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O MEC emprega 41 mil pessoas, 10% de todo o funcionalismo público federal, e tem um orçamento da ordem de R$ 100 bilhões | MEC /Divulgação
O MEC emprega 41 mil pessoas, 10% de todo o funcionalismo público federal, e tem um orçamento da ordem de R$ 100 bilhões| Foto: MEC /Divulgação

O ministério da Educação é um transatlântico, e transatlânticos não mudam de rumo facilmente. Muitas vezes, um governo simplesmente não consegue emplacar as mudanças que prometeu para o setor. Em outras situações, acaba mudando de opinião na medida em que assume o poder e começa a entender suas engrenagens da máquina que assumiu. Ainda assim, uma mudança de governo tão expressiva, de Dilma Rousseff, eleita em 2014, para Jair Bolsonaro, o presidente eleito em 2018, pode representar grandes mudanças para o setor nos próximos anos, principalmente porque o escolhido pelo futuro presidente para ocupar a pasta, Ricardo Vélez Rodríguez, é um técnico preocupado com a moral, crítico do marxismo e com proximidade à iniciativa privada.

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Esse raciocínio é do professor João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto. Ele lembra que um ministro da educação comanda uma máquina gigantesca, difícil de movimentar em novas direções. O orçamento fica na ordem de R$ 100 bilhões – é o quarto maior entre todos os ministérios, um valor 75 vezes maior do que o R$ 1,35 bilhão dedicado ao Ministério dos Esportes, por exemplo.

A pasta emprega 41 mil pessoas, 10% de todo o funcionalismo público federal – e esse total não leva em consideração os funcionários das secretarias estaduais e municipais de educação. É um transatlântico, portanto, com muito poder e grandes responsabilidades. “Existe uma continuidade a longo prazo, estabelecida pela Constituição e por normas, regras, formas de operar”, afirma Oliveira. “Um ministério deste porte não muda rápido, independentemente da vontade do governante”.

Dificuldades

Qualquer mudança é difícil de emplacar. Por exemplo, para alterar o conteúdo dos livros didáticos e eliminar as menções a educação sexual ou mudar a maneira como o golpe militar de 1964 é descrito, como a equipe do presidente eleito tem prometido, seria preciso mudar a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Para isso, é necessário contar com a maioria dos votos do Conselho Nacional de Educação. E o presidente Bolsonaro só poderá mudar parte dos membros do conselho depois de dois anos de mandato.

Outro ponto: se o presidente quiser mesmo ler as provas do Enem e aprovar as questões previamente, como já declarou, terá que retirar a autonomia do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), que elabora exames de avaliação sem nenhuma interferência direta do ministério.

Isso significa que o transatlântico nunca vai mudar de rumo? Não. Um novo governo, com propostas diferentes a respeito de um tema tão sensível, poderá promover mudanças de longo prazo. Não é fácil, mas pode acontecer.

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“A crise econômica e a alternância de poder são dois fatores que, somados, podem produzir mudanças”, diz João Batista Oliveira. “O dinheiro fácil acabou e a mudança demográfica, com o envelhecimento da população, é brutal. Temos menos alunos na educação básica e um governo com um perfil liberal que pode criar uma situação macroeconômica que permita ao Ministério da Educação mudar sua forma de operar”. Ou seja: se as mudanças acontecerem, elas vão partir, principalmente, de alterações na gestão do orçamento público, promovidas pela equipe do superministro da área econômica, Paulo Guedes.

Continuidade longa

Nem sempre diferentes visões significam práticas diferentes. João Batista Oliveira cita o caso da transição do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) para os governos do Partido dos Trabalhadores (2003-2016). “Grupos mais radicais do PT não gostam de avaliação [da educação, por meio das provas que resultam no Ideb, por exemplo]. Em consequência, o PT prometeu retirar qualquer tipo de avaliação. Mas, no fim das contas, acabou até ampliando”.

O mesmo vale, diz ele para a postura em relação a instituições de ensino particulares. “Todo o discurso petista é a favor das universidades públicas. Mas foi o governo deste partido que criou os maiores programas que facilitam o acesso a universidades particulares, que experimentaram um boom enorme durante os governos Lula e Dilma”.

De fato, como aponta Antônio Gois, jornalista e presidente da Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca), o ProUni e o Fies não condiziam com a ideologia petista. “O ProUni foi elogiado pelo Paulo Renato [ministro de Fernando Henrique Cardoso]. Ele disse que, se fosse ele a lançar um programa assim, o PT ia ser contra”, afirma ele, que é autor de um livro gratuito, Quatro décadas de gestão educacional no Brasil, que traça um perfil de cada um dos ministros da Educação desde 1979. “O Paulo Renato estimulou o crescimento do ensino superior privado, ele flexibilizou as regras de abertura de cursos”, afirma Antônio Gois. “O governo do PT deu continuidade”.

No fundo, diz João Batista Oliveira, o que aconteceu, principalmente desde a eleição de Fernando Henrique Cardoso, foi um processo de continuidade. “Por falta de polarização e de espaço para divergência, foi desenvolvido um consenso sobre as políticas para a educação. O Ministério da Educação se tornou um órgão que dita regras rígidas, que determinam como os outros [estados e municípios] devem trabalhar”.

As eleições de 2018 têm o potencial de promover uma mudança nesse cenário. “O perfil do ministro indicado por Bolsonaro [o filósofo colombiano Ricardo Vélez Rodríguez] é bem diferente de todos os ministros que passaram pela pasta desde a redemocratização”, afirma Antônio Gois. “Tivemos ministros conservadores em diferentes épocas, como José Mendonça Filho e Jorge Bornhausen, mas eles eram políticos. Agora temos um ministro conservador que não é ligado à política partidária e traz consigo uma pauta nova, bastante moralista. Tudo isso é muito novo, sem dúvida nenhuma representa uma ruptura”.

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