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Bolsas para Ciências Humanas podem ser reduzidas, dizem entidades
Bolsas para Ciências Humanas podem ser reduzidas, dizem entidades| Foto: Divulgação

O governo de Jair Bolsonaro voltou a ser alvo de críticas por parte da comunidade acadêmica e científica. O motivo, desta vez, é a alteração nos moldes de concessão de bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

Entre 2020 e 2023, os critérios gerais para concessão de qualquer modelo de bolsa devem atender às áreas consideradas prioritárias pelo CNPq - dentre as quais não foram, primeiramente, citadas as ciências básicas, que incluem as humanidades. Mais tarde, o conselho atualizou os parâmetros e as agregou de forma "transversal" à lista.

Até que os editais sejam publicados, no entanto, não é possível afirmar como se dá a mudança na prática. Isso deve ocorrer, segundo a assessoria do CNPq, até a próxima semana. Entenda o que se sabe até agora sobre o novo modelo de concessão de bolsas:

Quais são as áreas prioritárias para a concessão de bolsas

Em 19 de março, por meio da portaria nº 1.122, o MCTIC estabeleceu que as áreas prioritárias para a concessão de bolsas do CNPq, no que se refere a projetos de pesquisa, de desenvolvimento de tecnologias e inovações entre 2020 e 2023, passam a ser:

  • Tecnologias Estratégicas, nos seguintes setores: Espacial; Nuclear; Cibernética; e Segurança Pública e de Fronteira.
  • Tecnologias Habilitadoras, nos seguintes setores: Inteligência Artificial; Internet das Coisas; Materiais Avançados; Biotecnologia e Nanotecnologia.
  • Tecnologias de Produção, nos seguintes setores: Indústria; Agronegócio; Comunicações; Infraestrutura e Serviços.
  • Tecnologias para o Desenvolvimento Sustentável, nos seguintes setores: Cidades Inteligentes; Energias Renováveis; Bioeconomia; Tratamento e Reciclagem de Resíduos Sólidos; Tratamento de Poluição; Monitoramento, prevenção e recuperação de desastres naturais e ambientais; e Preservação Ambiental.
  • Tecnologias para Qualidade de Vida, nos seguintes setores: Saúde; Saneamento Básico; Segurança Hídrica; e Tecnologias Assistivas.

Quais eram as áreas consideradas prioritárias antes

Até a nova alteração, outras gestões à frente do MCTIC e do CNPq não haviam estabelecido áreas prioritárias para a concessão de bolsas. Existiam apenas, até então, critérios específicos para o fornecimento de cada modalidade de bolsa, como as de Iniciação Científica Júnior (ICJ), Iniciação Científica (IC), Mestrado (GM) e outras.

Em geral, os parâmetros para a concessão diziam respeito, exclusivamente, ao mérito da proposta da pesquisa, que deveria satisfazer os pré-requisitos gerais estabelecidos pelo CNPq e os critérios de qualificação definidos pelos Comitês de Assessoramento de cada área.

Todo ano, o CNPq publica chamadas variadas para diferentes modalidades de fomento. As de iniciação científica, ofertadas à graduação, por exemplo, são mais amplas, abrangendo todas as áreas do conhecimento, sem distinção. A partir de agora, porém, elas também terão de incluir as prioridades elencadas pelo novo modelo.

Há, por outro lado, chamadas muito específicas, que podem ser estabelecidas de acordo com as parcerias que o conselho faz ou com o contexto nacional. Recentemente, por exemplo, o CNPq lançou edital para pesquisas exclusivamente voltadas à Covid-19, para as quais serão destinados R$ 50 milhões. Em março, também foi anunciada chamada pública para empreendimentos e soluções na área de grafeno.

Além disso, a gestão à frente do CNPq elaborou, em 2016, um documento chamado Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, cujos parâmetros valem até 2022. Já naquele ano foram estabelecidas áreas prioritárias que não citam diretamente as ciências humanas. Entre outros, esses temas foram considerados estratégicos:

"Garantia da segurança hídrica, alimentar e energética da população brasileira; segurança e defesa cibernética e consolidação do país na economia e sociedade digital; a redução de importações de produtos farmacêuticos e hospitalares e de insumos para a indústria química; a agregação de valor aos bens minerais estratégicos para a economia nacional; o domínio científico e tecnológico em áreas críticas para a inovação empresarial e competitividade nacional; o desenvolvimento, autonomia e soberania nacional em tecnologias duais", afirma o documento, que pode ser acessado aqui.

Ciências Humanas foram excluídas?

