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Enquanto os filhos de Angela Wade ainda não tinham atingido a idade escolar, ela não pensava sobre onde, ou como, eles seriam educados. Mas no momento em que ela colocou os pés na escola pública de seu bairro – para votar no dia das eleições – ela soube que não mandaria seus filhos para lá.

O problema não era que as atividades escolares não eram boas o suficiente ou que as escolas primárias de Astoria e do Queens sofressem com más reputações. Mas o que ela viu nos corredores e nas paredes do refeitório surpreendeu a ex-professora de escola pública da cidade de Nova York, com diploma em educação pela Universidade de Nova York. “Havia personagens de propaganda pintados nas paredes. Você sabe – ‘Dora, a Exploradora’ e todas essas coisas”, ela disse. “Eu apenas acho que esse realmente não é o lugar para propaganda”, completou.

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Para Wade e seu marido, e para moradores da cidade com preocupações que vão do ambiente da sala de aula aos padrões educacionais, a escola pública está fora de questão. E para eles, assim como para muitas famílias de classe média urbana, pagar caro pelo ensino das escolas particulares também não é uma opção realista.

“Não era muito uma decisão do que iríamos fazer – era do que não iríamos fazer”, disse. No final, a família Wade optou pelo “homeschooling”, o ensino doméstico. “Estudar em casa é por várias razões a opção mais fácil. Estamos direcionando a educação dos nossos filhos. Estamos deixando várias coisas de lado para fazer isso, mas no final pensamos que assim ficaríamos mais satisfeitos”. 

No início, os Wades não conheciam nenhum outro adepto do homeschooling e, como muitos jovens pais na cidade, eles não tinham família por perto, então se prepararam para fazer tudo sozinhos. Porém, não demorou muito para encontrarem uma crescente rede de adeptos da educação doméstica. “Em uma cidade como essa, você consegue encontrar sua tribo”, diz Wade. “Você consegue encontrar adeptos do homeschooling. E há muitos de nós”. 

Não muito tempo atrás, a educação doméstica era considerada uma alternativa educacional radical – coisa de um pequeno número de evangélicos devotos de Iowa e de hippies adeptos da contracultura de Mendocino, na California. Não é mais.

Hoje, aproximadamente dois milhões – ou 2,5% – das 77 milhões de crianças em idade escolar nos EUA são educadas em casa, e um número crescente delas vivem em cidades: mais pais urbanos estão virando as costas para o modelo de educação compulsória e adotando o futuro educacional interativo, online, que influenciadores têm previsto por anos que iria revolucionar a pedagogia e transformar a educação presencial. E suas crianças não estão apenas mantendo o mesmo ritmo das crianças que vão para escolas tradicionais; elas estão também, em muitos casos, melhores, entrando nas Universidades com mais conhecimento, com notas e taxas mais altas. 

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Desde a metade dos anos 70, apenas dez mil crianças recebiam educação doméstica nos Estados Unidos. A prática era ilegal em 30 estados, e aqueles que optavam pela educação em casa viviam principalmente em áreas rurais. Muitos dos adeptos originais do homeschooling se inspiraram nos trabalhos de John Holt, um ex-professor de quinta série cujos dois livros, “Como as Crianças Falham”, de 1964, e “Como as Crianças Aprendem”, de 1967, foram altamente críticos da educação compulsória tradicional. O sistema tinha desprezo similar pelos adeptos da educação em casa, tendendo a tratar os alunos como vadios e os pais como criminosos

A expansão do homeschooling começou em 1978, quando o “Internal Revenue Service” (conhecido como IRS e similar à Receita Federal Brasileira) comandado pelo presidente Jimmy Carter ameaçou revogar a isenção de impostos para escolas cristãs, que eram acusadas de usar admissões baseadas em padrões religiosos para driblar leis federais antissegregacionistas.

O movimento para fechar essas escolas politizou os Cristãos evangélicos no Sul, Centro Oeste e Oeste. Por fim, o IRS desistiu das ameaças, mas os evangélicos aprenderam uma lição na batalha: o governo federal – representado pelo recém estabelecido Departamento de Educação – estava atrás deles.

“O que galvanizou a comunidade Cristã não foi o aborto ou as orações nas escolas”, disse Paul Weyrich, fundador da Moral Majority, uma associação política ligada ao direito dos Cristãos, para o livro “With God on Our Side” (Com Deus ao Nosso Lado), do sociólogo William Martin. “Era a intervenção do Jimmy Carter contra as escolas cristãs. De repente eles perceberam que não seriam deixados em paz para ensinar suas crianças do jeito que eles achavam melhor”. 

