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Número de estudantes matriculados em universidades particulares no Paraná vem caindo consistentemente. | Jonathan CamposGazeta do Povo
Número de estudantes matriculados em universidades particulares no Paraná vem caindo consistentemente.| Foto: Jonathan CamposGazeta do Povo

Com idades entre 17 e 31, Juliana, Gabriel e Maria moram em regiões diferentes do Paraná. Suas rotinas também não são as iguais e eles nem mesmo se conhecem. Mas fazem parte do contingente de universitários que, por conta da crise financeira, tiveram dificuldades para pagar a mensalidade da graduação e mudaram seus planos. 

Moradora do Portão, bairro de classe média da capital, a gerente de vendas Juliana Venâncio, 31, começou a cursar Administração em 2014. Trabalhava durante o dia, e estudava na Faculdade Bagozzi no período noturno. Ao longo do ano seguinte, viu as vendas na loja em que batia o ponto diminuírem. Ela, que tinha boa parte da renda vinda de comissão, começou a ter dificuldades para pagar as mensalidades. Desistiu do curso.  

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“Vi muita gente graduada na mesma área que a minha e desiludida. Falava que o salário não valia o esforço”, conta. Juliana diz que pretende voltar para uma graduação, se identificar uma nova necessidade no mercado de trabalho e se a situação do país melhorar. Por ora, os planos de estudo estão suspensos.  

Assim como Juliana, 26,8% dos alunos da rede privada do estado trancaram o curso, de acordo com o Mapa do Ensino Superior no Brasil 2016, do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), último dado disponível. De acordo com reportagem do jornal O Estado de São Paulo, o número de pessoas que desistiram de cursos superiores no ano passado, no Brasil, chega a 170 mil.  

Mas foi em 2016 que o Brasil e o Paraná passaram a registrar queda no número de ingressantes no ensino superior privado. Enquanto 2014 o estado teve 100 mil novos alunos, dois anos depois 82 mil começaram a frequentar a rede particular. No Brasil esse número ficou em 1,8 milhão, e depois 1,6 milhão, respectivamente.  

Ainda segundo os dados do Semesp, 25,9% das desistências são logo no primeiro ano. Entre os motivos, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, estão a decepção com a graduação, alterações na rotina devido a trabalho e o valor da mensalidade, que costuma sofrer reajustes a cada início de semestre. Em média, a mensalidade de um curso superior no Brasil é de R$ 897, segundo a Semesp.  

Para o reitor do Centro Universitário Internacional Uninter, Benhur Gaio, a crise financeira afeta o aluno independentemente do tempo em que ele está em curso. “Também não são os cursos mais caros que têm maior evasão”, diz o reitor, citando a área das ciências exatas como a mais frágil nesse sentido.  

Para não desistir  

Buscando amenizar a evasão, instituições como o Uninter têm como estratégia um controle das razões da desistência — pedem para o aluno preencher um formulário quando deixa a faculdade, oferecem alternativas e tentam apontar as vantagens de se ter um diploma. No caso do Uninter, Gaio conta que a instituição aumentou o período em que o aluno pode pagar o curso. Quem estuda por quatro anos, tem o dobro de tempo para quitar as mensalidades.  

O centro universitário também é um dos que têm investido mais em Educação à Distância (EAD) do que na presencial. A maioria dos cerca de 15 cursos que serão ofertados em 2019, de acordo com o reitor, devem ser dessa modalidade. O EAD cresceu 51% nas instituições privadas entre 2011 e 2015, de acordo com Censo EAD.BR, da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed).  

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Já o Censo da Educação Superior de 2016, do Inep, aponta uma expansão de 7,2% nas matrículas de EAD, enquanto as presenciais tiveram queda de 0,08%.  

A modalidade não presencial nunca foi uma opção para o estudante de Engenharia Química Gabriel Koseki, 22. Ao passar por problemas para pagar a mensalidade, recorreu a um financiamento de sua própria instituição, a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).  

De acordo a Semesp, 45,7% dos alunos da rede privada se mantinham com algum tipo de auxílio em 2016. O número daqueles que recorrem a financiamento da própria faculdade também aumentou. “Teve aquele reajuste semestral de valores e minha mãe perdeu um dos dois empregos”, conta o estudante  

Quem perde o emprego, em geral, não tem uma segunda opção de renda formal. O país tem 13,7 milhões de desempregados, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, de março. O economista Sergio Firpo, do Insper, lembra que a taxa de desocupação é maior entre os mais jovens e menos escolarizados.  

Para o especialista, o esforço para se manter na graduação, como faz a família de Gabriel, no geral, vale a pena. “Se o jovem deixa de frequentar a faculdade, à medida que o tempo passa fica menos provável que ele retorne seus estudos”, diz. O professor cita os dados da última Pnad que aborda o assunto: quem tem ensino superior completo recebe, em média, 120% a mais do que aqueles que não concluíram o curso. “Mas varia entre as áreas de atuação”.  

Ajudando na renda  

Sem muita qualificação no mercado de trabalho, explica Firpo, a demissão de pessoas mais jovens costuma ser uma das medidas de corte de gastos das empresas. Enquanto que, quando alguém mais velho da família perde o emprego, são também os mais jovens que passam ter de ajudar na renda.  

Foi o que aconteceu com a estudante de Publicidade e Propaganda Maria Miranda Godoi, 17. Ela desistiu da graduação iniciada em fevereiro e, morando com a avó, abriu um brechó para ajudar nas contas de casa. Antes disso, seus pais haviam deixado Curitiba para residir numa cidade da Região Metropolitana em busca de um custo de vida menor.  

Ambos eram donos, na capital, de estabelecimentos que atendiam o público. O pai no comércio, a mãe no setor de serviços. Mas desde 2015 viram o movimento cair. Não à toa: o poder de compra do brasileiro diminuiu. De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), dois anos seguidos de reajuste do salário mínimo abaixo da inflação resultaram numa perda acumulada de 0,34%.  

O impacto do poder de compra do brasileiro foi sentido pelos negócios da família de Maria. Ficou então mais difícil pagar a graduação na PUCPR. Buscaram alternativas como o Fies e financiamentos privados, sem sucesso. Neste ano, 98,9 mil estudantes conseguiram o assinar contrato pelo programa do governo, de acordo com registros do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Mas em 2014 esse alunos somavam 732,7 mil.  

Apesar do percalço, Maria diz que deve voltar a estudar no próximo semestre. A opção foi recorrer a uma instituição que oferece o mesmo curso a uma mensalidade de menor valor. “Depois de uma pesquisa, vimos que dava para, por enquanto, estudar pagando menos sem perder tanto na qualidade”, diz. 

 O economista Sergio Firpo explica que mudanças como a de Maria devem ser bem planejadas. “O mercado sabe identificar o valor do diploma de determinadas instituições. As avaliações do MEC [Ministério da Educação] podem ser um norte”, aconselha.

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