Na portaria de 19 de março, o CNPq não citava as ciências básicas como um todo - que dizem respeito não somente às humanidades, mas às áreas biológicas e exatas também. No entanto, mais tarde, em 27 de março, a pasta informou que, às prioridades anteriormente elencadas, seriam acrescidos os projetos de pesquisa básica, humanidades e ciências sociais, também considerados "prioritários, diante de sua característica essencial e transversal". Sob o critério exclusivo, porém, de que essas pesquisas contribuam para o desenvolvimento das áreas antes definidas como prioritárias.

Ou seja, bolsas de humanas não foram, de todo, excluídas. Mas antes da divulgação dos editais não é possível afirmar a dimensão do remanejamento.

Qual a justificativa do CNPq para a mudança

De acordo com o conselho, essas medidas visam atender, essencialmente, ao cumprimento da missão do CNPq de fomentar pesquisas científicas, tecnológicas e de inovação, "contribuindo para o avanço das fronteiras do conhecimento, o desenvolvimento sustentável e a soberania nacional".

O que os números revelam sobre pesquisas científicas das humanidades

O impacto das pesquisas científicas produzidas no Brasil voltou a ser tema discutido com maior amplitude, principalmente, após a chegada da nova gestão à pasta de Educação. O próprio ministro da Educação, Abraham Weintraub, já sugeriu revisar os investimentos em pesquisas que não dão retorno imediato ao país.

Entre os pesquisadores que pautam essa discussão, o professor de Biologia da Universidade de Brasília (UnB) Marcelo Hermes realizou análises para entender esses indicadores.

Em artigo para a Gazeta do Povo, utilizando a base de dados da Scimago e com foco no quesito citações por paper (CPP) - ferramenta entre as mais utilizadas para se averiguar o impacto das pesquisas - Hermes verificou, por exemplo, que pesquisas brasileiras de ciências humanas tiveram mau desempenho frente à comunidade internacional, tendo poucas citações após três anos de publicação. Quanto às subáreas de humanas, como Educação, o Brasil ficou em penúltimo lugar em um ranking de 54 países.

Leia também: Pesquisa no Brasil: impacto global e estratégias de solução

Do todo, quanto será investido em ciências humanas no CNPq?

O CNPq não disponibilizou a informação de investimentos nas áreas de humanas. Informações fornecidas à Folha de S. Paulo em 2018, por exemplo, davam conta de que, do total de R$ 1,1 bilhão pagos em bolsas pelo CNPq no ano respectivo, apenas 20% se referiam às ciências humanas.

O que dizem especialistas e a comunidade científica

Em 27 de março, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), com o apoio de outras 70 associações científicas, enviaram carta ao ministro Marcos Pontes e solicitaram que a medida fosse rediscutida com a participação da comunidade.

"Causa-nos preocupação que a portaria [...] tenha sido elaborada sem uma maior discussão com a comunidade científica. [...] A portaria certamente identifica áreas importantes e de vanguarda com impactos produtivos, econômicos, sociais e de sustentabilidade, e que seguramente merecem investimentos e apoio, mas omite a necessidade de apoio à ciência básica, fonte fundamental do conhecimento e da formação  de recursos humanos qualificados, sem os quais não há desenvolvimento tecnológico e inovação", afirmam.

Em nota, a Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa de Serviço Social (ABEPSS) e a Representação da Área de Serviço Social no CNPq também repudiaram a medida, a qual consideraram "restritiva e discriminatória". "Mais uma vez este governo, que atualmente em plena pandemia revela seu negacionismo da ciência contrariando todo o movimento mundial de combate ao coronavírus – Covid 19, revela uma visão distorcida de ciência", disseram.

Professor de Filosofia na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e diretor do movimento Docentes pela Liberdade (DPL) no Rio Grande do Sul, Carlos Ferraz entende a medida adotada pelo CNPq como necessária.

"Nos últimos anos, as pesquisas das ciências humanas não têm causado avanço social na própria área. Elas têm atendido a uma necessidade burocrática voltada à quantidade, que está sempre à frente da qualidade do que se produz", critica. "No fim, os trabalhos acabam arquivados e ninguém lembra, não servem como referência".

Segundo ele, nos últimos anos as bolsas na área de humanas têm privilegiado trabalhos voltados a temas relacionados ao pós-modernismo e à ideologia de gênero. "Isso só foi crescendo de alguns anos para cá. É muito difícil que um aluno que tem um projeto sério e qualificado, considerado liberal, conservador, ganhar a bolsa para pesquisa", diz.

Durante um bate-papo promovido pela Associação dos Docentes das Universidades Federais do Estado de Goiás, nesta quarta-feira (7), o presidente da Associação dos Servidores do CNPq, Roberto Muniz, afirmou acreditar ser legítimo e correto que o governo eleja prioridades para conceder as bolsas de pesquisa. "Não nadamos em um mar de recursos. O problema é como estabelecer essa prioridades. Não pode ser sob uma lente sozinha, isolada", disse.

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