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Ao invés de esperar pelo próximo ataque federal aos seus valores, muitos evangélicos escolheram educar suas crianças onde sentiam que o braço do Estado nunca poderia alcançar: em casa. Em 1983, com o surgimento do movimento “Religious Right” (Direito Religioso) e com a formação da “Home School Legal Defense Association” (HSDLA - Associação de Defesa Legal do Ensino Doméstico), o número de crianças educadas em casa nos Estados Unidos inflou primeiro para 60 mil e depois para 125 mil. Graças em grande parte ao ativismo Estado por Estado dos advogados da HSLDA, barreiras legais para o homeschooling começaram a cair nos anos 80. Em 1993, a prática era legal em todos os 50 estados, apesar de alguns permanecerem desconfiados.

Desde então, a população adepta do ensino doméstico tem continuado a crescer, ao mesmo tempo em que se tornou mais secular. Em 2002, de acordo com uma pesquisa do Departamento de Educação (DOE), 72% nas famílias adeptas do ensino doméstico citaram “um desejo de prover instrução religiosa” como uma das razões para educar em casa. Em 2012, 64% apontaram a religião como um motivo para o homeschooling; apenas 16% disseram que a religião é o motivo mais importante.

“Muitas pessoas presumem que nós fazemos isso por algum tipo de razão religiosa estranha, criacionista”, diz Rachel Figueroa-Levin, um adepta do ensino em casa que vive em Inwood, um bairro de classe média na ponta mais ao norte de Manhattan. “Mas nós somos o estereótipo de judeus seculares”.

De fato, a preocupação sobre “o ambiente das outras escolas” suplantou a religião como o motivo número um para o homeschooling, de acordo com a pesquisa do DOE. 91% dos pais que ensinam em casa citaram o ambiente escolar como pelo menos um fator contribuinte. 

Nas últimas décadas, a população adepta do ensino doméstico também se tornou urbanizada. De acordo com o Centro Nacional para Estatísticas Educacionais, 28% dos quase dois milhões de adeptos em todo o país, ou aproximadamente 560 mil alunos, vivem em cidades. Isso é quase a mesma quantidade dos que vivem nos subúrbios (34%) ou áreas rurais (31%). Boston, Philadelphia e Los Angeles são os lares de crescentes comunidades adeptas do ensino em casa. E na maior cidade do país – Nova York – o número de alunos que recebem educação em casa aumentou 47%, para mais de 3,7 mil crianças, nos últimos cinco anos. 

Como outros adeptos do ensino doméstico nos dias de hoje, populações urbanas escolhem o homeschooling por diversas razões, apesar da insatisfação com a qualidade e o conteúdo da instrução na escolas públicas locais encabeçar a lista.

“Eu passei pela escola pública, mas nunca foi algo que considerei como opção para meus filhos, diz Figueroa-Levin. Nativa da Staten Island, um condado de Nova York, ela é colunista no “amNewYork”, um jornal diário gratuito, e criadora da conta satírica do Twitter @ElBloombito, que ganhou 76 mil seguidores pelas suas cutucadas sutis nas tentativas hesitantes do ex-prefeito Michael Bloomberg de fazer coletivas de imprensa em espanhol.

Ela chama sua escola pública local de “horrível”, mas não está interessada em mudar para uma zona escolar mais desejada, como alguns moradores de Nova York com crianças pequenas fazem. “Nós gostamos de onde moramos. Temos um apartamento de bom tamanho. Sacrificar tudo isso por uma escola pública decente não parece compensar”, diz. 

Mas mesmo depois de mais de uma década de esforços para agressivas reformas educacionais, as “escolas públicas decentes” permanecem uma raridade em Nova York e em outras cidades americanas. Com escolas públicas urbanas inadequadas, ou pior, e as escolas privadas de qualidade frequentemente fora do alcance financeiro, “o ensino doméstico se torna uma opção interessante na escolha das escolas”, observa Brian Ray, fundador do Instituto Nacional de Pesquisa para Educação Doméstica (NEHRI) em Portland, Oregon.

