Após dois anos de vigência da lei que estabelece a criação dos Planos Municipais pela Primeira Infância, não existe sequer o balanço de quantas das 5.570 cidades brasileiras cumprem a legislação. Sem atingir as primeiras metas do Plano Nacional da Educação, com número insuficiente de vagas para a pré-escola, a União já adiou também o prazo para oferta de creches.
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Para o presidente da União Nacional de Dirigentes da Educação (Undime), Alessio Costa Lima, o investimento público em educação para esta faixa etária é menor que para as outras. O Brasil tem mais dois anos para ofertar vagas de educação infantil para pelo menos 50% das crianças de até três anos de idade, mas está longe de atingir a meta, que é uma das 20 estabelecidas para serem cumpridas entre 2011 e 2020. Atualmente, apenas 32% das crianças são atendidas, segundo relatório do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
“A educação infantil tem apenas 1,0 na tabela de fatores de ponderação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), ficando ainda bem abaixo das reais necessidades de investimento nessa etapa”, defende o dirigente da União.
Além da diferença entre a destinação de recursos, outras duas questões devem ser consideradas. Segundo Lima, a primeira é que o dinheiro do Fundeb, repassado aos municípios, não é suficiente para a demanda e está quase todo sendo consumido pelo pagamento do piso nacional dos professores, que tem reajuste anual. O outro ponto é que Proposta de Emenda Constitucional 55/2016, a PEC do teto de gastos, impossibilita investimentos e “acaba com a meta de implementação dos Planos Municipais da Primeira Infância”, ressalta.
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Os Planos Municipais também têm o objetivo de montar equipes altamente preparadas para que as creches deixem de ser entendidas apenas como “um lugar seguro para as crianças ficarem enquanto os pais trabalham”. Na verdade, a meta é conquistar para as creches a possibilidade de contratar educadores bem selecionados que estivessem à altura da “idade de ouro” das crianças – mas isso exige vontade política, exigência de qualidade e melhores salários para os professores.
Aprendizado nos primeiros anos de vida
Os primeiros seis anos de vida são fundamentais na formação humana. É nesse período, chamado primeira infância, que nossas funções cerebrais são moldadas, com a comunicação entre bilhões de neurônios. As conexões mais usadas se fortalecem e se tornam permanentes.
Através desses processos se formam circuitos neurais fortes para emoções, habilidades motoras, controle do comportamento, lógica, linguagem e memória. Nesta fase da vida, a criança aprende muito e rápido.
Por isso, segundo material educativo do Instituto Maria Cecília Vidigal, o cuidado, o afeto, as interações com adultos, as brincadeiras e os estímulos certos podem ajudar o cérebro a desenvolver seu potencial máximo. É também nesta etapa, a partir das experiências e do ambiente, que o ser humano dá sentido à vida.
Os estudos Importância dos Vínculos Familiares na Primeira Infância e Funções Executivas e Desenvolvimento da Primeira Infância, desenvolvidos por especialistas que compõe o Núcleo Ciência pela Infância, formado por várias instituições, mostram que a desigualdade brasileira é um dos obstáculos para o desenvolvimento pleno na primeira infância, já que as oportunidades diferentes podem influenciar na construção de vínculos entre a família e impactar no sucesso profissional ou escolar do cidadão.
Já o americano James Heckman, Prêmio Nobel de Economia em 2000, revelou em estudos recentes que cada um dólar investido na primeira infância se multiplica por sete na fase adulta, já que aumenta a empregabilidade e diminui a dependência de programas sociais.
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Metas longe de serem cumpridas
Uma das previsões do Plano Nacional da Educação que avançaram, mas ficaram pra trás foi a de ter 100% das crianças de 4 e 5 anos matriculadas até 2016. Em 2018, dois anos após o fim do prazo, 91,5% estão na escola, 450 mil a menos que deveria.
O Plano Nacional pela Primeira Infância traça diretrizes gerais, para o governo e a sociedade civil, na defesa, promoção e realização dos direitos das crianças de até 6 anos. O prazo para o cumprimento do plano é 2022. A expectativa da Rede Nacional pela Primeira Infância, criada em 2007 e composta por 200 organizações de todo Brasil, é que na data pelo menos 60% das cidades tenham o Plano Municipal.
