A Política Nacional de Educação Especial deve mudar no começo de 2020. O governo de Jair Bolsonaro vai publicar um decreto com alternativas para que a escola regular não seja a única opção dos alunos com deficiência intelectual ou física, Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) ou superdotação.
Caberá a cada família – em parceria com a escola e com a equipe multidisciplinar que já acompanha o aluno – escolher se o estudante vai permanecer na instituição de ensino regular em que está atualmente, se irá ser transferido para uma escola especial ou ainda se ficará na mesma unidade escolar, mas em uma classe especial que poderá ser criada.
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A ideia é flexibilizar os sistemas educacionais para que possam oferecer a melhor solução para cada estudante, diz a diretora de Acessibilidade, Mobilidade, Inclusão e Apoio a Pessoas com Deficiência do Ministério da Educação (MEC), Nídia Regina Limeira de Sá.
“É preciso promover a inclusão plena desse público. Temos que oferecer ambientes favoráveis para o desenvolvimento pleno das potencialidades das pessoas. E, muitas vezes, esse ambiente não é o da escola comum. Precisa ser um ambiente que vai trabalhar em função das especificidades da pessoa, das singularidades dela. Então nosso foco está na pessoa, naquilo que é o melhor para ela”, diz Nídia.
A elaboração do novo documento foi feita ao longo de dois anos e teve início ainda no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). De acordo com o governo federal, entidades representativas do segmento, famílias e lideranças que representam as pessoas com deficiência participaram da construção dessa nova política.
“Os sistemas inclusivos são bem-vindos, mas a gente quer um olhar diferenciado para esse público que não está aproveitando a escola comum”, afirma a representante do MEC.
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O que deve mudar com o decreto
Com a nova norma, o MEC, segundo a secretária, quer instituir outras opções, personalizadas, para alunos com dificuldades de aprender em classes regulares, sem perder os benefícios sociais já adquiridos com a inclusão. Entre as alternativas propostas estarão a transferência para classes especiais que podem ser criadas na mesma escola, a migração para escolas especiais quando for a melhor solução ou a mudança para classes bilíngues ou escolas bilíngues (que ensinam também em Libras).
"Nossa expectativa é de que o número de classes especiais seja ampliado, até porque uma escola comum pode criar uma classe especial para atender a um público específico. Pode, inclusive, criar uma classe bilíngue para trabalhar com Libras e língua portuguesa, como línguas de instrução e de comunicação. São perspectivas plenamente possíveis", explica Nídia.
Ela também afirma que a nova Política Nacional de Educação Especial é focada em um "trabalho equitativo, inclusivo e que seja feito ao longo da vida". Inclusivo porque as escolas têm que estar de portas abertas para todos e equitativo pelo fato de adotar ações diferenciadas que sejam capazes de proporcionar o desenvolvimento pleno de todas pessoas, de acordo com o seu perfil. Nídia afirma ainda que será um trabalho que não se restringirá ao ambiente escolar, já que essas pessoas vão precisar de apoio educacional ao longo da vida.
"Temos que continuar pensando em propostas educacionais para essas pessoas ao longo da vida, até que elas tenham o desenvolvimento de um projeto de vida", salientou a representante do MEC.
Apesar dessa promessa de ampliação das oportunidades para os estudantes, o MEC terá vários desafios pela frente. Entre eles, a formação de professores e funcionários para ensinar esses alunos. Isso porque, segundo o Censo de 2018, apenas cerca de 6% dos docentes têm formação ou fizeram algum curso de capacitação para entender questões específicas da educação especial. "Nosso foco vai estar na formação dos professores. Esse é o caminho", salienta a diretora.
Entidade diz que "nova política é um retrocesso"
Apesar de o decreto não ter sido publicado ainda, as propostas do MEC já são alvo de críticas pelo fato de a pasta ressaltar que nem sempre a escola regular é o melhor caminho para uma criança com necessidades especiais. Muitas entidades e pais temem que as crianças com deficiência sejam segregadas do convívio social.