Você paga impostos e o sistema escolar público da sua cidade recebe esse dinheiro, então você pode fazer a escolha de pagar ainda mais para mandar seus filhos para uma escola particular, ou para uma escola católica. Mais e mais pessoas estão dizendo, ‘vou educar em casa’. Não é mais esquisito. 

A adepta do ensino em casa Gwen Fredette mora na Philadelphia com seu marido e quatro filhos. “Nosso sistema escolar tem muitos problemas”, ela diz. Essa é uma subavaliação: as escolas públicas da Philadelphia estão em uma verdadeira crise. Depois de um vídeo de um aluno de 17 anos agredindo um “especialista em resolução de conflitos” na Bartram High, uma escola no sudoeste da cidade, tornar-se viral no ano passado, um professor de estudos sociais na escola problemática contou ao jornal Philadelphia Inquirer:

Eu tinha mais chance no Vietnã... Aqui, você tranca sua porta e reza para que ninguém entre. 

A violência não é a única preocupação nas escolas públicas da cidade. Um estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças descobriu que 60% das escolas do oeste da Philadelphia tinham sérios problemas com mofo ou estragos causados pela umidade. A escassez de verbas deixou as escolas sem enfermeiros e fez do decadente sistema de educação pública “uma crônica ou, aparentemente, um fato imutável da vida”, de acordo com a revista Philadelphia Magazine.

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Os resultados acadêmicos são horrorosos. Apenas 10% dos formados no distrito escolar da cidade prosseguem estudando até conseguir diplomas universitários. A Avaliação Nacional do Progresso Educacional coloca Philadelphia quase no fim de um ranking das cidades participantes: menos de 20% dos estudantes do quarto e do oitavo anos conseguem notas suficientes para serem considerados proficientes ou com desempenho superior em matemática e leitura. 

Fredette deu uma olhada na escola de seu bairro e, como Angela Wade, decidiu descartá-la. Mas ela e seu marido não queriam abandonar uma vida que eles gostavam. “Há muitas coisas ótimas em viver na cidade – você meio que aceita os prós e os contras”, ela diz. Fredette ama que seus filhos mais velhos usem transporte público para se locomover. Eles fizeram amigos de diferentes culturas e contextos, algo que ela não tem certeza se aconteceria nos subúrbios. 

Do outro lado do país, em Los Angeles, a indústria do entretenimento há muito tempo sustenta a cultura do ensino doméstico para os artistas. “Milhares e milhares de adeptos do ensino em casa” vivem nessa área, diz Anna Smith, que dirige a “Urban Homeschoolers”, um “serviço educacional a la carte” para mais ou menos 40 famílias adeptas do homeschooling na Atwater Vilage, um bairro do nordeste de Los Angeles.

“Há uma grande rede de suporte porque há muitos pais”, diz Smith. No Urban Homeschoolers, alunos mais jovens fazem cursos como “Maravilha do Alfabeto” e “Mundo dos Números”. Crianças do ensino médio podem escolher entre títulos que incluem “Conversa em Espanhol” e “O Legado da Guerra Fria”. Em um aceno às raízes contraculturais do homeschooling, há até um curso chamado “Ceticismo 101”, que promete deixar os estudantes fazerem seus próprios “caçadores de mitos”. 

Um dos mitos que precisa ser derrubado é o de que os adeptos do ensino doméstico querem recriar escolas do passado.

“Escolas públicas foram projetadas em um tempo em que as pessoas trabalhavam em fábricas e escritórios e tinham o mesmo emprego por 30 ou 40 anos. O mundo não é mais desse jeito”, diz Smith.

“Atualmente, você pode customizar qualquer coisa”, ela diz, incluindo que a educação das crianças, e as tecnologias da comunicação modernas e currículos baseados na internet permitiram que quem ensina em casa consiga isso. A customização não é o que as escolas tradicionais tipicamente fazem melhor – certamente não nos distritos escolares escleróticos das maiores cidades do país. 

Péssimas como as escolas públicas normalmente são, escolas paroquiais urbanas também não estão à altura. Ottavia Egan cresceu na Itália e é filha de mãe americana e de pai italiano. Hoje, ela mora na 72nd Street no bairro Upper East Side, em Manhattan, com o seu marido, Patrick, e seus quatro filhos.

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A filha dos Egan que está em idade escolar frequentou uma escola paroquial local, onde os livros designados tendiam para o lado da literatura de baixa qualidade, histórias de terror paranormal e ficção sobre vampiros. “Esses eram os únicos tipos de livros que a minha filha leria por vontade própria. Eu tinha que implorar para que ela desse uma chance aos clássicos”, ela diz. 

