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“Aquilo que hoje funciona no Brasil, em termos de sistema educativo, é a lógica administrativa e burocrática. Todas as medidas que se tomam são inúteis e as leis que existem estão erradas. O Ministério da Educação só serve para consumir dinheiro” |
“Aquilo que hoje funciona no Brasil, em termos de sistema educativo, é a lógica administrativa e burocrática. Todas as medidas que se tomam são inúteis e as leis que existem estão erradas. O Ministério da Educação só serve para consumir dinheiro”| Foto:

Liberdade responsável

Autonomia e liberdade podem definir como funciona a Escola da Ponte, localizada na Vila das Aves, a 37 quilômetros da cidade de Porto, em Portugal. Há 34 a escola está instalada numa área aberta, sem salas de aulas ou turmas. Os alunos são organizados em pequenos grupos com interesse comum, escolhem seus tutores e reúnem-se com seus professores em torno de um galpão. São eles que desenvolvem seus trabalhos.

De acordo com Zé da Ponte, a liberdade responsável move a Escola da Ponte. Os pais quando decidem matricular seus filhos, assinam um contrato de responsabilidades. Podem, inclusive, participar da direção da escola. A instituição também tem autonomia financeira perante o estado, podendo contratar e demitir professores e funcionários.

Transformação na rede

Uma rede de cerca de 600 educadores brasileiros realizou seu segundo encontro nacional em Curitiba, durante a Conferência Internacional de Cidades Inova­doras. O grupo "Românticos Cons­­piradores pela Educação" existe há dois anos e surgiu da iniciativa do professor Zé da Ponte. Os "Românticos Conspi­radores" dialogam sobre as possibilidades transformadoras de educar, na linha da autonomia de aprendizagem, educação integral e democrática.

Para Zé Pacheco, estão integradas ao grupo pessoas que transformaram suas escolas mas que seus trabalhos ainda não são visíveis. "Eles trocam figurinhas pela internet e se encontram uma vez por ano. Não ficam só na teoria, estão fazendo na prática muitas coisas boas. São pessoas que enxergam e fazem a educação de um outro modo", diz.

Serviço:

Os debates dos "Românticos Conspiradores" podem ser acompanhados pela internet no endereço: http://romanticos-conspiradores.ning.com/

De jeito simples e fala mansa, o mestre em Ciências da Educação José Pacheco rompeu o modelo tradicional de educação na Escola da Ponte, há mais de 30 anos, em seu país natal, Portugal. A escola não tem salas de aulas, turmas, nem séries e o aluno decide o quê, como e com quem aprender. Zé da Ponte, como é mais conhecido, mora há dois anos no Brasil, na cidade de Nova Lima, região me­­tropolitana de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais.

Costuma dizer que vive mesmo é nas nuvens. No último ano, acumulou mais de 340 voos para visitar escolas, dar palestras e conhecer a educação brasileira. "Vim muito mais para aprender do que para ajudar", diz. No pouco tempo que está em terras brasileiras, Zé da Ponte ajudou a criar um grupo de educadores brasileiros que se intitulam "Românticos Cons­piradores da Educação". Além das milhagens acumuladas, aproveitou as viagens para es­­crever dois livros de crônicas, o Pequeno Dicionário de Absurdos em Educação, da editora Artmed, e o Pequeno Dicionário das Uto­pias da Educação, da editora Wak.

Pelo título das obras dá para perceber o que Zé da Ponte é na sua essência: um ferrenho questionador da estrutura de ensino tradicional. O mentor da Escola de Ponte acredita que o modelo atual das escolas precisa ser revisto e defende a extinção do Ministério da Educação. Zé da Ponte não concorda com as principais leis educacionais brasileiras e diz que é na própria escola que devem começar as transformações.

"Somos todos socialmente responsáveis. Deixei de estar sozinho numa sala de aula, dependendo de coordenador, diretor e ministro. Passei individualmente a ser responsável pelos atos do meu coletivo. A Escola da Ponte mostra que é possível realizar a utopia de acolher a todos e dar resposta a cada um", diz.

