A campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vai intensificar a defesa da política de restrição às armas no Brasil em discursos públicos e na propaganda eleitoral no rádio e na TV.
A estratégia ocorre em meio à decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que recentemente suspendeu decretos do governo Bolsonaro que facilitam a aquisição de armas e munições pelo cidadão comum. Um dos pontos a ser explorado pela campanha de petista é o de que as alterações na legislação feitas por Bolsonaro via decreto são ilegais.
No último dia 5, Lula afirmou que “não haverá decreto de armas” caso seja eleito presidente da República em outubro. “Não acredito que alguém queira uma arma para o bem. Tenho 76 anos e nunca tive interesse em ter uma arma, tenho fé em Deus e no meu comportamento”, disse o petista durante agenda eleitoral no ABC Paulista, em São Paulo.
A estratégia de falar contra a liberação das armas seguirá na linha das apresentações de propostas voltadas para a segurança pública. Até o momento, o candidato do PT já sinalizou que pretende recriar o ministério da segurança pública e adotar um Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), que tem como propósito integrar as forças policiais dos Estados com as da União.
Lula vai propor nova campanha de desarmamento
Recentemente, durante reunião com governadores aliados, Lula sinalizou que, se eleito, pretende fazer uma campanha do desarmamento como a realizada em seu primeiro mandato. Em 2003, o petista conseguiu aprovar no Congresso Nacional o chamado Estatuto do Desarmamento. O projeto definiu regras mais restritivas para a compra e o porte de armas no país, bem como penas mais duras para o porte ilegal e a posse de armas não registradas.
Entre as novas regras, o estatuto estabelecia que o comprador comprovasse curso e necessidade de uso de arma de fogo. Paralelamente, Lula fez uma campanha nacional de desarmamento que recompensava as pessoas que entregassem suas armas, com ou sem registro, para os órgãos de segurança pública. Os valores recebidos variavam de R$ 150 a R$ 450, dependendo do tipo de arma.
Em 2014, já durante o governo de Dilma Rousseff, a Secretaria Nacional de Segurança Pública informou que havia recebido quase 650 mil armas de fogo. Se eleito, Lula indicou que pretende retomar a campanha nos mesmos moldes adotados em governos petistas.
Ex-presidente manteve restrições a armas após referendo de 2005
Em outubro de 2005, o Brasil realizou um referendo para consultar a população sobre a proibição do comércio de armas de fogo e munição, um dos trechos abordados no estatuto. A consulta aos brasileiros já estava prevista durante a aprovação do Estatuto do Desarmamento pelo Congresso.
A pergunta feita, na época, foi: O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil? As alternativas eram "não" (contra a proibição) e "sim" (a favor da proibição). O eleitor do "não" digitou o número 1, e o eleitor do "sim", o número 2.
Na ocasião, a maioria dos eleitores (63,68%) se manifestou contra o artigo 35 do Estatuto do Desarmamento, que proibia a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, exceto para Forças Armadas, polícias e empresas de segurança privada.
O "não" venceu em todos os estados e teve a maior vantagem em relação ao "sim" no Rio Grande do Sul. No entanto, mesmo com a população tendo se manifestado contra a proibição da comercialização, o estatuto se manteve com maiores restrições à aquisição de armas de fogo.
De acordo com o ex-ministro Aloizio Mercadante, responsável pela elaboração do plano de governo de Lula, o foco da retomada do estatuto será na restrição ao porte de armas.
"Foi uma recomendação de todas as organizações policiais que estavam [presentes na reunião] que o problema é o porte. Foi um grande marco do Estatuto do Desarmamento. Tinha um movimento contra a venda de armas, tinha gente que queria liberar porte e posse, e foi uma decisão soberana do povo: é permitido o registro [da arma], em condições, e é vedado o porte a não ser sobre regras muito severas. É isso que eles estão defendendo que volte", disse Mercadante.
Campanha de Lula diz que armas legais abastecem crime organizado
Cumprindo uma promessa de campanha, Bolsonaro editou nos últimos anos diversos decretos que flexibilizaram as regras para compra de armas no Brasil. Além disso, lançou uma portaria por meio do Ministério da Justiça que ampliava o número de munições que os atiradores podiam adquirir por mês. Atualmente, essas flexibilizações estão suspensas pela decisão do ministro Edson Fachin.
Mas a campanha de Lula alega que a facilidade para se obter armas no Brasil acaba abastecendo o crime organizado. Como exemplo disso, cita o caso de um membro de facção criminosa que conseguiu tirar um certificado de registro de CAC (caçador, atirador e colecionador) no Exército. O caso se tornou público em julho depois que a Polícia Federal aprendeu um arsenal durante uma operação em Uberaba, em Minas Gerais.
Para conseguir o registro legal, o suspeito apresentou a certidão criminal negativa de antecedentes de segunda instância, onde não havia histórico de condenações. A legislação, porém, exige a de primeira instância, onde o suspeito já possuía um histórico de 16 condenações em processos penais.
Em nota, o Exército afirmou que não havia impedimento para aprovar o certificado de registro do CAC. "Toda a documentação requerida para a entrada do processo foi verificada. Assim, seguindo o princípio da legalidade, as informações prestadas acerca da idoneidade e da documentação referente aos antecedentes criminais são de responsabilidade do interessado", informou o Exército.
Recentemente, Lula usou o episódio para criticar os decretos de flexibilização do presidente Bolsonaro. "Antigamente, comprar uma arma era muito difícil. Então os bandidos roubavam da polícia, matavam para roubar arma. Quem está comprando armas deve ser o PCC, deve ser o Comando Vermelho, devem ser as pessoas que querem arma”, disse o petista.
Se reeleito, Bolsonaro promete resolver decretos sobre armas
Em reação à decisão de Fachin, o presidente Jair Bolsonaro prometeu, se reeleito, resolver a situação sobre os decretos de flexibilização das armas. "Acabando as eleições, eu sendo reeleito, a gente resolve esse e outros problemas. Pode ter certeza disso. Uma caneta mal utilizada para corrupção mata muito mais gente do que uma escopeta", disse Bolsonaro em entrevista à Jovem Pan.
O número de pessoas com licenças para armas de fogo cresceu 473% no governo Bolsonaro, segundo Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Passou de 117 mil, em 2018, para 673 mil em junho deste ano. O Brasil conta hoje com mais de 2,8 milhões de armas registradas.
Para defender a flexibilização das regras, o presidente Bolsonaro costuma afirmar que os números de homicídios caíram desde que assumiu o governo. Divulgado em fevereiro deste ano, o balanço do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que os casos de assassinatos recuaram 7% em 2021.
Em todo o ano passado, foram registradas 41,1 mil mortes violentas intencionais no país – 3 mil a menos que em 2020. Trata-se do menor número de toda a série histórica do balanço, que coleta os dados desde 2007.
"Antes, o criminoso escolhia a casa em que iria entrar. Agora, ele vai pensar 200 vezes, até porque essa ou aquela pessoa pode estar armada. A arma de fogo representa a sua defesa, da sua família e também do próprio Estado. Eu sempre digo: 'povo armado jamais será escravizado'", afirmou Bolsonaro em entrevista recente à rádio Guaíba.
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