Ottavia admite que o pensamento de se desvincular do modelo tradicional de escola a deixou aterrorizada. Ela se preocupava que, como mãe que ensina em casa, ela teria que fazer tudo sozinha. Mas ela logo percebeu que tinha feito a escolha certa.

Minha filha é o tipo de criança que precisa fazer muitas perguntas. No primeiro dia, ela fez 12 perguntas para mim na primeira hora. Ela nunca teria essas questões respondidas na escola. 

Não exatamente convencional 

Enquanto o ensino doméstico tem se tornado mais convencional nos anos recentes, ele permanece, pelos olhos de seus críticos, uma ameaça às escolas públicas, à saúde pública – e até mesmo para a própria democracia. Oficiais do bem-estar social e políticos de alguns Estados têm submetido as famílias adeptas da educação doméstica a um tratamento que beira à intimidação.

No ano passado, por exemplo, o departamento de educação do condado de Lee, na Florida, mandou uma carta insinuando falsamente que as famílias que educam em casa tinham que participar de uma prova de fim de ano. Nesse ano, o conselho escolar do condado de Goochland, na Virginia, foi forçado a voltar atrás em uma proposta que pedia que os adolescentes que recebem educação doméstica por motivos religiosos fornecessem uma declaração sobre suas crenças para oficiais locais. Em Connecticut, um júri investigando o massacre na Escola Primária Sandy Hook, em 2012, na cidade de Newtown, atraiu críticas por equivocadamente ligar a tragédia à educação doméstica. 

Críticos do homeschooling têm apoio das Universidades. O cientista político da Universidade de Stanford, Rob Reich, tem argumentado a favor de regras mais rígidas para o ensino doméstico para ter certeza de que “crianças têm contato e estão envolvidas com ideias, valores e crenças diferentes dos que seus pais têm”.

Robin L. West, professor da Escola de Direito da Universidade de Georgetown, lamenta a “autoridade virtualmente sem restrições” que leis estaduais conferem à educação doméstica. Ela se preocupa que as crianças educadas em casa cresçam e se tornem “soldados” da direita política, ávidos para “diminuir, limitar ou destruir as funções do estado”. Ela, também, gostaria de ver a educação doméstica mais rigidamente regulada e os alunos que estudam em casa submetidos a testes obrigatórios e visitas domiciliares periódicas – “para dar ao estado um panorama da qualidade da vida em casa, e como uma maneira de monitorar sinais de abuso”. 

Na prática, tais visitas domiciliares podem levar a violações dos direitos constitucionais dos adeptos da educação doméstica.

Em novembro de 2017, em nome de Laura e Jason Hagan, pais que ensinam em casa, a Associação de Defesa Legal do Ensino Doméstico entrou com ação de direitos civis federais contra dois membros do Departamento de Polícia do condado de Nodaway, em Missouri. Os policiais forçaram a entrada na residência dos Hagans depois de terem sido chamados por um encarregado de serviços de proteção a criança que estavam investigando uma denúncia que a casa estava “bagunçada”.

Os Hagans não permitiram a entrada dos investigadores, então os policiais jogaram spray de pimenta neles, deram um choque em Jason, e ameaçaram atirar no cachorro da família – tudo na frente das crianças da família. Os policiais acusaram os Hagan de resistência à prisão e de colocar as crianças em perigo. No julgamento, contudo, um juiz determinou que os homens da lei tinham violado o direito dos Hagan à quarta emenda ao entrar em sua casa sem um mandado. 

Alguns ambiciosos educadores domésticos criaram programas educacionais personalizados do zero. Muitos outros adquiriram programas de ensino prontos e recursos auxiliares – planos de lição, materiais de leitura, e testes para assuntos que vão da história americana, latim avançado a cálculo – de companhias bem estabelecidas, como a Sonlight e a Oak Meadow. Algumas companhias até mesmo operam como escolas à distância credenciadas, fornecendo aos alunos o que corresponde a um curso por correspondência.

De acordo com a HSLDA, quatro principais programas de ensino predominam: o método “tradicional”, que usa livros de texto e de exercícios para ensinar leitura, escrita, gramática e ortografia através da repetição; o modelo “clássico”, que enfatiza gramática, lógica e retórica para o estudo das grande obras da literatura ocidental; “estudos de tópico”, que emprega uma abordagem multidisciplinar para explorar assuntos em particular; e o “unschooling” (sem escola, em tradução livre), um método direcionado ao aluno, popular com a contracultura, que rejeita a educação formal, baseada em programas, e deixa as crianças explorarem os assuntos em seu próprio ritmo. 