Até o momento da produção dessa reportagem, nenhuma instituição e nem o governo federal apresentou o levantamento de quantos municípios já elaboraram o plano. Questionado sobre a implementação e o monitoramento dos planos municipais, o Ministério da Educação, por email, respondeu que os municípios e estados têm autonomia garantida pela Constituição Federal, portanto não cabe ao MEC tratar do assunto.
Mapeamento
Para acompanhar a elaboração e a implementação dos Planos Municipais, a Rede Nacional da Primeira Infância, que foi criada em 2007 com integrantes da sociedade civil, do governo e do setor privado e que participou da construção do Plano Nacional, trabalha para fazer um Raio-X nacional que mostre quantos municípios tem e quantos estão implementando o plano.
“Estamos ainda buscando um georeferênciamento nacional para ter essas questões respondidas de forma bem direta”, afirma a coordenadora do Grupo de Trabalho do Plano Municipal pela Primeira Infância da Rede Nacional, Ligia Cabral Barbosa.
Hoje o Brasil tem sete redes estaduais da primeira infância em Alagoas, Ceará, Bahia, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Maranhão. “No Maranhão, desde 2010, há uma força tarefa para que os municípios construam planos. Em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, as próprias crianças participaram. Na cidade do Rio Janeiro, as instituições que compõe a rede e o Conselho Municipal dos Direitos das Crianças da capital, também elaboraram as estratégias ouvindo as crianças que fazem parte de um comitê de acompanhamento dessas políticas”, relata Ana Marcílio, da ONG Avante, que compõe a rede.
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Desafios
A destinação de recursos é apontada pelos especialistas como um dos principais desafios. Ana Marcílio ressalta que o tamanho do país e a falta de recursos são dificultadores na execução da política e na sistematização de dados. “É preciso diagnóstico, metas, maneiras de mensurar metas e indicadores, é preciso que eles garantam orçamento”, frisa.
Já para a coordenadora do Grupo de Trabalho do Plano Municipal pela Primeira Infância da Rede Nacional, Ligia Cabral Barbosa, a PEC do teto de gastos é outra vilã que assombra a primeira infância. “Estamos num cenário nacional de todas as ameaças possíveis quando o governo elimina quase 98% de recursos nos investimentos da assistência. Esse congelamento faz com que os municípios se voltem para dentro de casa e tenham que costurar com as próprias linhas. Temos municípios que pararam tudo. Municípios que tem a retaguarda, como pastoral da criança, rede de organizações da sociedade civil, esses de forma coordenada se ajudam”, avalia.
Além de recursos insuficientes do Fundeb e desequilíbrio entre o que é destinado para a primeira infância e as outras fases educacionais, existe a falta de atenção adequada de acordo com Aléssio Costa, presidente da Undime.
“A primeira infância não é prioridade real no Brasil, é prioridade apenas no discurso em plataforma eleitoral”, dispara. Ainda de acordo com ele, a inércia é proposital e não há cobrança por parte do governo federal porque se os municípios apresentarem os planos, a união terá que fazer os investimentos.
Luz no fim do Túnel
A implementação do Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQI), prevista no Plano Nacional de Educação, triplicaria o investimento na educação infantil, de acordo com a Unidime e seria uma esperança, se a destinação de recursos estivesse sendo feita.
Enquanto isso, esperanças são depositadas no Projeto que cria o Orçamento Criança, na Câmara dos Deputados, desde o ano passado, que está sendo discutido na Câmara dos Deputados desde o ano passado. A proposta é que União, estados, Distrito Federal e municípios tenham em suas propostas orçamentárias anuais, e nos relatórios de execução orçamentária trimestrais, um quadro específico com valores destinados a ações e programas de atendimento à primeira infância.
O Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário deve ser responsável por sistematizar os dados anuais. A proposta está entre as prioridades para a população infantil dispostas em documento do Fundo das Nações Unidas (Unicef) enviado para os candidatos à presidência da república.
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