A discussão não é nova, e deve ser retomada no próximo mandato presidencial. As prometidas reformas de Estado, principalmente a tributária e a administrativa, podem começar a sair do papel após três décadas de promessas eleitorais. Pelo menos é esse o compromisso dos principais candidatos que concorrem à Presidência da República neste ano.
Em praticamente todos os programas de governo há propostas de se simplificar os impostos e melhorar a administração pública os serviços prestados à população. Candidatos a presidente também têm enfatizado a em entrevistas a necessidade de ajustes para conseguir governar.
Entre todas as propostas e declarações já concedidas pelos candidatos sobre as reformas administrativa e tributárias, as do presidente Jair Bolsonaro (PL) são as mais avançadas – já começaram no atual mandato. Embora não se fale exatamente nos termos “reforma tributária” e “reforma administrativa”, seu programa de governo diz que reduções e simplificações de tributos vêm sendo implantadas e que pretende, entre outras medidas, corrigir a tabela do Imposto de Renda para pessoas físicas em 31%.
No campo administrativo, o plano de governo de Bolsonaro também prioriza “a modernização dos processos de governança da condução da política econômica, alinhando o país às melhores práticas internacionais”, mas sem especificar como fará isso.
“De certa forma, o Brasil já teve uma reforma silenciosa no serviço público [durante o governo Bolsonaro], com a implantação do EGov e do aplicativo Caixa Tem, em que os próprios cidadãos resolvem demandas sem precisar necessariamente de um servidor”, diz Mário Sérgio Lepre, mestre em ciência política e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também diz que pretende fazer as reformas necessárias, mas com um "debate para saber se é isso que a sociedade quer". A afirmação foi dada durante a sabatina da Fiesp, na qual reforçou a necessidade de “taxar a parte mais rica da sociedade, taxar menos a produtividade e taxar mais patrimônio”.
O petista também disse, em entrevista à rádio Super de Belo Horizonte na quarta-feira (17), que vai corrigir a tabela do Imposto de Renda e simplificar a tributação, mas que ainda vai desenhar uma proposta.
Lula enfatiza ainda a necessidade de promover uma reforma na administração do Estado, mas sem aprofundar exatamente o que pretende fazer. Em seu plano de governo, cita que será para trazer “mais transparência aos processos decisórios, no trato da coisa pública de modo geral, direcionando a esfera pública e a ação governamental para as entregas públicas que realizem os direitos constitucionais”.
Ciro Gomes (PDT) defende uma reforma tributária que taxe grandes fortunas e lucros e dividendos, gerando uma receita de R$ 140 bilhões para bancar alguns dos programas assistencialistas como o de renda mínima. A alíquota do imposto sobre grandes fortunas ficaria entre de 0,5% a 1,5%. Segundo ele, a ideia seria, por outro lado, reduzir impostos para os brasileiros mais pobres e também daqueles que incidem sobre o consumo.
O pedetista também vem citando em entrevistas a necessidade de se fazer uma reforma administrativa, mas sem detalhar o que exatamente será alterado na estrutura da gestão governamental. Em sabatina à Fiesp em julho, ele disse que é preciso “promover a reforma administrativa, avaliar os elementos de rigidez orçamentária e revisar os regimes tributários especiais existentes” para melhorar o ambiente macroeconômico de negócios no país.
No plano de governo, ele explica que devem ser implantadas iniciativas de ampla desburocratização e digitalização dos serviços do governo federal, aberturas de bancos de dados e uma modificação nos processos seletivos para a contratação pública, com uma seleção baseada em competências para a ocupação de cargos e funções de liderança “até o nível equivalente ao de Diretor (antigo DAS 101.5)”. Também propõe uma “Lei de Qualidade do Gasto” para a estruturação do orçamento ao redor de programas e projetos e o estabelecimento de um novo modelo de planejamento orçamentário, focado na qualidade do gasto público e na transparência.
Já Simone Tebet (MDB) prometeu seguir adiante com a reforma tributária que tramita no Senado desde 2020. O projeto pretende criar o Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) e um Fundo Nacional de Compensação para compensar a perda de arrecadação que estados e municípios podem ter com a desoneração de ICMS e ISS, respectivamente, dos bens e serviços.
