Historicamente, o Ceará sempre ficou abaixo da (péssima) média nacional nos índices que medem a qualidade da educação. Mas, na última década, as coisas começaram a mudar no Estado. Mudaram tão rápido que se tornaram o principal caso de sucesso de políticas educacionais no país.
Os números mostram que algo diferente aconteceu no Ceará.
Por exemplo: todas as 24 melhores escolas públicas do 1º ao 5º ano do Brasil são cearenses, de acordo com o Índice da Educação Básica (Ideb) calculado pelo pelo Ministério da Educação (MEC).
Mais: das 100 escolas públicas com as melhores notas do Brasil no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), 77 são doCeará.
Uma década atrás, a realidade era diferente.
Em 2005 , o Ideb dos alunos cearenses ao final do 5º ano era apenas o 18º entre as unidades da federação. Em 2015, ocupava o 5º lugar.
Em 2007, somente 39,9% das crianças cearenses concluíram o 2ª ano do Ensino Fundamental alfabetizadas. Agora, os números do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece) de 2016 mostram que o percentual saltou para 87%.
Priorizar a alfabetização dos alunos até o final do 2º ano do Ensino Fundamental como política pública transformou a realidade da educação do Ceará em dez anos.
A explicação reside, em grande parte, em um programa complexo, que inclui parcerias entre estados e municípios, recompensas financeiras por bom desempenho e a formação continuada de professores.
O programa
Desde 2007, quando o governo estadual colocou em primeiro lugar o Programa Alfabetização na Idade Certa (PAIC), Estado e municípios são incentivados a adotar medidas de cooperação. A experiência educacional virou referência para um país que tem um quadro estatisticamente estagnado nos níveis de alfabetização. Segundo a Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA), os níveis de alfabetização dos brasileiros em 2016 são praticamente os mesmos de 2014.
Publicado por Educação - Gazeta do Povo em Terça-feira, 23 de janeiro de 2018
Na visão do dirigente da Coordenadoria de Cooperação com os Municípios (Copem) da Secretaria do Estado da Educação (Seduc), Márcio Brito, Brito, esse resultado pode ser atribuído à unidade pela adesão ao enfrentamento do analfabetismo infantil por meio do PAIC.
“Todos os municípios tiveram confiança no programa desde a criação”, diz ele, avalia ele, destacando que a experiência educacional do PAIC inspirou a estruturação do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) pelo MEC.
O investimento do Estado no PAIC em 2017 foi de R$ 52 milhões. Segundo o governo, esses valores são distribuídos em premiação às escolas com os melhores índices, avaliações dos estudantes, aquisição de material didático padrão aos estudantes, bolsas aos educadores e gestores e apoio logístico para viabilizar as formações dos profissionais.
Para os municípios que atingem os melhores resultados do 2º e 5º anos, no Spaece, também há benefícios: uma lei estadual garante o repasse do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com base no IQE (índice da qualidade da educação). Ou seja: quanto melhor o desempenho, mais recursos entram nos cofres da prefeitura.
O município pode ainda receber uma premiação por escola no Prêmio Escola Nota Dez, destinado às escolas públicas com os melhores desempenhos de alfabetização, do 5º e 9º ano.
O governo também mantém 20 regionais de educação, localizadas em municípios pólos. “Em cada regional, há células que trabalham conjuntamente com a Coordenadoria de Cooperação com os Municípios no desenvolvimento das ações. É uma estratégia para estarmos fisicamente mais próximos dos municípios e escolas”, explica Brito.
Mudanças no programa
Em uma década, o programa passou por duas grandes transformações. Em 2011, o PAIC recebeu o título de Programa de Aprendizagem na Idade Certa (PAIC +5), ampliando as ações do 3º ao 5º ano. Em 2015, recebeu o nome de MAIS PAIC, estendendo as medidas ao Fundamental 2. Essas mudanças já renderam bons frutos, diz o dirigente. O percentual dos alunos do 5º ano no nível adequado em Língua Portuguesa subiu de 6,9% em 2008 para 39,1% em 2016. Em Matemática, o crescimento foi de 3,6% para 29,6%, comparando os mesmos períodos.
Em 2012, o percentual de alunos do 6º ao 9º ano com nível adequado em Língua Portuguesa era de 8,6%, subindo. Em 2016, o total saltou para 14,6%. Já em Matemática, o percentual de alunos no nível adequado passou de 3,9%, em 2012, para 7,1%, em 2016.
Na ANA 2016, o Ceará também superou a média brasileira em Leitura, Escrita e Matemática entre as crianças que estavam matriculadas no 3º ano do Ensino Fundamental da rede pública. Além disso, o Estado obteve os melhores resultados do Nordeste, segundo dados divulgados pelo MEC.
Especialistas avaliam o programa de alfabetização
Para a professora da UFC (Universidade Federal de Minas Gerais), o programa se destaca por ter um objetico claro: “O aspecto do PAIC de medir estritamente a capacidade de ler e de escrever das crianças e adolescentes é, sem dúvida alguma, um resultado bastante positivo”.
Ela também vê com bons olhos a iniciativa do governo de disponibilizar material didático produzido por autores regionais e com temais locais.
No entanto, a professora observa que “uma crítica persistente é o fato de o programa enfatizar quase que exclusivamente os resultados, desconsiderando processos e condições de trabalho docente.”
Para a coordenadora executiva do Instituto Avisa Lá, a mestre em Psicologia da Educação pela PUC-SP Silvia Pereira de Carvalho, os indicadores obtidos por meio do PAIC apontam consistência na melhoria da aprendizagem dos alunos. “Mas a corrida para atingir resultados no Ideb, na ANA e em outras avaliações do tipo precisa ser melhor analisada. Uma coisa é responder testes, outra é a apropriação da leitura e da escrita”, pondera.
Ela lembra também que há um longo caminho a percorrer: “Apesar do Estado ter índices de sucesso na alfabetização das crianças de 8 anos em relação aos outros Estados do Nordeste, ainda vemos que em Leitura, na avaliação da ANA, 45% das crianças do Ceará estão no nível insuficiente”, lembra Silvia.
Na percepção de Mônica, é preciso ir além do material pedagógico padrão e formação e capacitação de professores para enfrentar os problemas na etapa da educação básica que alfabetiza os alunos. “Os programas de formação continuada devem vir acompanhados de ações e projetos políticos que invistam efetivamente na valorização docente, na melhoria das condições de remuneração e trabalho, na formação dos gestores , na autonomia financeira, administrativa e pedagógica das escolas”, exemplifica.
Já para Silvia, a grande questão é qual material está sendo oferecido. “Ele respeita a forma como as crianças constroem conhecimento em relação à leitura e à escrita? Ou é a velha cartilha com roupagem atualizada que não dá conta atender os alunos quem mais precisam, aqueles que não têm acesso em sua casa às práticas sociais de leitura e escrita?”, indaga.
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