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As artes liberais clássicas incluem o trivium (gramática, retórica e dialética ) e o quadrivium (aritmética, geometria, música e a astronomia( | Unsplash/Reprodução
As artes liberais clássicas incluem o trivium (gramática, retórica e dialética ) e o quadrivium (aritmética, geometria, música e a astronomia(| Foto: Unsplash/Reprodução

* Nota do editor: O texto defende a importância de incluir na grade curricular dos cursos de graduação as chamadas “artes liberais”, que durante a Idade Média constituíam dois graus da educação nas universidades, um literário e outro científico, e compreendiam a gramática, a retórica e a dialética (o ‘trivium’); a aritmética, a geometria, a música e a astronomia (o ‘quadrivium’). Na Antiguidade Clássica, a divisão das disciplinas das artes liberais variou um pouco de acordo com os autores, mas era utilizada nesse formato (trivium e quadrivium) pelo menos desde os últimos tempos da República no Império Romano (estima-se que a partir dos séculos III ou II a.C.).

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Durante a era das “fake news”, pós-verdades, intolerância política e polarização, várias soluções têm sido propostas. As reformas possíveis vão da mudança de instituições políticas ao estabelecimento de novos padrões para as organizações na era das mídias sociais. 

Muito menos discutido - e quase esquecido no debate - é o papel da educação nas universidades.

A educação clássica, quando bem feita, coloca os estudantes em contato com ideias desafiadoras e complicadas. Ensina a como conversar com – e não sobre – os outros. Hoje, a administração das faculdades deve avaliar como o esvaziamento das artes clássicas tem exacerbado a intensidade e o destempero no discurso público.

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Mais que clamores por liberdade de expressão e diversidade ideológica nas universidades, precisamos urgentemente renovar as artes liberais. De acordo com American Association of Colleges and Universities e a American Association of University Professors (“Associação Americana de Universidades” e “Associação Americana de Professores Universitários”, respectivamente, em tradução livre), “a livre busca pela verdade e o acesso à arte são componentes essenciais de uma democracia funcional”.

O debate sobre a liberdade de expressão nos campi é o sintoma de um problema ainda maior: muitas universidades têm abandonado o compromisso com as artes liberais em favor da procura pela verdade sobre a condição humana. As artes liberais – seja literatura, história ou filosofia – têm sido atenuadas. O American Council of Trustees and Alumni (“Conselho Americano de Notáveis” e ex-alunos, em tradução livre), tem notado que algumas disciplinas são altamente politizadas, e o currículo principal é desmembrado para dar lugar a um modelo “à la carte”, onde as aulas são escolhidas, e não determinadas. 

Então como a renovação das artes liberais ajuda nossa democracia? A princípio, uma busca honesta pela verdade estimula a curiosidade intelectual – e a curiosidade supera a polarização ideológica. 

Uma pesquisa de Dan Kahan, da Universidade de Yale, demonstra como pessoas curiosas por matérias científicas são mais propensas a considerar pontos de vista diferentes (algo que muitos de nós não fazemos). 

Uma educação clássica, ao invés de entregá-los a noções de mundo estritas e politizadas, cultiva esse tipo de curiosidade entre os estudantes. Estudando história, literatura e filosofia, os alunos diminuem a certeza que eles têm as respostas para todas perguntas. Além disso, eles se sentem estimulados a questionar, aprender e discutir ideias sobre uma sociedade mais justa e correta.

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O que as universidades devem fazer no curto prazo? Muitas delas têm criado centros e programas que procuram renovar a perspectiva diversa e isenta de ideologia, principalmente nos estudos e debates sobre a história e os princípios adotados na fundação dos Estados Unidos. 

Essas iniciativas podem preencher lacunas nas falhas curriculares, além de permitir que os estudantes se engajem no constante debate sobre os fundamentos de uma sociedade democrática de sucesso, que transcende políticas e ideologias dogmáticas. Uma forma prática de reviver a educação clássica é trabalhar o conhecimento civil de um ponto de vista histórico e teórico, algo que já está presente na missão de muitas instituições. Ao planejar a Universidade da Virgínia, Thomas Jefferson defendia que os alunos deveriam estudar “Governo, Economia Política, Leis da Natureza, Leis das Nações, e História”, e que isso “esteja entrelaçado com a Política e a Lei”.

Empreendedores cívicos devem inovar os currículos universitários seguindo o molde desses programas e centros. Ao se concentrar em tópicos como justiça, e ao desenvolver habilidades como pensamento crítico e escrita, a educação clássica prepara os estudantes para a vida pública, independentemente de sua vocação profissional. 

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E, ao contrário do que o senso comum acredita, as artes liberais também podem ser aproveitadas, mesmo quando estão em contraste com a educação “profissional” e “vocacional”. Pesquisas sobre habilidades valorizadas por empregadores mostram que trabalhos que exigem habilidades sociais como pensamento crítico, solução criativa de problemas, cordialidade e consciência – resultantes de uma educação clássica abrangente – têm crescido muito mais que os trabalho “STEM” (acrônimo para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, em inglês), desde os anos 80. 

Pessoas que conseguem sintetizar informações, escrever e falar de forma clara, além de se comunicar com aqueles que possuem diferentes pontos de vista, estão em alta no mercado de trabalho atual. Como a inteligência artificial tem aumentado a performance de atividades ligadas ao STEM, recai sobre as artes liberais a expectativa de cultivar a criatividade e curiosidade, algo que robôs não fazem, e ainda não o farão por um bom tempo.

Não é possível consertar nossa rancorosa política com mais política. Precisamos focar nas condições que permitem o discurso e a atividade política. Está na hora de cobrar uma educação voltada para as artes liberais, para que assim as universidades possam resguardar a busca pela verdade, essencial na saúde da nossa democracia.

Justin Dyer é professor de ciência política e diretor executivo do Instituto Kinder de Democracia Constitucional da Universidade de Missouri

Ryan Streeter é diretor de estudos de política interna do American Enterprise Institute.

©2018 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

Tradução: Rafael Baltazar

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