Ela também afirma que fará uma “reforma do Estado brasileiro”, promovendo uma melhoria significativa na qualidade do serviço e produtos oferecidos aos cidadãos “por meio da adoção de metas e indicadores integrados e transparentes”. Isso, segundo a candidata, vai tornar o Estado mais eficiente, ágil, produtivo e amigável para o cidadão, com objetivo de ampliar e melhorar a oferta de serviços públicos.
Em entrevista ao Flow Podcast na última quinta (18), ela afirmou ainda que a reforma administrativa a se fazer é a que for possível, mas que a ideia é acabar com os supersalários sem atingir o servidor. “O servidor só tem que ser avaliado periodicamente para ver se é pontual, assíduo, não falta serviço, é esforçado. Ele está desatualizado? Vamos colocar ele no curso, vamos atualizar esse servidor”, disse.
Dias antes, ao canal My News, Simone Tebet disse que a Constituição já tem dispositivos que tratam da estabilidade do funcionalismo público, que é o que a atual reforma administrativa em tramitação no Congresso pretende mexer. “Precisa regulamentar”, resumiu.
Reformas tributária e administrativas podem sair do papel, dizem especialistas
A discussão sobre as reformas tributária e administrativa não é nova e vai exigir do próximo presidente um poder de articulação que vai além apenas da bancada governista no Congresso. Em ambas as reformas, há interesses divergentes de estados, municípios, setores da sociedade produtiva e funcionalismo público. Mas analistas ouvidos pela Gazeta do Povo afirmam acreditar que elas podem sair do papel.
Rafael Cortez, especialista em política econômica e doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP), diz que, após tantos anos de divergências, parece estar surgindo uma consciência geral de que é preciso avançar na discussão para não tornar o país ingovernável.
“Me parece que há uma conjuntura para o próximo mandato que, potencialmente, pode engendrar um ambiente para mudanças nesses dois campos. Nestes anos de uma estrutura tributária complexa e caótica, tem se gerado maiores evidências não só no setor público, mas também no mundo privado, da necessidade de se atacar alguns pontos principalmente no campo tributário. Há uma janela de oportunidade para esse tema ser retomado com alguma chance de sucesso”, diz o especialista.
As reformas tributária e administrativa são duas discussões que, segundo ele, vão afetar diretamente o bolso dos mais vulneráveis, por atingir diretamente as muitas variáveis que provocam a inflação e a dificuldade de tornar a máquina administrativa pública mais eficiente. É toda uma engrenagem que, no fim das contas, acaba custando caro tanto para os empresários como para a sociedade.
“É uma dissonância entre aqueles que seriam beneficiados e os que perderiam alguma coisa com as reformas. Todo mundo sabe que do jeito que está, não está bom”, afirma Mário Sérgio Lepre, mestre em ciência política e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Rafael Cortez explica ainda que é preciso se fazer uma ampla discussão para implementar as reformas estruturais necessárias, pois vai além de apenas conciliar diferentes interesses. “É uma agenda que mexe no coração do pacto federativo, que é inclusive uma cláusula pétrea da Constituição. O balanceamento é muito delicado, e tem que começar com um gesto do Executivo que queira organizar a base de apoio para criar incentivos para essas mudanças”, completa.
A atual gestão de Jair Bolsonaro tem três propostas tramitando no Congresso desde 2020: duas na Câmara dos Deputados, para reformar a tributação e a administração pública, e uma no Senado, também relativa aos impostos.
Antes, Michel Temer (MDB) deixou o Palácio do Planalto com a conclusão de apenas uma reforma, a trabalhista, e uma proposta de reforma previdenciária que não seguiu adiante.
Já Dilma Rousseff (PT) começou a implantar uma reforma tributária fatiada, com a aprovação do Supersimples para os pequenos empresários, e uma administrativa com revisão na quantidade de ministérios, secretarias, cargos em comissão, gastos de custeio e contratação de serviços terceirizados.
E Luiz Inácio Lula da Silva (PT) terminou o mandato com uma proposta de reforma da previdência e uma reforma do judiciário, tentando implantar um controle externo.
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