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Não seria ótimo se existisse uma fórmula que reduzisse a necessidade ou a regularidade de educação especial para crianças com algum tipo de condição especial – o que pode ser emocional e financeiramente caro? Essa fórmula existe. Chama-se educação infantil de qualidade.

Fiz parte de uma equipe de pesquisadores de educação especial que examinou o impacto da educação infantil no Canadá, nos Estados Unidos e no Reino Unido. Mais de 50 anos de dados nos foram oferecidos por estudos longitudinais que acompanharam crianças que receberam educação infantil de qualidade e compararam seu desenvolvimento com o de crianças que não receberam.

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Chegamos a uma conclusão surpreendente: a participação em programas de educação infantil de qualidade previne significativamente a necessidade de educação especial e diminui a intensidade do apoio necessário para crianças com excepcionalidades.

As excepcionalidades podem incluir crianças no espectro do autismo, bem como outras crianças que precisariam de maior apoio, além da sala de aula convencional – quer programas de educação especial ou planos de educação personalizada.

Descobrimos que um continuum de evidências, a partir de múltiplos estudos em vários países, demonstra unanimemente o que os especialistas chamam de “natureza preventiva” da educação infantil: ela previne que alguns problemas se desenvolvam ou se tornem desafiadores demais. A educação infantil de qualidade dá retorno para a família, a comunidade, a economia, mas especialmente para o desenvolvimento infantil. Os investimentos nos primeiros anos de vida são mais do que recompensadores – mas esse retorno é ainda mais substancial quando se considera o impacto na educação especial.

Coletivamente, essa pesquisa oferece uma riqueza de visão irrefutável para os formuladores políticos.

Esses resultados derivam da constatação de que as habilidades tipicamente visadas pelo planejamento da educação infantil são as prováveis precursoras da capacidade das crianças de manter uma trajetória acadêmica positiva. Elas incluem habilidades cognitivas em linguagem, alfabetização e matemática, além de capacidades socioemocionais em autorregulação, motivação, engajamento e persistência.

Descobertas canadenses

Passei 38 anos trabalhando diretamente com educação especial no Canadá. Quando comecei, as crianças com condições especiais frequentavam escolas diferentes.

Agora, temos o atual modelo educacional altamente inclusivo, no qual as escolas de bairro são legalmente obrigadas a incluir todas as crianças, independentemente da necessidade. As salas de aula contemporâneas são marcadas por sua heterogeneidade.

As escolas canadenses fazem um trabalho relativamente satisfatório, ainda que incompleto, no que é chamado de “equalização do desenvolvimento infantil”. Isso significa que as escolas conseguem nivelar rapidamente as crianças que ingressam no sistema com habilidades menos enriquecidas – exceto, é preciso dizer, no caso de crianças marginalizadas, que vivem na pobreza ou que têm necessidades educativas especiais.

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No Canadá, os pesquisadores descobriram que uma educação infantil de qualidade beneficia as crianças individualmente melhorando as taxas de conclusão do ensino médio e de educação superior e o status socioeconômico. Por essas razões, procurar antecipar o desenvolvimento de habilidades durante os primeiros anos constitui uma política pública sábia.

Em Ontário, o sucesso da educação infantil produziu resultados surpreendentes: os ganhos acadêmicos e de desenvolvimento que as crianças estão desfrutando não estão diminuindo à medida que envelhecem, e o impacto é maior para aqueles em risco de encaminhamento para a educação especial.

No entanto, a educação infantil integral agora tem um futuro incerto sob um planejamento orçamentário conservador.

Para alcançar as crianças mais vulneráveis em nossas sociedades, explorar a natureza preventiva da educação infantil é oportuno e particularmente significativo.

Quem precisa de educação especial e por quê?

Citando dados estaduais, nacionais e internacionais, nossa pesquisa constatou que cerca de 13% dos alunos da educação infantil ao ensino médio necessitam de serviços de educação especial. E crianças com baixo status socioeconômico correm um risco significativamente maior de encaminhamento à educação especial.

Esses números baseiam-se nos dados estaduais, nacionais e internacionais que utilizamos – o que é verdade nos Estados Unidos e no Reino Unido também se mantém no contexto canadense.

Cerca de 60% dos alunos que recebem educação especial têm necessidades em áreas como linguagem, regulação emocional e comportamental ou desempenho acadêmico.

Essas são áreas em que as dificuldades rapidamente se tornam cumulativas, fazendo com que as crianças fiquem cada vez mais para trás, exigindo intervenções trabalhosas para ajudá-las a recuperar o atraso. Por exemplo, um atraso na linguagem resulta em problemas de comunicação, erosão da autoestima, isolamento dos pares e déficits de desempenho.

Todas essas áreas podem ser significativamente impactadas pela educação preventiva nos primeiros anos.

Nos EUA, uma equipe de pesquisadores recentemente concordou com nossas descobertas sobre a eficácia da educação infantil antecipada para reduzir a necessidade de intervenções de educação especial.

Essa equipe descobriu que a educação infantil antecipada reduziu a participação em programas de educação especial em mais de 8%, diminuiu a retenção escolar em 8,29% e aumentou a conclusão do ensino médio em mais de 11%.

Evidências do Reino Unido

Pesquisas britânicas permitiram-nos ir ainda mais longe na construção do argumento em favor da natureza preventiva da educação infantil de qualidade. A equipe contratou um pesquisador que fazia parte da Provisão Efetiva do Projeto de Educação Pré-Escolar no Reino Unido. Esse projeto acompanhou mais de 3 mil crianças de 1997 a 2015. Reexaminamos esse conjunto de dados para acompanhar toda a experiência escolar dessas crianças.

Conseguimos identificar quem teve mais de um desvio padrão da média em medidas de desempenho acadêmico e regulação emocional e comportamental. Conseguimos comparar esse subgrupo particular de crianças com aquelas do grupo de controle que não passaram pela educação infantil. Com base nisso, fomos capazes de analisar ainda mais o impacto da educação infantil de alta qualidade contra a de baixa qualidade.

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Descobrimos então que, no final do ensino médio, essa redução no risco de êxito acadêmico era de 40% para aqueles com educação infantil de baixa qualidade, contra uma redução de 55% para aqueles que tinham uma experiência educacional de alta qualidade.

Reduções similares, embora menos dramáticas, ocorreram para questões como o bem-estar e riscos sociais ou comportamentais. A qualidade da educação infantil foi um fator significativo especialmente para a redução dos riscos sociais e comportamentais, especialmente no final do ensino fundamental.

Essas crianças melhoraram as interações com os pares, os comportamentos pró-sociais e a capacidade de seguir regras e rotinas. Avanços na gestão de seus comportamentos e emoções permitiram um maior sucesso escolar.

Por exemplo, as crianças com educação infantil de baixa qualidade tiveram uma redução de 5% no risco de preocupação com o bem-estar aos 11 anos. Mas aqueles com educação infantil de alta qualidade tiveram uma redução de 39% no risco para a mesma preocupação.

Educadores, pais, formuladores de políticas públicas e governos poderiam se beneficiar dessas descobertas e considerar o impacto da priorização da educação infantil de qualidade no redirecionamento da trajetória de vida de crianças pequenas.

David Philpott é professor da Memorial University of Newfoundland, no Canadá.

Tradução de Janaína Imthurm.

©2019 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês.

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