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No Colégio Bom Jesus, alunos e professores participam do Projeto Virtudes, que existe há dez anos | Antonio More/Gazeta do Povo
No Colégio Bom Jesus, alunos e professores participam do Projeto Virtudes, que existe há dez anos| Foto: Antonio More/Gazeta do Povo

Trabalho diário

Posturas individuais comprometem esforço coletivo

Os valores também são trabalhados diariamente de forma indireta, a partir do comprometimento e da postura dos professores e dos gestores da escola. As virtudes também podem ser ensinadas em situações que surgem ao acaso, como uma briga entre alunos na hora do intervalo. Por isso, as atitudes individuais dos profissionais precisam estar de acordo com as intenções da instituição de ensino, o que nem sempre acontece. "A escola tem resultado melhor quando afina ao máximo as intenções coletivas e individuais, pelo diálogo e pelo controle", ressalta a professora Maria Silvia Bacila Winkeler, professora do curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

Chana Name De Dominicis, 32 anos, diz que mudou o filho de colégio porque ele era tratado com falta de respeito por colegas e por um membro da equipe pedagógica, justamente o funcionário a quem o estudante deveria recorrer em caso de dificuldades de relacionamento na escola. Segundo a mãe, o profissional fazia ameaças em vez de se preocupar com o bem-estar dos estudantes. Há três meses, seu filho, Joel Moreira Bonzatto, de 12 anos, foi transferido para o Colégio Sion. Apesar do pouco tempo na nova escola, ela diz que a mudança de comportamento foi visível. "Ele estava agressivo, impaciente e o tinha sono agitado. Quando falei que iria tirá-lo da escola, ele já começou a mudar e voltou a ser o menino que era", diz.

Para a mãe, muitos pais confundem boa educação com ensino rigoroso. Essa também é a opinião de Renata*, mãe de trigêmeos de 6 anos. "Eu quero que a escola seja puxada, mas que ofereça também um ensino que ajude a formar seres humanos dignos. Por outro lado, se vejo uma escola que meus filhos adoram, mas na qual não estão aprendendo, eu vou tirá-los", afirma. Os três filhos de Renata estudam na Escola Santo Anjo, onde ela afirma que é possível manter uma relação mais próxima com os funcionários.

*O nome foi trocado a pedido da entrevistada

Proximidade

Educação personalizada

Uma das formas encontradas pela Escola do Bosque para trabalhar valores é realizar encontros periódicos e individuais com os estudantes. Por meio de "preceptorias" mensais, um professor dá conselhos ao aluno e ouve o que ele tem a dizer, criando uma relação de confiança. Também há reuniões regulares entre o preceptor e a família do estudante. "O preceptor arranca compromissos dentro do que o aluno pode melhorar. Na reunião com família, colhemos outros dados e expomos o que é importante para a criança", afirma o diretor de formação da escola, Valdir Fernandes.

O colégio oferece turmas de 1º ao 5º ano do ensino fundamental e a oferta de uma educação personalizada é facilitada pelo pequeno número de alunos matriculados. Segundo Fernandes, o trabalho em conjunto com a família também ocorre em outras situações. A cada mês, a instituição define uma virtude a ser trabalhada e estipula atividades que devem ser desenvolvidas pelos alunos, pelos professores e pela família. "A escola entrega a descrição da virtude para a família e explica também o que os pais devem fazer", afirma.

Quando se mudou para Curi­tiba, Beatriz Carcavallo, 42 anos, decidiu matricular os dois filhos em uma escola de classe média alta, considerada exigente e competitiva. No momento em que as notas do filho mais velho, hoje com 13 anos, começaram a cair, Beatriz achou que fosse normal. Só depois que o adolescente pas­­sou a se consultar como uma psicopedagoga e com uma psicóloga, como sugestão da própria escola, é que a mãe percebeu que muita coisa estava errada. "Quando me foi dado o laudo, fiquei espantada. As crianças tiravam sarro dele na sala. Meu filho teve cinco camisetas picotadas com tesoura por colegas na sala. E o colégio nunca tomou uma atitude", afirma.

Embora já conhecesse algumas das situações vividas pelo filho, Beatriz conta que não havia notado a proporção do problema e preferiu mudar o adolescente para a escola Sagrado Coração de Jesus. Hoje ela considera que tão importante quanto o sucesso acadêmico é encontrar uma escola que trabalhe com valores. "Hoje meus dois filhos adoram o colégio em que estudam. Eles estão mais felizes e o rendimento melhorou. Há algum tempo, perguntei se eles queriam voltar para a antiga escola e nenhum dos dois quis", diz.

