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Fachada da sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, com a cabeça da estátua da Justiça em primeiro plano.
Fachada da sede do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.| Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Políticos e empresários que cumpriam pena por corrupção ganharam a liberdade depois que, em novembro de 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabou com a prisão após a condenação criminal em segunda instância judicial. Entre eles estão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-ministro José Dirceu (PT), o ex-diretor da Petrobras Renato Duque, além de diversos donos e executivos de empreiteiras condenados na Lava Jato.

A decisão faz parte de um pacote maior de julgamentos do STF que, a partir daquele ano, passou a reverter vários avanços obtidos no combate à corrupção implementados pela Operação Lava Jato.

Em 2019, por exemplo, a Corte mandou para a Justiça Eleitoral processos que envolviam propina caso a defesa alegasse que estavam ligados a caixa 2 de campanhas. Na mesma época, os ministros colocaram um freio no compartilhamento de dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão que capta movimentações bancárias atípicas, com o Ministério Público (MP) – que analisa os dados para apresentar denúncias.

Outros reveses viriam depois. O STF também passou a anular condenações de pessoas delatadas que não tiveram a palavra final no momento da defesa, apresentando as alegações finais no mesmo período que seus delatores. Além disso, passou a anular várias condenações ao entender que determinadas varas não tinham competência nos processos – foi o que, em 2021, levou a Corte a anular as condenações de Lula em dois casos da Lava Jato.

Fim da prisão em segunda instância aumenta descrença na Justiça

Para especialistas, o fim da prisão em segunda instância se insere nesse contexto maior, e traz consequências que dificultarão ainda mais o combate à corrupção. Também está cada vez mais distante a perspectiva de aprovação da proposta de emenda à Constituição (PEC), apresentada na Câmara em 2019, para possibilitar a execução da pena após a condenação em segundo grau.

Presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, o procurador de Justiça Roberto Livianu lembra que, entre 1941 e 2009, o entendimento predominante no Judiciário permitia a prisão em segunda instância. Somente entre 2009 e 2016, e a partir de 2019, com a nova virada jurisprudencial do STF, que ela passou a sofrer obstáculos.

“O que isso gera de concreto? Várias pesquisas mostram números ruins no que diz respeito à credibilidade do sistema de Justiça. Isso não é novo. Os números não são bons e está atrelado a várias coisas: à morosidade, a uma Justiça que tem pouca interlocução e interação com a sociedade, que ouve pouco e dialoga pouco. Essa guinada agudiza ainda mais essa situação. A sociedade já tem olhar de desconfiança, olhar desanimado em relação a Justiça”, diz Livianu.

Para ele, essa sensação aumentou após o fim da prisão em segunda instância, sobretudo diante do fato de que todo o mundo ocidental civilizado a punição vem logo após a primeira condenação ou após sua confirmação em segundo grau. A falta de uma resposta rápida da Justiça leva à crença na impunidade, o que estimula quem é corrupto a continuar cometendo o crime, por saber que dificilmente será punido, se tiver recursos para recorrer.

“Parece que o sistema não é sério, que é uma palhaçada. Para quê Justiça? Tenho certeza que situação é desestimulante para delações premiadas”, acrescenta o procurador.

Para o advogado Modesto Carvalhosa, defensor da prisão em segunda instância, a decisão de 2019 do STF beneficiou diretamente os poderosos – cujos dinheiro, obtido na própria prática criminosa, é usado para apresentar recursos infindáveis na Justiça de modo a anular o processo ou levá-lo à prescrição.

“Para o STF, não importa que os crimes estejam provados quanto aos fatos e sua autoria. O que importa é garantir a impunidade dos réus condenados que tenham poder político e capacidade financeira para levar o processo até o seu trânsito em julgado na quarta instância [o próprio Supremo]”, disse o advogado em debate sobre o tema na Câmara, em 2021. Ele diz que é um tratamento anti-isonômico, uma vez que pessoas sem dinheiro para pagar advogados nem sempre conseguem recorrer aos tribunais superiores de Brasília.

PEC que restabelece a prisão em segunda instância não avança no Congresso

Em 2019, quando pôs fim à prisão em segunda instância, o STF argumentou que eventual mudança caberia ao Legislativo. No ano seguinte, a Câmara enterrou uma proposta do ex-ministro da Justiça Sergio Moro para mudar o Código de Processo Penal e permitir a execução da pena em segundo grau. Os deputados falaram que isso só seria possível por meio de uma PEC.

A proposta de emenda constitucional foi apresentada, conseguiu as 171 assinaturas na Câmara para iniciar sua tramitação e foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa. No fim do ano passado, ela seria votada na Comissão Especial, última etapa antes de sua submissão ao plenário. Mas, de forma repentina, líderes de diversos partidos do Centrão e da esquerda trocaram deputados favoráveis por opositores no colegiado, em manobra para enterrar a proposição de imediato.

Relator da PEC na Câmara, o deputado Fábio Trad (PSD-MS) decidiu então retirá-la de pauta para evitar a derrota e o arquivamento. Desde então, sem mudança na composição, e com a prioridade dada pelos deputados para outros temas, a proposta não andou.

Com o fim da atual legislatura, em fevereiro de 2023, sua tramitação terá de recomeçar da estaca zero – será necessário novamente juntar as 171 assinaturas para que ela possa novamente passar pela CCJ e depois pela comissão especial.

Questionado sobre as chances de avanço na nova formação da Câmara, Trad diz que, se o Centrão e a esquerda continuarem fortes ou crescerem, a dificuldade será ainda maior. “Se tivermos um Centrão como hoje, que é francamente hostil, e uma esquerda que também não vê com bons olhos, sobretudo na área penal, não vai ter muita chance não”, diz.

Por outro lado, ele acredita que, se fosse eleito um presidente da República que apoiasse a medida e encampasse apoio popular em seu favor, a proposta poderia ganhar tração. “É uma proposta que agrada a opinião pública, se bem explicada. O candidato que souber argumentar, vai ganhar muito voto. Porque a população precisa saber que a PEC vai melhorar a Justiça para aqueles que mais precisam”, diz.

A PEC atualmente em tramitação permitiria não apenas a prisão em segunda instância, mas também a execução de decisões judiciais civis e trabalhistas de segunda instância. “Aposentados que ingressam contra INSS vão receber antes. Trabalhadores que ingressam na Justiça do Trabalho vão ganhar celeridade. E famílias de vítimas de crimes vão ganhar evitando o retardamento de penas”, diz o deputado.

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