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O presidente Jair Bolsonaro
Jair Bolsonaro: presidente teria ficado irritado com reunião de Fachin com embaixadores estrangeiros.| Foto: Alan Santos/PR

O presidente Jair Bolsonaro (PL) quer se reunir com embaixadores estrangeiros até a semana que vem para se contrapor ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Edson Fachin, que recebeu em 31 de maio diplomatas de outros países para falar sobre o sistema brasileiro de votação eletrônica. Bolsonaro também quer expor as divergências do Planalto em relação a ações do Supremo Tribunal Federal (STF). Mas ainda não está certo se será o próprio Bolsonaro quem vai conduzir o encontro ou se isso será feito por ministros.

A ideia de Bolsonaro é convidar os mesmos representantes estrangeiros participaram da reunião com Fachin, que tratou sobre o calendário das eleições, estatísticas e voto no exterior e urnas eletrônicas. Ao todo, o presidente do TSE falou a 68 embaixadores, diplomatas e chefes de missões estrangeiras no Brasil. Entre os convidados, estiveram representantes da embaixada da União Europeia e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Na reunião com os embaixadores, Bolsonaro quer ressaltar o desejo por "eleições limpas, confiáveis e auditáveis", como ele próprio disse em reunião bilateral na Cúpula das Américas ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Além disso, Bolsonaro também quer expressar suas dúvidas e seu ponto de vista sobre o processo eleitoral.

O presidente pensa em argumentar que, ao contrário de muitos países do mundo, o Brasil é um dos poucos que ainda usa urnas eletrônicas sem a impressão do registro digital de voto para fins de auditagem. Segundo o Palácio do Planalto, apenas Brasil, Bangladesh e Butão não usam as urnas de voto impresso, embora o TSE aponte que o voto eletrônico é adotado por pelo menos 46 países, segundo o Instituto para Democracia e Assistência Eleitoral Internacional (Idea).

Também está no radar de Bolsonaro apontar que o TSE e seus ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) exorbitam suas atribuições e até interferem em outros poderes. Um exemplo de interferência que o presidente avalia citar aos embaixadores estrangeiros seria sobre a votação da PEC do Voto Impresso, quando parlamentares da base relataram pressão de magistrados para votar contra a proposta. A PEC foi derrubada no ano passado em votação na Câmara dos Deputados.

Bolsonaro também planeja informar os embaixadores sobre o que classifica como "excessos" dos ministros do STF contra o direito à liberdade de expressão e posições tidas como "parciais" dos integrantes do Supremo.

Por que Bolsonaro pode não participar da reunião com embaixadores

Devido ao possível tom mais crítico em relação ao STF e TSE e pelo risco de ampliar a tensão entre os Poderes, existe a possibilidade de a reunião com os embaixadores estrangeiros ser conduzida por ministros e não ter a participação de Bolsonaro.

Até a semana passada, a informação dentro do governo era de que a reunião com os embaixadores seria conduzida por Bolsonaro e que outros ministros só participariam da agenda. A informação no Planalto era de que ele estava indignado e pediu ao Itamaraty que o reunisse com os embaixadores para rebater Fachin e expor sua visão sobre o sistema eleitoral. Bolsonaro entende que, enquanto presidente da República, a política externa está sob a sua alçada e isso vale para reuniões com embaixadores. O entendimento político dele é de que, se Fachin recebeu diplomatas para falar sobre eleições, ele também teria tal prerrogativa.

Porém, a informação que agora circula no Planalto é de incerteza sobre a participação de Bolsonaro. Interlocutores palacianos não asseguram se ele estará presente ou se a reunião ficará a cargo de ministros. Nesse caso, a possibilidade é de que o encontro seja conduzido pelos titulares das Relações Exteriores, Carlos França; da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira; e da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres.

Alguns ministros e conselheiros de Bolsonaro – inclusive do núcleo político, que inclui sua coordenação eleitoral – tentam convencê-lo a deixar a coordenação e o diálogo com os embaixadores para os três ministros. O argumento é de que esse tipo de reunião com diplomatas é de competência do Ministério das Relações Exteriores. Além disso, o ministro da Defesa participaria por estar coordenando a participação das Forças Armadas na comissão do TSE que avalia a segurança das urnas eletrônicas. E o da Justiça porque a conversa envolveria questões com o Judiciário.

Também há o temor de que Bolsonaro exceda nas críticas a ministros do STF e do TSE aos embaixadores e não apenas amplie a tensão com o Judiciário, como também arranhe a imagem do Brasil no exterior. O país já é questionado internacionalmente sobre o desaparecimento do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira.

A ideia em escalar três ministérios também tem relação com o desaparecimento dos dois na região amazônica. As pastas estão envolvidas nas ações para encontrá-los. E a participação dos ministros na reunião com os embaixadores estrangeiros teria o intuito esclarecer os esforços do Brasil para achar o jornalista e o indigenista, bem como as ações para coibir crimes ambientais e de tráfico na região. A ideia é dar um caráter institucional à reunião, mas sem deixar de lado a posição do governo sobre defesa da democracia e por transparência nas eleições, tema que seria comentado em momento oportuno.

Reunião de Fachin com embaixadores elevou tensão com o Planalto

No encontro de Fachin com embaixadores e outros diplomatas estrangeiros, técnicos do TSE explicaram a eles os mecanismos de segurança das urnas eletrônicas. Afirmaram, por exemplo, que existem 26 oportunidades de auditoria no sistema, e fizeram uma rápida sessão de "fato ou boato" sobre a votação eletrônica.