“Eu sabia que não iria apenas improvisar – especialmente em matemática”, diz Wade, que inicialmente se apoiou em livros de biblioteca para completar planos de aula que ela mesmo escreveu. Eventualmente, ela cedeu e comprou um programa de ensino da Sonlight. Não era barato: o material de ensino para o segundo ano com “tudo que você precisa ensinar a uma criança em um ano” em história, geografia, matemática, ciências e línguas custa 849 dólares. Mas Wade comenta que se seus filhos estivessem em uma escola particular, “nós estaríamos gastando pelo menos o mesmo em livros e materiais”. Além disso, ela espera usar os materiais com seus outros filhos, e menciona o tempo que ela poupou ao não ter que escrever suas próprias lições e testes. 

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Como contraste, Ame Millstein, residente do bairro Upper West Side, em Manhattan, é adepta do “unschool”. Seus dois filhos direcionam a aprendizagem ao seguir suas inclinações naturais e interesses orgânicos. Millstein oferece suporte, quando solicitada, e orientação, quando perguntada, mas de outra forma ela não modela – ou interfere na – a educação deles. A ideia por trás do “unschooling”, que pode funcionar bem com certas crianças, é que as pessoas aprendem algo apenas quando estão verdadeiramente interessadas em aprender aquilo. “É claro, haverá buracos na educação deles”, ela admite. “Mas eu tenho buracos na minha educação, e eu fui para a escola”. 

O grupo atual de adeptos da educação doméstica tem uma grande vantagem sobre os pioneiros do movimento: a tecnologia moderna colocou todo o conhecimento acumulado na história na ponta de seus dedos. Nenhum pai que educa em casa precisa se tornar um especialista em equações diferenciais ou na Terceira Lei de Newton. Ele ou ela pode simplesmente visitar o canal do Youtube Khan Academy e encontrar milhares de aulas em vídeos desses assuntos.

Rosetta Stone, a conhecida companhia de software de línguas estrangeiras, oferece um programa personalizado de ensino doméstico de leitura por apenas 99 dólares por ano. Os filhos de Wade usam um site grátis clamado Duolingo para aprender espanhol. E muitos pacotes de ensino e programas de educação à distância disponibilizam tutoriais via Skype, cursos online, e outros suportes para aprendizagem. 

Cidades oferecem aos adeptos da educação doméstica oportunidades educacionais ricas. Os Fredettes, da Philadelphia, usam seu município rico em história como suplemento para as aulas de História Americana. Os passeios os levaram ao Liberty Bell e ao Constitution Hall, é claro, mas eles também visitaram o estúdio de um soprador de vidro, fizeram aulas de arco e flecha, e fizeram um tour no local onde o Inquirer, o terceiro jornal diário mais antigo do país, é impresso.

“Nós até fomos à fábrica da batata frita Herr’s e assistimos as batatas saindo da máquina”, relembra Fredette.

A viagem favorita das crianças foi para os estúdios do canal de televisão FOX 29 News, onde, como parte de um módulo em meteorologia, assistiram a transmissão ao vivo da previsão do tempo do meio-dia, concluída com a tela verde. 

Boston é conhecida como uma cidade universitária. Kerry McDonald vive do outro lado do Rio Charles, em Cambridge – entre o M.I.T. e Harvard, ela diz. No seu blog City kids Homeschooling (Ensino Doméstico para Crianças da Cidade, em tradução livre), McDonald escreve:

Nós usamos a cidade como ferramenta primária de aprendizagem, tirando vantagem de tudo o que ela oferece, incluindo aulas, museus, livrarias, eventos culturais e bairros fascinantes – incluindo um professor de biologia da Universidade Tufts que traz caramujos domésticos e moluscos para as crianças. 

Não é uma surpresa que os moradores de Nova York vejam sua cidade como “o melhor lugar do planeta para ensinar uma criança em casa”, como Milstein coloca. Ela e seu marido trabalham como chaveiros em Manhattan e moram com seus dois filhos na vizinhança atrás do Lincoln Center. Quando sua filha de 14 anos demonstrou interesse em tirar fotos, Milstein a matriculou no Centro Internacional de Fotografia, em Manhattan. 

