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reforma política
Cerimônia de posse dos deputados federais da 56ª legislatura, em 2019| Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Em 2017 e 2021, uma cena se repetiu no Congresso nacional: depois de meses de discussão sobre a necessidade de uma reforma política que alterasse o sistema de votação no Brasil, os parlamentares resolveram preservar o status quo, aprovando emendas à Constituição com mudanças meramente superficiais nas regras eleitorais do país. Por duas vezes, os congressistas perderam a oportunidade de corrigir distorções graves no modelo das eleições para o Legislativo.

Uma reforma política verdadeira – e não cosmética, como as de 2017 e 2021 – é urgente para o Brasil. O modelo proporcional, tal como foi concebido para as eleições nacionais, tem seus méritos, ao procurar refletir com uma certa precisão a distribuição de preferências partidárias que se encontra em uma unidade da federação. No entanto, ele gera importantes distorções na configuração dos próprios partidos, na escolha pelos partidos de seus candidatos e na relação entre eleitor e seus representantes, que tende a ser muito distante.

O defeito mais unanimemente reconhecido desse modelo é também bastante relevante – ainda que não seja propriamente o mais importante – na medida em que simboliza e resume as outras disfuncionalidades: o fenômeno dos “puxadores de votos”, candidatos que recebem votações muito expressivas e acabam trazendo para as casas legislativas alguns colegas de partido com baixo número de eleitores. O problema era especialmente agudo quando se permitia a coligação de partidos, de tal forma que um “puxador de voto” de determinado partido também carregava para a Câmara dos Deputados candidatos de outros partidos, integrantes da mesma coligação, sem que o eleitor tivesse a menor ideia de quem seu voto estava ajudando a eleger. A Emenda Constitucional n. 97/2017 extinguiu esse modelo nas eleições proporcionais. O problema, no entanto, continua o mesmo, apenas levemente diminuído nesse particular: o arrastão de outros candidatos, frequentemente inexpressivos, acontece apenas dentro do próprio partido.

Em um país onde a grande maioria dos partidos agrega filiados mais por conveniência política que por convicção ideológica, o sistema proporcional acaba sendo em boa medida um instrumento de deturpação da vontade popular. Celebridades e candidatos com maior potencial de obtenção de votos são disputados pelas siglas sem qualquer preocupação com uma plataforma de ideias. A popularidade de algumas pessoas é instrumentalizada para preservar grupos políticos que contam com pouco apoio do eleitorado, o que acaba favorecendo os caciques partidários e famílias de longa tradição eleitoral.

A essência, no entanto, da debilidade do modelo é a distância entre eleitor e candidatos. Como a circunscrição, para a eleição da Câmara dos Deputados, é cada estado da federação; como os estados no Brasil têm muitas vezes dimensões territoriais equivalentes à de países inteiros; como em cada circunscrição se escolhem deputados para todas as vagas do estado, o que leva cada partido a apresentar uma infinidade de candidatos, que têm de ser apresentados para uma população importante, dispersa por um território igualmente significativo; em razão de todos esses motivos, não há a menor possibilidade de os cidadãos se conectarem com seus candidatos de maneira minimamente efetiva.

Nos últimos tempos, alguns parlamentares têm defendido a substituição do sistema proporcional pela criação do “distritão”, modelo pelo qual são eleitos os candidatos que forem mais votados, independentemente do partido a que pertençam. Segundo os defensores desse sistema, ele garantiria uma representação mais fiel da vontade do eleitor, já que os candidatos com mais votos se elegeriam.

Mas a realidade é mais complexa: o distritão tende a favorecer o personalismo nas candidaturas, a aumentar os gastos das campanhas e a privilegiar os candidatos com mais recursos financeiros e mais conhecidos do eleitor por outros motivos que não os políticos, como o fato de serem esportistas, artistas, jornalistas, etc. Seria, portanto, um antídoto com efeitos colaterais potencialmente piores do que os problemas que ele poderia resolver.

Para amenizar as distorções criadas pelo sistema proporcional, uma solução efetiva seria a adoção do voto distrital misto.

Para compreender melhor esse modelo, pensemos primeiro no voto distrital puro. Na eleição com o modelo puro, o estado ou município é dividido em distritos, dentro dos quais somente um candidato de cada partido disputa a cadeira em questão. Seu maior mérito é aproximar os eleitores de cada distrito do parlamentar que os representa, facilitando a cobrança e a fiscalização daquele que foi escolhido nas urnas e favorecendo a representatividade de todas as áreas geográficas. Ele também corrige em tese um desequilíbrio grave do atual sistema: hoje, os candidatos com maior poder financeiro largam com grande vantagem na corrida eleitoral por expandirem com maior facilidade o alcance geográfico de suas campanhas. O voto distrital diminuiria esse problema, já que o foco das campanhas seria uma comunidade geográfica bem mais reduzida.

Mas um sistema com voto distrital puro, em que todas as cadeiras do Legislativo fossem disputadas dessa forma, criaria uma distorção muito significativa na representatividade. Poderia haver, por exemplo, o risco de sub-representação de partidos que conseguem fatia significativa do eleitorado, mas não são capazes de vencer nos distritos.

O voto puramente distrital também poderia acabar eliminando candidatos representantes de determinados grupos sociais ou causas. Esses candidatos nem sempre têm número suficiente dentro de um distrito para se eleger, porque a adesão a determinadas bandeiras pode ser relativamente grande, mas diluída geograficamente. É preciso garantir a presença deles nas casas legislativas.

No voto distrital misto, em que uma parte das cadeiras é preenchida como descrito acima para o modelo distrital puro e outra parte é preenchida por um modelo semelhante ao modelo proporcional, abre-se espaço para a eleição de candidatos ligados mais a causas que a regiões geográficas. Ele permite a representação de grupos de eleitores que, apesar de espalhados geograficamente, estão unidos por afinidade de ideias. Esse modelo não seria a solução definitiva para os problemas de representatividade e de gastos exorbitantes com campanhas, mas corrigiria ao menos em boa parte as distorções do sistema proporcional, sem deixar de lado seus pontos positivos.

Nos próximos anos, é quase inevitável que novas propostas de reforma política e de mudanças no sistema eleitoral sejam discutidas no Congresso. Por isso, as visões dos candidatos de 2022 ao Legislativo sobre esse tema não podem ser ignoradas pelo eleitor.

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