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Nádia Guariza, moradora da Ceuc nos anos 1990, a atual presidente da casa, Mailane Raizer, e Solange Martins, moradora nos anos 1980. | André Rodrigues / Gazeta do Povo
Nádia Guariza, moradora da Ceuc nos anos 1990, a atual presidente da casa, Mailane Raizer, e Solange Martins, moradora nos anos 1980.| Foto: André Rodrigues / Gazeta do Povo

Panelas Embate ideológico dividia moradores em grupos e andares

Durante os anos 1960, 1970 e 1980, o forte embate ideológico fez com que moças e rapazes fossem divididos e intitulados conforme sua posição política. Na Ceuc, as moças eram sutilmente separadas entre as "perigosas", que apoiavam o comunismo e a abertura da casa aos namorados, e as "conservadoras", que se colocavam à direita do espectro político e defendiam que a casa não fosse aberta ao público. As "subversivas" até tinham um andar para si, o 2º, evitado pelas mais novas e pelas tradicionalistas.

Na CEU, segundo o professor do Colégio Militar do Paraná Paulo César Tavares, que morou na casa na década de 1980, também havia divisões: os ligados ao PC do B – também chamados de "tribuneiros" porque liam e vendiam o jornal do partido, a Tribuna Operária –, os de direita, os anarquistas, os ligados ao capelão padre Gustavo, os "poetas", entre outros. "Apesar das divisões políticas, éramos muito unidos. Não havia internet, a tevê ainda era em preto e branco e passávamos muito tempo conversando e debatendo. Foi um período muito rico e inesquecível", Lembra Tavares, que veio de Centenário do Sul para estudar na UFPR. Atualmente, Tavares é o organizador de encontros entre os ex-moradores e mantém um blog com dezenas de fotos da época. (VFP)

Mais informações

Conheça como as histórias das casas estudantis têm sido usadas em trabalhos científicos e outros registros:

>>>Um lar em terra estranha – A aventura da individualização feminina; A Casa da Estudante Universitária de Curitiba nas décadas de 50 e 60, dissertação que virou livro, de autoria da historiadora e professora da UFPR Ana Paula Vosne Martins, ex-moradora da Ceuc.

>>>A CEU, ontem e hoje, livro de autoria do historiador e professor Elson Oliveira Souza, ex-morador da CEU.

>>>Ambas as casas têm páginas na internet com informações sobre como ingressar, fotos, documentos e histórias. Acesse os sites da CEU e da Ceuc.

>>>O ex-morador da CEU Paulo César Tavares mantém um blog com fotos e informações sobre um encontro que deve ocorrer em 2014.

>>>No Facebook há um grupo destinado a reunir moradoras dos anos 80 e dos anos 90 da CEUC. Também há um grupo para as moradoras atuais

Falar dos cem anos da Universidade Federal do Paraná sem lembrar de episódios vividos por estudantes em dois prédios vizinhos à Reitoria e ao edifício da Santos Andrade é perder parte da história. Em cerca de seis décadas, a Casa do Estudante Universitário do Paraná (CEU) e a Casa da Estudante Universitária de Curitiba (Ceuc) foram o segundo lar para milhares de acadêmicos e deram espaço ao desenrolar de importantes fatos da vida estudantil da capital.

Desde suas fundações – em 1948, a CEU, e 1954, a Ceuc –, as casas foram palco de muitas discussões importantes que envolveram tanto a rotina acadêmica e a manutenção dos edifícios quanto o que ocorria na cidade e na política do país. As histórias têm sido usadas como objeto de estudos científicos e servido como roteiro para obras de literatura e ponto de partida para o relato de lembranças e memórias na internet.

Pelas casas passaram moradores que, posteriormente, virariam políticos, jornalistas, historiadores, médicos, juristas e outros personagens da vida pública de Curitiba. Entre os fatos marcantes "presenciados" pelas casas estão a luta contra a ditadura militar (1964-1985) e pela democratização, o processo de emancipação feminina, esforços por maior apoio aos estudantes carentes e pela autonomia administrativa dos alunos e debates sobre a criação de casas para ambos os sexos.

Jovens unidos contra a ditadura

Moradores de ambas as casas se engajaram na luta contra a ditadura militar. Em 1968, a Ceuc abrigou uma "subversiva", já que uma de suas habitantes, de nome Palmira Amâncio da Silva, havia caído na clandestinidade por causa de sua militância no movimento estudantil, o que era proibido, e por sua participação no Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna (SP).