"Hoje, a luta é muito grande para as escolas aceitarem as crianças com deficiência. Temos uma legislação que garante esse direito. Se mudar, ninguém mais vai aceitar crianças com deficiência na escola comum", disse o presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, Antônio Carlos Sestaro. Pai de um jovem com Síndrome de Down, de 29 anos, que estudou em escola regular, ele afirma que "ter salas especiais e escolas especiais é retroceder, pelo menos, 30 anos".
Sestaro acrescentou ainda que, dependendo do conteúdo que vier a público, a nova Política Nacional de Educação Especial poderá ser denunciada pela entidade ao Ministério Público.
“Nós não aceitamos isso. Se [o MEC] quer resolver questões pontuais, vamos sentar com os educadores e resolver. Mas não pode fazer uma política de exclusão”, afirma.
Segundo a representante do MEC, não haverá segregação de nenhuma pessoa com deficiência nos ambientes escolares. Nídia salienta que a nova política está alinhada à Constituição, à Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB), à Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações Unidas (ONU), à Lei Brasileira de Inclusão (LBI), entre outros documentos como a Declaração de Salamanca.
"Estamos perfeitamente ajustados. Todos esses documentos falavam que é muito importante que haja adaptações razoáveis para um público que é pequeno, mas que demanda esse tipo de atendimento diferenciado", afirma Nídia.
Pais e professores têm opiniões diferentes sobre classes regulares
Apesar de a inclusão ser a mais aceita socialmente, algumas famílias acreditam que as turmas regulares não foram benéficas para seus filhos.
"Há muita falta de conhecimento. Criou-se a história de inclusão com a ilusão de que as crianças vão se desenvolver como as outras, mas há diferenças, que devem ser avaliadas para identificar o melhor método de educação. Inclusive no que diz respeito às síndromes. Neste caso, o tipo de síndrome também deve ser considerado, pois as necessidades e aptidões de uma criança autista podem ser diferentes de uma criança com paralisia cerebral. Criou-se esse estigma de que o problema da inclusão é resolvido a partir do momento em que as escolas são obrigadas a aceitar crianças com deficiência. Mas, o que acontece com aquelas crianças que não conseguem acompanhar o currículo escolar? Se não há outra opção, resta a elas ficar em casa….", diz Ana Carolina de Miranda Teixeira, de Belo Horizonte, cuja irmã, Patrícia, com paralisia cerebral, faleceu recentemente por causa de um câncer.
Segundo ela, os alunos com limitações cognitivas dificilmente conseguem acompanhar o currículo e, por isso, desanimam.
"A história de [minha irmã] tentar fazer coisas com crianças normais nunca deu muito certo. Quando pequena, ela frequentou o ballet, a escola normal, porém, nunca foi convidada para uma festa e aniversário. No entanto, ela encontrou o seu lugar e os seus amigos na escola de educação especial. Patrícia sabia ler, mas não perfeitamente. Com 33 anos. fazia contas de soma, subtração, multiplicação e divisão. Mas, muitas vezes, ela confundia o resultado da soma com o da subtração, por exemplo", diz.
"Como uma pessoa assim vai conseguir acompanhar o currículo regular? Por outro lado, ela tinha imenso talento com trabalhos manuais, como pinturas, mosaicos e tecelagem. Gostava de cantar e dançar. Tudo isso era estimulado na escola especial. Se você conversar com mães de crianças acima de 10 anos que estão na escola especial, nenhuma vai dizer que apoia a atual política de inclusão. Principalmente por conta da evolução intelectual", conta.
Hanna Batista, advogada e mãe de uma criança autista, discorda de Ana Carolina e destaca os benefícios da convivência da filha Gabriela, que tem oito anos, com outras crianças em uma escola regular.
"Crianças com ou sem deficiência só têm a acrescentar umas às outras. Como mãe, eu jamais admitiria que minha filha fosse encaminhada a uma classe especial simplesmente por ser autista, e moveria todas as medidas legais possíveis para garantir que isso não ocorresse", afirma.