“Os recursos que temos aqui na cidade de Nova York são maravilhosos”, Wade se empolga. “Estudamos um artista e então vamos ao museu e temos a chance de realmente ver as pinturas dele”.

A Ballet for Young Audiences (Ballet para Públicos jovens), uma companhia de dança que se apresenta para crianças de escolas públicas em passeios de campo, precisava de dançarinos para uma produção de “A Branca de Neve”. A filha de nove anos de Wade conseguiu o papel – ela estava livre durante o dia. O ensino doméstico dá às crianças a flexibilidade de seguir uma paixão sem agendas ou restrições de espaço, seja fazendo um curso de ukulele pela manhã – como o filho de McDonald faz – ou uma saída no meio do dia para uma praia de Los Angeles. 

O ensino doméstico tem críticos. Alguns dizem que é um escolha reservada apenas para os que têm renda familiar para se virar apenas com o salário de um dos pais – noção rejeitada pelos adeptos da educação doméstica. Com frequência, eles dizem, o dinheiro extra que vem de ter ambos os pais trabalhando vai principalmente para cobrir gastos com creche ou com atividades extra-curriculares, fazendo com que a escolha de um dos pais (tipicamente a mãe) de ficar em casa e ensinar as crianças compense financeiramente. Outros acusam que, ao tirar seus filhos das escolas públicas com dificuldades, os adeptos da educação em casa fazem um desserviço para o sistema. Mas Wade e outros apontam que eles ainda dão suporte ao sistema público de ensino com seus dólares. “Eu pago impostos escolares”, ela diz. “Mas meus filhos não ficam na escola o dia todo custando dinheiro para a cidade”. 

“Socialização” é de longe a preocupação mais verbalizada. Como as crianças vão aprender a ser membros bem ajustados da sociedade, o pensamento continua, se elas não estão na escola com outras crianças da idade delas? Elas não vão viver à margem da sociedade? Quem ensina em casa, especialmente nos meios urbanos, vê essa questão como absurda: cidades são locais sociais

Quem teme que crianças que estudam em casa não estão sendo socializadas apropriadamente deveria visitar a casa de Anne e Erik Tozzi, em Yonkers. O casal se conheceu em Oxford, onde Erik, um nativo de Nova York, passou um ano estudando história medieval.

Os Tozzis dizem que viver em uma rua movimentada da cidade tem sido um trunfo social para seus cinco filhos que são educados em casa. Yonkers é a quarta maior cidade do Estado de Nova York, e o jardim dos Tozzis é vizinho de outras casas repletas de crianças. Recentemente, em um dia de sol, a vizinhança se agitou com jovens correndo de jardim para jardim, jogando basquete, brincando de pega-pega e gritando. A maioria dos amigos dos filhos dos Tozzi que moram na vizinhança frequentam escolas tradicionais, e muitos demonstram ciúmes do que acontece na residência Tozzi o dia todo – não muito, eles imaginam.

“Nós ouvimos isso bastante”, diz Anne, com seu explícito sotaque de Birmingham. “’Ah, eu queria estudar em casa’, porque eles pensam que isso significa dormir o dia todo. Eles não percebem que, na verdade, estamos fazendo trabalhos escolares”. 

Trabalhos escolares para os filhos dos Tozzi, que em idade variam de dois a 14 anos, podem significar um dia gasto na sala de jantar repleta de livros discutindo Chaucer ou uma visita ao Museu de História Natural ou ao Museu Metropolitano de Arte em Manhattan. Anne tem mestrado em história da arte clássica e trabalhou como especialista em livros raros para a Christie’s, uma das empresas de arte mais importantes do mundo, em Londres e Nova York (onde ela uma vez segurou a primeira edição de “Os Contos de Cantuária”, de Geoffrey Chaucer). A família faz visitas frequentes ao Jardim Botânico de Nova York, com seu trecho de 50 acres de floresta nativa, e ao Conservatório Enid A. Haupt, a menos de dez milhas de distância na Avenida Saw Mill River. 

No último ano, os filhos mais velhos dos Tozzi trabalharam com estudantes do resto do país para escrever um script de rádio, que eles produziram para um curso totalmente online. Eles tiveram aulas online de latim, religião, e matemática com professores de outras cidades. Eles usaram o Skype para palestras ao vivo e para se comunicar com outros alunos para seus projetos.

