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Nem bem começa o encontro da reportagem com o professor-viajante Luís Carlos Prado, 45 anos, e ele logo tira da pasta um pequeno e surrado mapa do Paraná. Dali em diante, a conversa vai correr sob trilhos e estradas. "Pitanga, Ivaiporã, Ubiratã, Roncador..." O dedo corre para lá e para cá, apontando cidades que a maioria nem sonha conhecer. São pequenas, distantes, à margem das rotas turísticas tradicionais, muitas delas batizadas com nomes curiosos. Para Prado, no entanto, cada pontinho dos 399 municípios paranaenses forma uma geografia íntima. "Acredito ter percorrido 85% do estado em 20 anos", calcula o homem cuja profissão é, literalmente, andar por esse país.

Em miúdos, Luís Carlos Prado enche o porta-mala do carro de livros, passa a escova no terno e se prepara para enfrentar jornadas de até 30 dias em meio a atalhos sem asfalto, mas com poeira, sol e chuva que Deus manda. A cada empreitada, chega a falar para quatro mil estudantes. O ritual é simples. Quando chega a seu destino, procura a escola mais próxima, apresenta-se, faz palestras sobre assuntos que vão de redação a mercado de trabalho e apresenta o catálogo da Bolsa Nacional do Livro – editora curitibana da qual é representante desde os 17-18 anos. No momento, trabalha no Projeto Apoio, voltado para vestibulandos.

Se houver tempo, pega a rodovia de novo no final do dia. Com sorte, no caminho, encontra aquela paisagem que faz a canseira valer a pena, como uma prainha na área que separa Entre Rios do Oeste de Pato Bragado, na divisa com o Paraguai. Se não tiver como, pernoita num daqueles hotéis de interior que parecem existir apenas nos filmes de faroeste. "Foi assim em Santo Antônio...", diz ele. Não o da Platina, com 38 mil habitantes, mas alguma outra Santo Antônio – a do Caiuá (2,5 mil habitantes), do Paraíso (2,6 mil) ou do Sudoeste (18 mil). Não importa. De uma e outra rota, sempre volta sem os livros e com uma bagagem de histórias e mais histórias que confirmam uma certeza alimentada em mais de duas décadas no ofício estradeiro: brasileiros adoram ler. O livro é que nem sempre chega até eles.

Mais da metade dos municípios paranaenses têm menos de dez mil habitantes. Tamanho não é documento, mas, no Brasil, há escassez de livrarias até em cidades de médio porte – são 1.200 em todo o país, de acordo com dados da Associação Nacional de Livrarias. Nos cálculos da Secretaria do Livro e da Leitura, as bibliotecas não passam de 4.600, menos do que uma por município (o Brasil tem 5.507 cidades). A chegada de Prado com sua mala abarrotada de volumes, não dá outra, abala a rotina da pracinha, do coreto, da escola, da roda de chimarrão e da quadra de bocha. Nem o encurtamento de distâncias provocado pela internet quebra esse encanto, garante o professor. Em Terra Rica (11 mil habitantes), Norte do estado, de certa feita, teve de entregar uma encomenda a cavalo. "O sítio do comprador ficava a sete quilômetros da estrada em que o ônibus passava", conta.

Tanto que Prado tem lá sua lista de best sellers on the road – aqueles livros que, ao longo de sua carreira, bem mereciam figurar num pára-choque de caminhão. Um deles é o Dicionário Canik. Outro, a Revista Pedagógica Brasileira, da qual, em tempos idos, vendia entre 700 e 800 exemplares a cada viagem. Aliás, fosse fazer as contas em número de exemplares comercializados, o professor até poderia arriscar saber a média de leitores que conquistou em duas décadas.

Essa conta começou muito cedo. Em meados dos anos 70, Luís Carlos ainda trabalhava no bar de seu pai quando um anjo da guarda profissional lhe apareceu. Seu nome era Geraldo Furigoti e trabalhava na Bolsa Nacional do Livro – editora criada em 1957. Perguntou-lhe se queria vender livros. O garoto de calça jeans, tênis e cabelos desgrenhados não se animou muito. Mas como era por cinco salários, aposentou a roupa desbotada, tosou a cabeleira e saiu detrás do balcão para vender seus primeiros 17 volumes. Três meses depois, foram 17 coleções. E na primeira viagem – para União da Vitória, sua cidade natal – o desempenho passou para 197 coleções. Levou muita porta na cara, enfrentou cliente nervoso e carro quebrado na beira da pista. Chegou a mudar para Tapejara (14 mil habitantes) e até a largar tudo. Mas que nada: desse caminho ninguém volta para casa.

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