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A guerra jurídica entre candidatos adversários no processo eleitoral faz parte da tradição do jogo eleitoral brasileiro desde a redemocratização do país que estabeleceu o direito ao voto popular para a escolha de cargos majoritários como prefeito e presidente. No entanto, a judicialização excessiva resulta em casos de censura à imprensa nas eleições de 2024, em Curitiba, e na tentativa de cerceamento aos dados das pesquisas eleitorais.
A escalada da judicialização é proporcional ao acirramento da disputa entre os candidatos Eduardo Pimentel (PSD) e Cristina Graeml (PMB), concorrentes ao cargo de prefeito que será definido nas urnas no próximo domingo (27). A Gazeta do Povo procurou as campanhas dos dois candidatos para manifestações sobre o uso dos recursos jurídicos na tentativa de impedir o acesso do eleitor às informações.
A advogada eleitoral Tainara Laber, que atende a campanha do PMB em Curitiba, discorda que a retirada de conteúdos determinada pela Justiça durante a campanha seja classificada como censura. "Poucos casos foram retirados através de deferimento de liminares em mais de 150 ações, portanto, está muito longe de censura. Pelo contrário, na minha opinião, a Justiça Eleitoral deveria ter agido de modo a deferir algumas liminares", respondeu. A campanha de Pimentel não se posicionou até a publicação desta reportagem.
Na reta final do primeiro turno, a coligação do vice-prefeito conseguiu a retirada de conteúdo do jornal Plural sobre as denúncias de servidores municipais que teriam sido coagidos a comprar convites para um jantar de arrecadação do PSD, partido presidido no Paraná pelo governador Ratinho Junior. A censura foi revertida no recurso ao Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR).
Na sabatina promovida pela Gazeta do Povo, o vice-prefeito respondeu que foi um "fato isolado" e que o servidor comissionado acabou sendo exonerado pela atitude de coação "por livre e espontânea vontade". Além disso, a coligação de Pimentel entrou na Justiça para impedir a divulgação de seis pesquisas eleitorais às vésperas do primeiro turno, quando os institutos de pesquisas capturaram a ascensão de Graeml no eleitorado.
“Importante frisar que as impugnações às pesquisas eleitorais não devem ser utilizadas apenas como forma de impedir a divulgação de resultados que os candidatos julguem capazes de impactar negativamente em sua campanha”, afirmou a desembargadora eleitoral Cláudia Cristofani na decisão do TRE-PR, que derrubou a liminar que impedia a divulgação da pesquisa Quaest no dia 5 de outubro, véspera da votação no primeiro turno.
A campanha de Graeml também acionou a Justiça Eleitoral contra as pesquisas, que não citavam o nome da candidata do “nanico” PMB no início da campanha na capital paranaense, mas o recurso jurídico passou a ser utilizado pela chapa no segundo turno, assim como os pedidos para retirada de conteúdos de portais de notícias.
Segundo levantamento feito pela Gazeta do Povo em parceria com o presidente do Instituto Paranaense de Direito Eleitoral (Iprade), Paulo Henrique Golambiuk, a chapa de Graeml ajuizou 40 ações durante o segundo turno até quarta-feira (23), sendo 12 pedidos de impugnação de pesquisas e 17 denúncias de propaganda irregular por supostas “informações inverídicas”.
No mesmo período, a coligação do vice-prefeito teve 33 ações ajuizadas, sendo sete pedidos de suspensão de pesquisas eleitorais e 14 por denúncias de “informações inverídicas”. Nesses casos, os conteúdos da propaganda eleitoral dos adversários ainda são os principais alvos dos pedidos, no entanto, a legislação também passou a ser usada na tentativa de censura de conteúdos jornalísticos.
“Houve uma mudança importante na resolução sobre desinformação, que é o termo dado para embarcar notícias inverídicas, mas também algumas notícias descontextualizadas, para propiciar um ambiente no qual seja possível eliminar um conteúdo flagrantemente inverídico, especialmente quando se atenta contra a integridade do próprio sistema eleitoral. A inserção da norma nova veio pelo próprio TSE [Tribunal Superior Eleitoral] com base nas eleições de 2022, quando teve a inserção do termo gravemente descontextualizado”, explica Golambiuk.
À época, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) foi acusado pela oposição de atacar a credibilidade do sistema eleitoral brasileiro e o TSE reagiu com as mudanças normativas no processo eleitoral. “Essa inserção tem a ver com notícias ou pretensas notícias que, por exemplo, ataquem a segurança das urnas eletrônicas ou uma suposta conspiração em uma sala secreta do TSE para decidir o próximo presidente da República. Foi feito com base nisso, como uma autoproteção das instituições, do Judiciário e dos seus membros e não para temas corriqueiros do discurso político”, esclarece o presidente do Iprade.
No segundo turno das eleições em Curitiba, uma liminar do juiz eleitoral Irineu Stein Junior atendeu o pedido da campanha do PMB e determinou a remoção da reportagem do portal Banda B intitulada “Passagem de ônibus pode chegar a 23 reais com proposta de Cristina Graeml, aponta estudo”. O tema entrou em debate após Pimentel acusar a adversária de planejar a cobrança proporcional por distância percorrida pelos usuários do transporte coletivo em Curitiba, o que prejudicaria os moradores da periferia da capital. A candidata alega que a possibilidade pode ser estudada e debatida pela população antes da implementação, se for eleita.
