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Imagem de documento sobre educação antirracista para professores no Ceará: cartilha mais parece um panfleto de propaganda política.
Imagem de documento sobre educação antirracista para professores no Ceará: cartilha mais parece um panfleto de propaganda política.| Foto: Reprodução

Cada vez mais estados e prefeituras têm implementado uma “educação antirracista” em suas redes de ensino. O avanço desse tipo de currículo é problemático: embora seja razoável que o combate ao preconceito faça parte do conteúdo escolar, a forma como o tema é apresentado segue a cartilha da esquerda radical.  
 
O ponto de partida da abordagem “antirracista” é a crença na existência do “racismo estrutural” (ou “institucional”). Em vez da abordagem convencional, que busca promover a igualdade e combater o preconceito, a agenda “antirracista” pretende demonstrar que a sociedade brasileira é racista por essência. Mesmo que já não houvesse indivíduos racistas, seria preciso combater a “estrutura” que discrimina negros e índios. 
 
Além de trazer para a sala de aula termos importados diretamente da esquerda acadêmica, a promoção desse tipo de conteúdo tem um efeito colateral preocupante: em um país com péssimo desempenho nas disciplinas fundamentais, como português e matemática, a politização da sala de aula pode prejudicar o aprendizado de disciplinas básicas em favor de um conteúdo fortemente ideológico.

Sem “Dia do Índio” nas escolas 

O governo do Espírito Santo diz ser “pioneiro” na adoção de um programa educacional com foco nas “relações étnico-raciais”. O Executivo estadual costuma promover oficinas para incentivar os professores a adotarem desse tipo de conteúdo em sala de aula.

Além disso, o governo lançou no ano passado uma espécie de cartilha sobre o tema para professores da rede pública. Nela, até mesmo a celebração do Dia do Índio é alvo dos militantes radicais a serviço do governo estadual.  
 
Na publicação capixaba, o vilão é o “racismo estrutural”, descrito como “o conjunto de práticas institucionais e relações sociais, econômicas e políticas que privilegiam um grupo étnico em detrimento de outro.”  
 
Em tom acusatório, o material traz uma lista de artistas brancos que usaram o “blackface” (pintaram o rosto para interpretar algum personagem negro). Estes artistas, segundo a cartilha, praticaram “racismo recreativo.” 
 
O documento chega a afirmar que a ideia de que o Brasil é uma democracia racial, por si só, já é preconceituosa. “A argumentação de que vivemos em uma democracia racial contribui para a perpetuação do racismo”, diz a publicação, intitulada “Educação das Relações Étnico-Raciais e Modalidades Indígenas e Quilombola.”

Celebrar o Dia do Índio vestindo-se de índio? Nem pensar: “Reafirma-se, assim, estereótipos presentes em nossa sociedade”, afirma o guia. A propósito, o próprio termo “índio” precisa ser riscado do dicionário, segundo os organizadores do material. “A caracterização ‘índio’ (...) menospreza toda a multiplicidade cultural, étnica e linguística que caracteriza tanto o passado quanto o presente dos povos originários desse continente”, diz o texto.

Crítica a “brancos, ocidentais e cristãos” 

No Ceará, que também se orgulha de ter uma abordagem “antirracista” da educação, um dos documentos elaborados para orientar os professores mais parece um panfleto de propaganda política.  
 
“Nesse processo de branqueamento, a instituição escolar refletiu, em sua estrutura organizacional pedagógica e administrativa, essa realidade, propagando práticas discriminatórias e racistas no espaço social, sendo o currículo o fator mais atingido, o que resultou na imposição de conceitos brancos, ocidentais e cristãos, em que o saber dominante ignorou e colocou na invisibilidade e negação a história negra e indígena e suas trajetórias de luta pela cidadania”, diz um trecho publicação, em português semi-inteligível. 
 
O material foi lançado pelo governo cearense em 2022 com o título “Educação para as Relações Étnico-Raciais e Semana da Consciência Negra”. Assim como no Espírito Santo, um dos principais alvos da publicação é o “mito da democracia racial”.