Beatriz não está sozinha. Muitas escolas e muitos pais esperam que os estudantes aprendam no colégio o comportamento adequado em relação a outras crianças e a outros adultos. Para eles, isso é quase tão importante quanto aprender bem matemática ou português. "Existe uma imensa influência da escola no desenvolvimento moral e ético dos alunos, porque a criança tende a se projetar muito nos professores e nos próprios colegas. Há uma visão errada de que o ensino é papel da escola e a educação é papel da família. O pai que fica satisfeito apenas pelo fato de o filho passar no vestibular não sabe o real sentido da educação", afirma o professor João Malheiro, doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Consenso

Alguns valores morais são subjetivos e variam conforme a concepção ideológica das famílias. Mas parece haver consenso sobre a necessidade de desenvolver determinadas virtudes, como justiça, generosidade, honestidade e respeito ao próximo. "Outra virtude na qual acho que temos de insistir é a temperança, que vem dos gregos e tem a função de moderar o prazer. A temperança diz que tenho, por exemplo, de comer com medida, com hora, e dizer não ao comodismo. A criança precisa ser educada para o sacrifício, do contrário só vai se atrair pelo que é efêmero", afirma Malheiro.

A identidade e os princípios da escola devem estar descritos no seu Projeto Político Pedagógico (PPP), documento que pode ser solicitado pelos pais. No entanto, a teoria nem sempre é posta em prática, ressalta Yves de La Taille, especialista em Psicologia Moral e professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. "A maioria das escolas coloca no PPP que trabalha com valores. Mas os pais têm dois jeitos de saber se há realmente essa preocupação: perguntando para alunos e pais de estudantes, e durante a própria atividade escolar, ficando de olho no que acontece", diz.

Como fazer no dia a dia?

Com o objetivo de ensinar valores, algumas escolas organizam projetos interdisciplinares ou oferecem horários específicos para conversar sobre o assunto com os estudantes. No Colégio Nossa Senhora do Sion, a equipe pedagógica escolhe um tema anual que será trabalhado em sala pelos professores das diferentes disciplinas. Virtudes como tolerância, responsabilidade, honestidade e respeito atravessam todas as aulas e são incluídas nas atividades desenvolvidas com os estudantes da educação infantil ao ensino médio.

Também há dias específicos dedicados inteiramente à reflexão sobre esses assuntos. "Alunos de todas as séries param a sua rotina diária para participar dessas celebrações. Eles fazem orações, participam de reflexões sobre filmes e passam por situações práticas. Os alunos do ensino fundamental, por exemplo, puderam trabalhar com crianças de uma creche e escolher as atividades que queriam desenvolver: enquanto alguns contaram histórias, outros participaram de brincadeiras", explica a psicopedagoga Maria Cristina Montingelli, coordenadora do Sion.

No Colégio Bom Jesus, alunos e professores participam do Projeto Virtudes, que existe há dez anos. Se­gundo a gestora da unidade Nossa Senhora de Lourdes, Cleide Barbosa Machado, cada série se responsabiliza por um valor: enquanto a virtude da educação infantil é o amor, os alunos da sétima série trabalham o diálogo. "Em um de nossos projetos, os alunos da 7.ª série puderam localizar dentro da nossa unidade quais eram os problemas que estavam afetando o meio ambiente. Depois buscaram soluções para cada situação", diz.

A assessora pedagógica Lucinéia de Carvalho Appel, da unidade Nossa Senhora de Lourdes, explica que o diálogo foi trabalhado durante os debates em sala, quando os alunos tiveram de chegar a um consenso sobre como os problemas ambientais seriam resolvidos. Os estudantes também entrevistaram professores, gravaram vídeos e divulgaram o trabalho para outras turmas. Segundo João Arthur, de 12 anos, os alunos conseguiram fazer com que o colégio trocasse os copos plásticos da sala dos professores por xícaras. Além disso, foram espalhadas placas pedindo a ajuda de todos para manter os ambientes mais limpos.

Na Escola Santo Anjo, as crianças são levadas a refletir sobre o comportamento do dia a dia por meio de histórias educativas, brincadeiras direcionadas, apresentações teatrais e campanhas. A diretora do colégio, Siona Boiko Alves da Silva, conta que o respeito aos mais velhos foi abordado com a doação de alimentos para asilos e a partir da visita à escola de três senhoras que moram nessas instituições. "Elas vieram conversar com as crianças sobre boas maneiras e obediência", diz.

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