"O direito de acesso às escolas regulares é garantido por nossa Constituição e está intrinsecamente coligado com o direito da criança ao desenvolvimento de personalidade e de acesso à educação desenvolvedora", observa a advogada. "Minha filha é feliz na escola, os colegas a adoram. Ela tem um excelente convívio com todos e, inclusive, tem ótimas notas. Inclusão é possível quando escola, educadores, Estado e pais trabalham em conjunto para viabilizá-la", afirma Hanna.
Com a nova política do governo federal, o temor da advogada é que os alunos com deficiência acabem afastados da convivência com os demais estudantes. "Entendo que uma criança que esteja em escola regular, e seja encaminhada a uma classe especial dentro dessa escola, estará tendo desvirtuado seu inegável direito de convívio em sociedade. Estamos falando de princípios fundamentais, de direitos garantidos constitucionalmente à criança, com destaque ao art. 277 da Constituição Federal", explica.
Já a professora Isis Aparecida, da escola especial Imepe, de Belo Horizonte, afirma que a inclusão é muito difícil para o educador, principalmente sem formação específica.
"Em uma sala com 40 meninos, como você vai atender a dois ou três com deficiência?", questiona. "As turmas das escolas especiais são mais reduzidas e, por isso, você consegue fazer um trabalho bem individualizado. Isso não acontece em uma escola regular. Na escola regular, não tem recurso suficiente, como o tempo".
"Quando eu trabalhava no estado, havia um aluno cadeirante, e todos os professores não sabiam o que fazer. Era um e mais 30 para a gente ensinar. O pouco tempo dedicado a ele não era suficiente", conta a professora. "Tem pessoas que precisam de ensino individualizado, mesmo os regulares. Os que têm transtorno, então, precisam de mais atendimento ainda. Enquanto você o atende, como ficam os outros? Isso afeta muito o ensino dessas crianças que precisam mais".
A professora acrescenta ainda outros desafios, além do simples ensinar. “É preciso acompanhar esses alunos em todas as atividades dentro da escola. Ir ao banheiro, permanecer perto durante o recreio”, diz. A escola, ressalta, também precisa ter estrutura para atender alunos especiais.
Para Isis, a inclusão, muitas vezes, é apenas uma forma de o governo "dar satisfação à sociedade". "É uma forma que eles têm de eliminar gastos e de dar uma 'satisfação' para a sociedade de que o governo está fazendo tudo para melhorar a situação", defende. "O aluno vai para a escola regular, isso se propaga no bairro, entre a comunidade, pais, e as pessoas acham que isso é muito louvável, porque se pensa que a criança está sendo tratada como todo mundo".
Versão de 2008
A primeira versão da Política Nacional de Educação Especial foi elaborada em 1994. Ao longo dos anos, houve algumas revisões. A edição de 2008 - produzida no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) - teve adaptações e pretendia coibir o que naquele momento era entendido como prática discriminatória, a previsão de classes especiais para alunos com deficiências específicas. A visão adotada foi de que todos os alunos deveriam estar "juntos, aprendendo".
Essa postura é criticada pelo atual gestão federal, por entender que o texto anterior seguiu uma linha da "substantivação do atendimento educacional especializado".
"O Artigo 208 da Constituição diz que a pessoa com deficiência tem que ter um atendimento educacional especializado. Mas acontece que lá está dizendo que é pra você fazer um atendimento na área educacional especializado. E não foi o que fizeram [desde 2008 até agora]. Colocaram letras maiúsculas em Atendimento Educacional Especializado, transformaram no chamado AEE e disseram que o que está na versão anterior é sinônimo de um atendimento que se faz duas vezes por semana no contraturno da escola", diz Nídia.
"Isso [retirar o acompanhamento especializado] é uma redução terrível que foi feita na área da educação especial. E não é isso. Atendimento educacional especializado não é o que se faz apenas no contraturno ou o que se faz apenas em uma sala de recursos, é algo que, de fato, faça com que a pessoa cresça em conhecimentos", afirma a representante do MEC.
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