De acordo com as memórias da ex-moradora Dilza Nunes Decker, ainda não publicadas, Palmira ficou alguns dias escondida em seu quarto. Quando agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) entraram na Ceuc para procurar Palmira, ela se refugiou em um dos armários do quarto 73, que estava vazio. Os policiais foram despistados, mas a colega ainda corria riscos. Para fugir da casa, a jovem se vestiu de homem e saiu de mãos dadas com outra moradora, com direito a beijo no final para enganar agentes que observavam a casa de longe. Ela entrou em uma Kombi e nunca mais foi vista.

Cerco

Arquivo / CEU

O edifício masculino também enfrentou a polícia política. Em 1968, houve o episódio conhecido como "Cerco da CEU" (foto), que ocorreu após a polícia reprimir violentamente uma manifestação no Centro Politécnico. Muitos dos que apanharam eram ceuenses e, com isso, um dos moradores resolveu protestar no centro da cidade. Próximos do prédio, os moradores atacaram a polícia, que os perseguiu até a residência. Nem o capelão da CEU, padre Gustavo, pode entrar no prédio, e só após a intervenção da Secretaria de Segurança Pública do Paraná, depois de 5 horas de cerco, é que a polícia deixou o local, para deleite dos "subversivos".

VIDA DA UNIVERSIDADE | 5:32

A historiadora Ana Paula Vosne Martins morou na CEUC nos anos 80 e, posteriormente, estudou os rituais da casa, como o processo de admissão, os trabalhos para mantê-la funcionando e a relação entre moradoras. O estudo virou o livro "Um lar em terra estranha"

VIDA NA UNIVERSIDADE | 9:00

A atual presidente da CEUC, Mailane Raizer da Cruz, relata as regras da casa em relação a visitantes e a dificuldade para elevar a participação das meninas nos "afazeres domésticos" e por mais verbas para a manutenção do edifício.

Convivência

Visita de pessoas do sexo oposto rende debates acalorados

Até hoje, uma das discussões mais calorosas envolvendo as casas diz respeito à abertura ou não de seus espaços para pessoas de fora, em especial os namorados e amigos do sexo oposto. De acordo com a historiadora Ana Paula Vosne Martins, que morou na Ceuc nos anos 1980 e escreveu um livro sobre a casa, só era possível visitar o local uma vez por ano, em alguns dias de agosto, mês de aniversário da instituição. "As moradoras precisavam passar uma imagem de decoro e respeitabilidade porque a própria sobrevivência financeira da casa dependia da imagem que ela tinha perante a sociedade de Curitiba, já que a Ceuc dependia de doações de políticos e de personalidades."

Era comum o namoro entre ceuquianas e ceuenses – como no caso da professora aposentada Solange Luzia Martins e o arquiteto Roberto Martins, que iniciaram o relacionamento antes do ingresso de cada um nas respectivas casas –, mas ficar a sós era proibido. "Se um morador recebesse uma visita do sexo feminino, ele era obrigado a deixar a porta do quarto aberta. Existiam ‘olheiros’ à espreita nessas ocasiões, mas, quando deixei a casa, essa e outras práticas já tinham passado para a história", diz Roberto, que saiu da CEU em 1982.

Anunciados

No caso das mulheres isso demorou mais e somente em 2007 houve uma mudança que, de fato, liberou a presença dos homens. De acordo com a atual presidente da Ceuc, a estudante de Engenharia Florestal Mailane Raizer da Cruz, mesmo com a liberação, cada quarto tem autonomia para decidir se namorados, pais, irmãos e amigos da colega podem dormir no espaço. Eles também precisam assinar um livro de visitas e devem ser anunciados antes de adentrar qualquer andar.

VIDA NA UNIVERSIDADE | 9:10

A historiadora Nadia Guariza morou na CEUC nos anos 90 e testemunhou o aumento da participação feminina na universidade. Ela conta as dificuldades da época e as discussões sobre pequenos detalhes, como usar cera líquida ou em pasta.

VIDA NA UNIVERSIDADE | 7:52

A professora aposentada Solange Martins morou na CEUC de 79 a 82 e foi diretora e vice-presidente da casa. Na mesma época, seu marido, Roberto Martins, morava na CEU. Ela relata o cotidiano das moradoras e os esforços para conseguir verbas

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