Enquanto isso, na Bahia, o governo estadual acaba de lançar um edital que premiará professores e gestores educacionais para desenvolver um projeto de “valorização da cultura africana, afro-brasileira e indígena”. A ideia é selecionar 108 projetos e 54 produtos (como livros).  
 
Segundo o governo baiano, o objetivo é “implementar ações educativas que potencializem a construção de novas concepções e novos modelos pedagógicos capazes de gerar práticas antirracistas, em prol da valorização desses povos e do fortalecimento identitário nas comunidades escolares”. Cada projeto escolhido receberá até R$ 50 mil; para os produtos, o valor é de R$ 10 mil. O valor total do programa se aproxima de R$ 6 milhões.

O edital informa que, dentre os critérios de seleção, estão a “Promoção da Educação Antirracista e da Educação das Relações Étnico-Raciais” e a “Implementação de pedagogias decoloniais”. O termo “decolonial”, copiada do vocabulário da esquerda dos Estados Unidos, se refere a uma visão de mundo diferente da do “colonizador”. No caso do Brasil, é uma tentativa de se livrar da herança portuguesa na educação.

A comissão julgadora do prêmio será composta por dez representantes do Centro de Estudos em Gênero, Raça/Etnia e Sexualidade da (UNEB) Universidade do Estado da Bahia e outros dez da Secretaria da Promoção da Igualdade Racial e dos Povos e Comunidades Tradicionais.

Municípios embarcam 

O governo federal também tem promovido a chamada educação antirracista. Em junho, a Fundação Palmares, em parceria com a Fundação Roberto Marinho, anunciou um projeto que inclui “a produção de novos kits pedagógicos, considerando a inserção dos debates e desafios contemporâneos na educação para relações étnico-raciais”.

Essa agenda também chegou aos municípios. A Prefeitura de Contagem firmou uma parceria com a UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto) para criar uma espécie de guia escolar antirracista. O projeto resultou em uma publicação repleta de lugares-comuns da militância radical de esquerda.

“A abertura que as participantes do projeto tiveram às epistemologias feministas negras possibilitou a construção dessas ações interventivas que possam problematizar aquilo que parecia naturalizado e invisibilizado pelo discurso da mestiçagem e da democracia racial”, escreve, na apresentação do material, o professor da Universidade de Brasília Wanderson Flor do Nascimento.

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Leis abriram portas para conteúdo “antirracista” 

O avanço dos cursos “antirracistas” está ligado a duas leis que abriram as portas para a inclusão desse tipo de conteúdo no currículo escolar. A lei 10.639/2003 inclui no currículo oficial “o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional.” O texto, entretanto, é curto e não traz detalhes de como o ensino se dará.

Cinco anos depois, a lei 11.645/2008 tornou obrigatório ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena. Também pouco detalhado, o texto diz que “os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras”.

As duas leis são citadas na maioria dos materiais “antirracistas” produzidos pelas secretarias de educação. Ambas foram sancionadas por Luiz Inácio Lula da Silva em sua primeira passagem pela Presidência da República.

Excessos prejudicam aprendizado 

Para João Batista de Oliveira, doutor em Educação e fundador do Instituto Alfa e Beto, o problema dos programas “antirracistas” está na abordagem e na forma. “O tema do racismo – sem adjetivos tais como institucional, estrutural ou qualquer outro – deve ser parte natural do estudo de ciências, geografia e história”, diz ele, que prossegue: “A ideia do racismo institucional ou estrutural é uma teoria que, por mais correta ou adequada que fosse, introduz um viés desnecessário e que pode ser prejudicial ao tratamento adequado de um tema tão complexo.”

Na opinião de Oliveira, o tema do racismo não precisa necessariamente fazer parte de um currículo específico. Além disso, a adoção dessa pauta pode potencializar o patrulhamento ideológico dentro da sala de aula. Se a ideia de “democracia racial” é racista por si mesma, não há espaço para debate.

“Esta é mais uma iniciativa potencialmente fadada a criar mais problemas do que ajudar a resolvê-los”, diz Oliveira.


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