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O escritor Carlos Heitor Cony, de 79 anos, diz ser contra a política de imposição de livros aos estudantes como ocorre desde o ensino fundamental até o vestibular em muitas instituições do país. Universidades e faculdades, por exemplo, impõem uma lista de obras que devem ser lidas, pois questões relacionadas a algumas delas estarão no exame vestibular. Um exemplo é a lista de dez livros indicados ao concurso da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Para Cony, o sistema é "um erro da pedagogia atual". A escolha, segundo o escritor, deve ser livre e a leitura "fonte de prazer".

Em entrevista à Gazeta do Povo Online, Cony também falou sobre o difícil mercado de trabalho que encontrarão os futuros jornalistas do Paraná, suas preferências literárias e o projeto de um novo romance, previsto para ser publicado no final de 2007. O escritor é autor de inúmeras obras, como romances, crônicas, contos, ensaios biográficos, obras infanto-juvenis, adaptações, teatro e traduções. Entre os destaques, está o livro "Quase memória", vencedor de dois prêmios Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, como "Melhor Romance" e "Livro do Ano - Ficção". O romacista e cronista ocupa a cadeira número 3 da Academia Brasileira de Letras (ABL) há pouco mais de cinco anos. Carioca da gema, fez faculdade de Filosofia e, assim como pai, se dedica há muitos anos à carreira de jornalista.

No último sábado, o imortal esteve em Curitiba, acompanhado dos também imortais Nélida Piñon, Lygia Fagundes Telles e Moacyr Scliar, para participar do evento "Livro em Cena Decisivo", para comentar as obras indicadas ao vestibular da UFPR. Atualmente, Cony tem suas crônicas publicadas diariamente na "Folha de São Paulo". No jornal "Gazeta do Povo", os textos são publicados de segunda a quinta-feira e nos fins de semana, no primeiro caderno. Confira a seguir os principais trechos da entrevista com o escritor.

Gazeta do Povo Online - Qual a sua opinião sobre o sistema de adoção de obras literárias utilizado por escolas e faculdades?

Cony - Eu sou absolutamente contra a adoção desses livros. Eu tenho alguns livros indicados para vestibular e nas escolas e isso (referindo-se à sua opinião contrária) poderia até me prejudicar e prejudicar as editoras, mas eu acho que é um erro da pedagogia atual pegar um determinado autor ou um determinado livro e ficar com ele o ano todo, por exemplo. Isso faz com que o índice de leitura em geral caia em todo o Brasil, porque evidentemente numa classe de 80 alunos, haverá 40 alunos, digamos, que se identificarão com o livro, mas haverá 40 também que não gostarão do livro.

-De que forma essas instituições de ensino poderiam apresentar a literatura aos seus estudantes?

Cony - A leitura, antes de ser fonte de conhecimento, ela deve ser fonte de prazer. O certo seria, no meu entender, liberdade de escolha, como acontece mais ou menos na internet. Nela, há um lugar chamado menu que te dá várias alternativas. No que diz respeito à leitura, também te dá um menu terrível, em que você escolhe o livro, de aventura, de ação, romântico, espírita, auto-ajuda. Esses sites, esses blogs têm realmente leitores porque as pessoas procuram aquilo que lhe dá prazer, que têm interesse. Há pessoas que adorarão estudar 20 anos Euclides da Cunha; conheço gente que tem mais de 80 anos e não fez outra coisa a não ser estudar Camões, e fizeram roteiro de Camões, foram às Índias, só não repetiram a experiência do naufrágio (risos). Agora, muita gente não gosta de Euclides da Cunha, não compreende Camões, também não gosta de Machado de Assis, prefere José de Alencar ou Guimarães Rosa.

-Você comentou que nos anos em que estudou o ensino fundamental o menu de opções era apresentado em forma de antologias. Como era esse sistema e de que forma influenciou para sua carreira literária?

Cony - O aluno recebia as antologias com trechos e informações bibliográficas de autores de vários livros, clássicos e modernos. Eu, por exemplo, entrei pra literatura porque peguei uma dessas antologias, li um trecho de "Memórias de um Sargento de Milícias", do menino que não sabia matemática e o professor deu palmada com a palmatória e botou de castigo de frente pra parede. Eu me identifiquei com aquele menino. Eu tinha dez anos na época. Havia um trecho também de "O Guarani", li mas não me identifiquei com aquele índio andando na palmeira, brigando com aqueles animais, os portugueses. E aí, resultado: eu adorei o "Sargento de Milícias". Faço minha justiça ao Guarani e a todos de José de Alencar, mas não me identifico com eles. Isso que aconteceu comigo lá atrás acontece hoje com todo mundo.

-Como você avalia o futuro de um estudante que lê apenas o que lhe é oferecido na escola?

Cony - É muito comum ver pessoas em nível universitário que leram três ou quatro livros de literatura. Leram Jorge Amado, Graciliano Ramos e Clarice Lispector, e não leram Fernando Sabino, Rubem Braga, João Ubaldo. Eu já fiz vestibular pra Faculdade Nacional de Filosofia e uma das perguntas era: Fale sobre um livro que leu recentemente e faça uma crítica. Eu escolhi Menino de Engenho (José Lins do Rego, 1932). Acredito que deveria ser adotado um menu, tal como na internet, com um elenco de livros e oferecer aos alunos, e eles então teriam suas preferências naturais.

-O curso de jornalismo é muito concorrido no Paraná. Na UFPR, por exemplo, esta é a terceira carreira mais escolhida (antes vem Publicidade e Propaganda e Medicina). O vestibular 2006 terá 28,03 candidatos por vaga. Qual a sua avaliação sobre a profissão de jornalista e o mercado de trabalho?

Cony - Os dois primeiros lugares, Publicidade e Medicina, são carreiras que ainda têm mercado. Agora, o jornalismo é um mercado difícil. Eu tenho a impressão de que 80% do pessoal que se forma em Comunicação ou fica sem emprego ou vai trabalhar em empresas, como assessores de imprensa. E não é essa a vontade inicial, o motivo fundamental que levou esses jovens a fazerem jornalismo. Todos quiseram trabalhar em jornal, enfrentar a realidade, opinar, palpitar, pesquisar, investigar. Por uma questão de mercado acabam exercendo uma função, não secundária porque todo trabalho é justo, mas que não é exatamente o que eles queriam. Mas aqueles que conseguem entrar no mercado real, que é da mídia, do jornal, mais promissor, esses vão enfrentar também uma concorrência muito grande.

-Qual livro você está lendo ou o último que leu? Há novos projetos em vista?

Cony - O último livro que eu li, novo, foi a Menina de Ouro. Foi um livro traduzido por vários autores e eu traduzi alguns capítulos. Estes dias, eu cheguei de Cuiabá muito cansado, e quando eu estou muito cansado eu pego sempre um livro que eu releio sempre, e eu reli o Quincas Borba, de Machado de Assis. Daqui a um ano mais ou menos, terei de entregar um romance novo, mas eu não tenho a idéia, não comecei a escrever ainda, tenho só o título "Adiantado da Hora". Vai ser publicado em dezembro ou em janeiro.

Você concorda com o escritor Carlos Heitor Cony quando ele afirma que é contra a imposição de listas de livros? Dê a sua opinião no Fórum.

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