Zé da Ponte esteve em Curitiba para participar da Conferência Internacional de Cidades Inovadoras 2010, quando concedeu entrevista à Gazeta do Povo. Abaixo trechos da entrevista.

A Escola da Ponte quebrou com o modelo de escola que conhecemos. A ideia é acabar com as salas de aula e escolas da maneira que existem?

Este é o lado exótico, o mais visível. A Escola de Ponte não tem sala de aula, turma, ciclo, diretor, nada. Tem outras coisas que a torna uma das escolas mais estruturadas e organizadas que eu conheço. O essencial foi uma profunda renovação da cultura pessoal e profissional. Como consequência acabou com essa estrutura de turmas e salas de aulas que não servem para nada. Digo isso com todo respeito que tenho com as pessoas que trabalham desta maneira.

Isso quer dizer que o modelo de escola precisa ser repensado?

A Escola com "E" maiúsculo está condenada a desaparecer como modelo existente. Há mais de cem anos que está numa crise profunda e ninguém encontra uma solução. Essa "Escola" foi criada para suprir as necessidades sociais do século XIX. O modo como está organizada demonstra que está organizada para o insucesso, para o analfabetismo e o sofrimento. A Ponte, uma escola da rede pública estadual, mostrou que é possível ter responsabilidade perante o Estado, mas ser autônoma. Pode contratar e demitir, tem autonomia pedagógica e financeira. E esta escola que eu chamo de autônoma é assim porque não existe relação de poder hierárquico.

Essa transformação da Escola tem de partir de onde?

De cada escola. Não acredito em transformação a partir de medidas que venham de cima para baixo. Acredito no poder agregado ao local. As escolas não são iguais e por isso não há medidas políticas que possam contemplar a todas as escolas. Há muita diversidade. Sobretudo é uma mudança de cultura. Toda obra sobre a mudança da "Escola" está escrita. Falta mudar.

Você diz que encontrou muita coisa boa no Brasil relacionada à educação. O que foi?

O Brasil tem muitos bons educadores que a maioria dos brasileiros não o conhece. Cito Eurípedes Barsanulfo. Ninguém fala de Anísio Teixeira nesta terra. Inclusive pouco ou nada se faz sobre o legado de Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Lourenço Filho, Manoel Peixoto. A maioria conhece um Jean Piaget ou Lev Vygotski, dois fósseis europeus, mas não conhece o que tem aqui dentro do Brasil.

Numa entrevista a uma jornal português você defendia a extinção do Ministério da Educação em Portugal. No Brasil você acha que deve ocorrer o mesmo?

Se queremos melhorar a educação brasileira, uma das primeiras coisas a ser feita é extinguir o Ministério da Educação. Com todo respeito que merecem aqueles que estão no Ministério da Educação, que são muito válidos, inteligentes, cultos e competentes. Não se trata disso, mas de acabar de uma vez por todas com uma máquina burocrática que não serve para nada. Só serve para manter as escolas sem desenvolvimento pedagógico. Aquilo que hoje funciona no Brasil, em termos de sistema educativo, é a lógica administrativa e burocrática. Todas as medidas que se to­­mam são inúteis e as leis que existem estão erradas. O Ministério da Educação só serve para consumir dinheiro.

Faltam recursos para a educação no Brasil?

O sistema educativo brasileiro não tem falta de recursos. O Brasil desperdiça. Isso também ocorre em Portugal. Fiz parte do Con­selho Nacional de Educação de meu país. Discuti políticas educacionais com os ministros e quando me perguntavam qual a principal medida a ser adotada eu dizia: extinguir o Ministério da Educa­ção. Pode-se criar um organismo ligeiro e simples, que acompanhe as políticas locais e que fiscalize o cumprimento da Constituição, no que diz respeito às escolas. Uma instituição tão burocratizada, tão pesada, não serve para nada a não ser para desperdiçar dinheiro público.

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