Aos diplomatas, Fachin disse que "arremessos populistas" de líderes políticos na América Latina geram "acusações levianas de fraude" que "conduzem a semanas de instabilidade política no período pós-eleitoral". "O enredo é sempre o mesmo: buscar a conturbação e incutir a desconfiança entre os espíritos mais desavisados, para minar a legitimidade dos eleitos e da própria vida democrática. Atacar o sistema eleitoral dessa maneira é atacar a própria democracia", disse o presidente do TSE.

Fachin pediu que os diplomatas procurem informações verdadeiras sobre o sistema eleitoral brasileiro e fez críticas ao que chamou de "vírus da desinformação", que, segundo ele, atua de maneira "infundada e perversa" para denunciar riscos "inexistentes e falhas imaginárias".

A fala de Fachin gerou a reação de Bolsonaro, que no último dia 6 anunciou que convidaria embaixadores para conversar sobre as eleições e disse que o presidente do TSE deveria se considerar impedido de conduzir o processo eleitoral – na verdade, Fachin não será o presidente da Justiça Eleitoral durante as eleições (será o ministro Alexandre de Moraes).

Um dia depois, Bolsonaro voltou a criticar o presidente do TSE e disse que o ministro "estuprou" a democracia ao convidar os embaixadores. "O que ele fez essa semana que passou? A política externa é minha e do ministro [das Relações Exteriores Carlos] França. Ele convida em torno de 70 embaixadores e, de forma indireta, ataca a Presidência da República, como um homem que não respeita a Constituição, não respeita o processo eleitoral", criticou. "[Ele] conclui de forma indireta: ‘Seu chefe de Estado deve reconhecer o ganhador das eleições para que não haja qualquer questionamento junto à Justiça’. O que é isso se não um arbítrio? Um estupro à democracia?", questionou Bolsonaro.

O presidente da República voltou a criticar Fachin no domingo passado (12). Em participação por videconferência no maior evento conservador mundial, o Conservative Action Political Conference (CPAC), ele disse que o TSE não aceitou a sugestão de viabilizar um mecanismo para a contagem simultânea dos votos. "Eles não aceitaram, ou aceitaram parcialmente, a mais importante, que é a contagem simultânea dos votos", declarou. Nesta terça-feira (14), Bolsonaro voltou a criticar ministros do STF e questionou os resultados das eleições de 2014 e 2018.

A fala do presidente do domingo foi refutada por Fachin na segunda-feira (13). Segundo o ministro, a crítica é "indevida". "A alta autoridade disse que ‘a apuração simultânea de votos foi uma alternativa ‘muito importante’ que ficou de fora. Com o devido respeito, há um erro de informação", declarou. Para Fachin, quem questiona o sistema de votação "demonstra apenas motivação política ou desconhecimento técnico do assunto".

O novo comentário de Fachin, por sua vez, foi rebatido por Bolsonaro. "É indevida? Ele é o dono da verdade? Você quer que eu acredite nele? Ele quer que eu acredite nele? Foi ele quem botou o [ex-presidente] Lula para fora da cadeia, ele deveria se julgar impedido de estar à frente do processo eleitoral onde [tem] um candidato que ele tem mais que simpatia, deve favores", disse Bolsonaro.

O que explica a subida de tom de Bolsonaro contra Fachin e o TSE

Para alguns aliados da base governista no Congresso, a subida de tom de Bolsonaro contra Fachin, o TSE e o STF tem motivação política. Há quem entenda que as críticas seguem uma estratégia eleitoral do presidente, de manter o eleitorado mais fiel ativo nas redes sociais para defendê-lo. Porém, a tese de motivação política é negada por interlocutores e congressistas da base mais ideológica de Bolsonaro, que afirmam que ele, de fato, tem dúvidas em relação ao sistema eleitoral.

Mesmo eleito presidente em 2018, Bolsonaro e alguns aliados desconfiam das urnas eletrônicas. Entre eles, há a incerteza se todos os votos destinados a ele quatro anos atrás foram, de fato, contabilizados. Ou seja, para o presidente e seus aliados, era para ele ter sido eleito com mais votos do que os cerca de 57,7 milhões obtidos no segundo turno. Mesmo sem provas da suposta fraude em 2018, Bolsonaro compartilhou suas suspeitas com pessoas próximas desde sua eleição. Até hoje, ele tem o entendimento de que as urnas são passíveis de fraude, apontam aliados ideológicos do presidente.

"Será que todos os votos em 2018 foram contados? No primeiro turno ele teve 49 milhões de votos e, no segundo, mesmo com tempo mais tempo de televisão... É difícil de acreditar que ele teve menos de 10 milhões de votos a mais. O fato de ele ter ganho as eleições em 2018 não quer dizer que todos os votos dele foram contados. A gente sabe que o sistema é passível de fraude. E se alguém tiver comprometido o sistema [do TSE] de dentro?", questiona um deputado reservadamente.

Para outro deputado da base ideológica de Bolsonaro, Fachin quis desmoralizar o presidente ao receber os embaixadores no TSE. Para ele, Bolsonaro tem o direito de fazer o mesmo. "Acho importante o presidente poder falar para os embaixadores, porque o Fachin diz que o sistema é super confiável, mas a gente tem o direito de ter dúvida", diz.

A desconfiança de Bolsonaro e aliados sobre fraude nas eleições ficou ainda mais evidente após o STF anular as condenações contra Lula e devolver seus direitos políticos. A teoria propagada no governo é que os ministros vetaram o voto impresso para supostamente beneficiar a pré-candidatura petista.

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