mão do modelo quatro anos atrás, após idas e vindas.

Cesar Callegari, membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) e presidente do Instituto Brasileiro de Sociologia Aplicada, foi secretário municipal da Educação de São Paulo entre 2013 e 2014. Para ele, o conceito do RPC foi desvirtuado e se transformou em aprovação automática sem garantia de aprendizagem, além de ter levado alunos e professores à negligência. “Os estudantes chegam ao final dos ensinos fundamental e médio sem absorver os conhecimentos nos momentos adequados”, afirma. 

No estado de São Paulo, a implementação do RPC surgiu em 1998, durante o governo de Mário Covas. Em janeiro de 2009, uma ação civil pública chegou a ser movida contra o Estado de São Paulo pelo promotor de Justiça do município de Várzea Paulista, Fausto Luciano Panicacci, para impedir a promoção de alunos que não estavam aptos para a série seguinte do ensino fundamental. 

"Eu mesmo já observei adolescentes que não conseguem sequer assinar seus nomes. Houve também um caso de um estudante que deveria estar na Apae (Associação dos Pais e Amigos do Excepcionais), por ter deficiência, e chegou à sétima série sem saber nada. Não se pode aceitar uma situação dessas”, disse o promotor à Folha de S. Paulo na época. 

Alfabetização

A ideia de progressão continuada é mais aceita quando o alvo são alunos na fase de alfabetização. 

O CNE (Conselho Nacional de Educação) editou em 2011 uma recomendação pelo fim da reprovação nos três primeiros anos do ensino fundamental. A proposta se baseia na conclusão de que, no início da vida escolar, repetir de ano traz mais prejuízos do que ganhos. 

Callegari defende a orientação do CNE. “Não acho que as crianças devem ser reprovadas no primeiro ou segundo ano do ensino fundamental. Elas não podem ser retidas nesse ciclo. Nós temos uma orientação clara no Brasil de que a alfabetização é um ciclo com duração de três anos”, argumenta. 

Professora aposentada da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do Conselho Estadual de Educação, Carmem Maria Craidy, também é favorável ao ciclo inicial sem interrupção para a fase de alfabetização. “A promoção da aprendizagem contínua não significa que o aluno deixará de ser avaliado e suas dificuldades diagnosticadas e trabalhadas”, diz ela. 

O professor da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo) Ocimar Munhoz Alavarse, que já foi coordenador pedagógico da rede municipal de São Paulo, de 1995 a 2008, afirma ser favorável ao RPC e diz que “a repetência não tem demonstrado potencial pedagógico que a grande maioria dos professores admitem ter”. 

De acordo com Alavarse, o Brasil é um dos países que menos aprova alunos da educação básica. “Quando Ideb nasceu, a ideia que se tinha era que os governantes iriam mandar aprovar todos os alunos para o índice subir. Quando a gente olha a série histórica de 2007 para cá, a aprovação tem um índice de crescimento muito pequeno.” Em 2010, o índice de reprovação nas escolas brasileiras é de 19% dos alunos, enquanto que a média mundial é de 3%. 

Na visão de Carmem, passar os alunos automaticamente em séries ou ciclos pode ser possível, mesmo se considerarmos lugares com ensino muito ruim. “Se houver proposta pedagógica, é possível passar. O fundamental é se comprometer com a aprendizagem do aluno. Todos têm condições de avançar. [...] O aluno deve aprender pelo prazer e não por nota.” Segundo ela, “não se deve fazer apologia da reprovação, que existe hoje na cultura das escolas, nem mentalidade que aprova de qualquer jeito.” 

O que diz a lei 

Segundo a Lei 9.394 de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, as unidades que “utilizam progressão regular por série podem adotar no ensino fundamental o regime de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do processo de ensino-aprendizagem, observadas as normas do respectivo sistema de ensino”. 

A legislação também prevê que “a educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar”. 

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