“Eles escreveram muitos e-mails uns para os outros e fizeram ‘encontros’ fora dos horários de aula para estudar e se preparar, o que colaborou com o desenvolvimento da maturidade e da independência”, diz Anne.

Os filhos mais novos usam o Skype uma vez por semana para uma “hora do conto” com um professor. 

Alguns críticos argumentam que crianças educadas em casa não estarão preparadas para fazer trabalhos de nível universitário, mas dados disponíveis sugerem o contrário. Em 2009, Brian Ray, do Instituto Nacional de Pesquisa para Educação Doméstica, observou resultados de testes padronizados de 12 mil estudantes domésticos de todos os 50 estados, e também da Ilha de Guam e de Porto Rico.

Ele descobriu que estudantes domésticos tiveram notas entre 34 e 39 pontos percentuais acima da média no Teste de Aproveitamento da California, no Teste de Habilidades Básicas de Iowa, e no Teste de Aproveitamento de Stanford.

Um estudo recente publicado no The Journal of College Admission (Jornal de Admissão Universitária, em livre tradução) descobriu que alunos educados em casa tinham notas compostas mais altas no ACT (um teste de admissão para as universidades americanas) do que seus colegas que não foram educados em casa em taxas mais altas – 66,7%, comparado com 57,5%. “Nos anos recentes, nós admitimos dez ou 12 estudantes domésticos” por ano, diz Marlyn McGrath, diretora de admissões em Harvard, onde cada classe totaliza aproximadamente 1600. 

Outros céticos, ainda focados em socialização, avisam que os alunos educados em casa podem ter problemas no ambiente menos estruturado da vida universitária. Não é verdade, diz Celine Cammarata, uma graduada de 25 anos da Universidade William E. Macaulay na Cidade Universitária de Nova York.

Nativa de Greenwich Village, Cammarata não frequentou escolas. Ela nunca fez um trabalho ou um teste antes de fazer o SAT (outro teste de admissão universitária) com 15 anos de idade. Foram seus colegas educados tradicionalmente, ela diz, que acharam o primeiro ano de faculdade tão desafiador.

“Muitas crianças tiveram dificuldades com a autonomia que lhes foi dada. Eu já estava acostumada a cuidar da minha própria educação, então não foi uma transição muito grande para mim”, diz.

Apesar de nunca ter recebido uma nota antes de entrar na universidade, Cammarata conseguiu um GPA (média de notas universitárias) de 3,98 enquanto estudava neurociência comportamental. Ela trabalha como gerente de laboratório na Escola de Ecologia Humana da Universidade de Cornell e está pensando em se formar na área. Seu irmão, também educado em casa, colou grau na Escola de Direito de Harvard. 

Um ex-aluno que faz entrevistas de admissão para uma outra instituição da Ivy League (liga de oito universidades privadas do nordeste dos Estados Unidos) confirma a experiência de Cammarata. Ele considera os estudantes domésticos que entrevista mais seguros de si do que seus colegas de escolas tradicionais. “Eles são muito melhores em interagir comigo como um adulto”, conta. “Eles sabem quem são – muito mais do que as crianças que vão para a escola”. 

Nem desistentes nem conformistas que se deixam levar pelo fluxo, os novos educadores domésticos urbanos desafiam a rotulagem fácil. Eles não gostam do que veem nas escolas públicas, mas não querem necessariamente destruí-las. Eles querem controle, mas principalmente a serviço da flexibilidade. Eles tendem a rejeitar teorias educacionais modernas, mas não são tão tradicionalistas que não podem ver valor educacional no Skype. São religiosos – alguns deles – mas sua fé os leva a interagir com seus vizinhos, não a se afastar em isolamento. Mais do que tudo, eles querem uma educação melhor do que a que seus filhos podem tipicamente conseguir sentados em uma sala de aula tradicional por seis horas todos os dias. A maioria dos pais que decidem educar em casa parecem satisfeitos com a sua escolha. 

A filha de Ottavia Egan, por exemplo, agora no sétimo ano, está se saindo muito bem. Os livros de vampiro sumiram, substituídos por ficção histórica e clássicos. “Ela está feliz”, sua mãe diz. “Ela gosta de ler. O que mais você poderia querer de uma garota de 12 anos?” 

*Matthew Hennessey é editor associado do City Journal. Ele educa seus filhos em casa. 

©2018 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.

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