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Parte da equipe da ABL que, sob o comando de Evanildo Bechara (e), produziu o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp) | Marcos D´Paula/AE
Parte da equipe da ABL que, sob o comando de Evanildo Bechara (e), produziu o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Volp)| Foto: Marcos D´Paula/AE

Rio de Janeiro - Tirar o trema foi fácil, apesar de alguns gramáticos lamentarem o fim daqueles dois pontos em cima do "u". Abolir o acento em palavras como ideia também não exigiu debate. Mas o hífen foi a grande dor de cabeça da equipe de 17 pessoas, entre lexicógrafos e revisores, que, sob o comando do filólogo e gramático Evanildo Bechara, fizeram a quinta edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa. "Ah, o hífen foi o nosso pesadelo. Todo mundo ficou tonto", suspira Vânia Martins, de 58 anos, que, apesar de ter no currículo a revisão do Dicionário Houaiss, do livro de Verbos e o de Sinônimos e Antônimos da Língua Portuguesa, perdeu noites de sono pensando no bendito tracinho horizontal.

O Volp, como o vocabulário é chamado na Academia Brasileira de Letras, vai resolver aquelas dúvidas que os brasileiros carregam desde o primeiro dia da entrada em vigor do acordo ortográfico, em 1º de janeiro. "Ele está sendo visto como uma espécie de Messias", brinca Sérgio Pachá, um dos mais experientes integrantes da Comissão de Lexicografia e Lexicologia da ABL. O tão aguardado vocabulário chega às livrarias amanhã, editado pela Global. Será vendido a R$ 120. O primeiro exemplar vai ser entregue hoje, em Brasília, ao secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, para ser levado ao presidente Lula.

A empreitada desses bambas da língua portuguesa resultou num volume com 887 páginas, num total de 349.737 vocábulos. Ao contrário dos dicionários, o vocabulário não traz definições das palavras, mas a classe gramatical e a indicação de como se pronuncia. Acostumados a outras reformas ortográficas no país, os lexicógrafos da ABL discutiram à exaustão as novas regras. "Nosso mérito foi ter percorrido todas as palavras da edição anterior do Volp respeitando o espírito do acordo ortográfico", acredita Dilma Bezerra, 70 anos de vida e mais de 40 dedicados ao estudo da língua portuguesa.

Trabalho árduo

Depois de quatro meses de trabalho árduo e muita discussão, o clima agora é de alívio nas duas salas do quinto andar do prédio da ABL, onde funciona o setor de lexicografia. O trabalho em tempo recorde para fazer a quinta edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa foi exaustivo. A quarta edição foi feita em 2004 num clima de calmaria, sem a pressão de novas regras ortográficas. "Nossa equipe é pequena, mas destemida", elogia Bechara. Eles leram, releram, interpretaram e discutiram cada item do novo acordo ortográfico.

As discussões foram até o último minuto do prazo final. "Até o dia da entrega dos originais para a editora, estávamos resolvendo algumas pendências", explica Rita Moutinho, que organizou o setor de lexicografia da ABL, em 2001. As maiores discussões, registradas em atas, foram em torno do hífen. Questões do tipo: a palavra composta por verbo e qualquer outro elemento é escrita com hífen. O acordo estabelece que paraquedas é uma exceção. Mas, então, o certo é para-choque ou parachoque?

"Nós só seguimos a exceção à regra citada explicitamente. Então nossa decisão foi manter para-choque", explica Débora Restom, 42 anos, que também trabalhou no Dicionário Houaiss antes de chegar à ABL em 2002.

O acordo assinado pelos países de língua portuguesa, em 1990, foi omisso em vários casos no que se refere a este tracinho horizontal usado em palavras compostas. "Como diz o professor Bechara, nós tivemos que preencher o silêncio e tomar decisões nos casos em que o acordo não foi explícito", explica Cláudio Melo Sobrinho, 67 anos, lexicógrafo desde 1981, além de professor de Português e Latim por 20 anos, e mestre em Linguística. A preocupação agora é com possíveis críticas. Será que Portugal vai concordar com as interpretações? Será que outros estudiosos brasileiros não vão questionar determinadas decisões?

"O Volp não pode gerar críticas. Nós não maculamos o texto do acordo. Fizemos um trabalho de suplementação com base na tradição ortográfica portuguesa. Quem falar mal das nossas decisões não terá argumento técnico. Nós nos aproximamos da ortografia de 1945. Se houver crítica, ela não será verdadeira", fecha questão o filólogo Evanildo Bechara, "pai" do Volp.

Na opinião dele, desta vez, a tão sonhada unificação ortográfica dos países de língua portuguesa vai vingar. "O acordo já pegou o brasileiro de um modo geral. Até criança de 9 anos discute o fim do trema", anima-se. E quem tiver dúvidas se o correto é manda-chuva ou mandachuva, não há motivos para desespero. "Dúvidas, todos nós temos. É um estímulo ao aprendizado", ensina Bechara. O correto, como ensina o Volp, é mandachuva.

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