A chapa de Graeml também pediu à Justiça a retirada de conteúdos sobre os processos contra o candidato a vice-prefeito Jairo Filho, que confirmou à Gazeta do Povo que responde a dois processos na esfera cível. Além da Banda B, a candidata entrou com ações na Justiça Eleitoral contra os veículos de comunicação RICtv, Plural, Folha de Minas, Brasil de Fato e Portal Paraná News.
Os pedidos que podem caracterizar censura à imprensa foram indeferidos pelos juízes eleitorais em primeira instância. “O que vale é o que a lei eleitoral já dizia, se o fato é sabidamente inverídico ou não”, esclarece Golambiuk.
Durante a sabatina da Gazeta do Povo no segundo turno, Graeml respondeu que Jairo Filho é "vítima de um processo de calúnia, difamação e desumanização", que pode resultar em processos de indenização. "Estão dizendo que ele é estelionatário e que ele deu golpe financeiro. Isso são crimes, tipificados no Código Penal e ele responde a ações cíveis", defendeu a candidata, que classificou como "estranha" a abertura de um dos processos contra o candidato a vice às vésperas do início da campanha. "Quem espalhou esse tipo de notícia vai ser devidamente processado. O que ele está fazendo agora é pedir direito de resposta", completou ao comentar a tentativa de retirada do ar dos conteúdos.
Procurado pela Gazeta do Povo, o TRE-PR informou que não possui um sistema de estatística para comparativo das demandas judiciais entre os pleitos eleitorais. Neste ano, o TRE-PR promove o "Pacto Eleições 2024 no caminho da paz", que foi assinado no último dia 10 pelos candidatos concorrentes no segundo turno em Curitiba.
O documento busca garantir eleições seguras, sem desinformação ou violência de qualquer natureza, além de incentivar a cultura da paz, do diálogo e do respeito no debate político, inclusive na internet e nas redes sociais.
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Tentativa de criminalização de institutos de pesquisas tem efeito na judicialização das eleições
Nas últimas eleições brasileiras, os institutos de pesquisas tiveram os resultados questionados por parte da população e a credibilidade dos levantamentos eleitorais foi criticada por políticos e militantes, dependendo do resultado.
Segundo o presidente do Iprade, Paulo Henrique Golambiuk, houve uma tentativa de criminalização dos institutos de pesquisa e dos estatísticos que assinam os levantamentos de intenções de voto, o que impacta na demanda de processos apreciados pela Justiça Eleitoral.
“Toda e qualquer pesquisa registrada é questionada. Na dúvida, é melhor impugnar, essa é a perspectiva da maioria das candidaturas que visa impedir a divulgação de um resultado desfavorável. Mesmo os institutos que eram considerados acima de qualquer dúvida quanto à idoneidade começam a ser impugnados”, avalia o advogado.
Após a impugnação da pesquisa na véspera do primeiro turno, a AtlasIntel se manifestou contra “as tentativas de censura dos resultados” dos institutos em Curitiba pela coligação de Eduardo Pimentel. Em nota, a AtlasIntel classificou a multa arbitrada pela Justiça como abusiva e criticou o “comportamento antidemocrático” durante o processo eleitoral na capital do Paraná.
“Depois do plenário do TRE-PR ter indeferido a impugnação da nossa pesquisa, um juiz atropela todos os prazos de defesa, não envia as devidas notificações, habilita advogados sem qualquer relação com a causa e aplica multas abusivas para forçar a suspensão da divulgação da pesquisa Atlas. Entendemos que todos os institutos de pesquisa estão nesta mesma situação. Denunciamos o comportamento antidemocrático, o abuso de poder e o desrespeito aos eleitores e a nossa instituição”, declarou o instituto de pesquisa.
Na avaliação de Bruno Morassutti, diretor da agência de dados independente Fiquem Sabendo, especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI), é preciso separar o “joio do trigo” para garantir a publicação dos dados estatísticos colhidos com responsabilidade de maneira científica e manter a fiscalização de levantamentos que não atendem a legislação eleitoral.
“Existem resultados de pesquisas fraudulentas que induzem, de certa forma, o leitor a erro. Nesses casos, as medidas judiciais são necessárias. Agora, os institutos que realizam as pesquisas de forma correta, com profissional responsável, número de registro da pesquisa, divulgando a metodologia de acordo com a legislação, esses precisam ser protegidos, pois fazem um trabalho essencial”, analisa.
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Censura afronta Constituição e aumenta interesse público por conteúdo, diz ANJ
No primeiro turno, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) se posicionou sobre a ameaça contra a liberdade de imprensa nas eleições em Curitiba após a liminar do juiz eleitoral Marcelo Mazzali, que determinou a remoção de notícias sobre a suspeita de assédio eleitoral de servidores na prefeitura em favor da candidatura do vice-prefeito Eduardo Pimentel (PSD).
“A ANJ observa que a censura não é admitida pela Constituição brasileira e espera a revisão da decisão para que informações de caráter jornalístico possam voltar a circular em um ambiente de liberdade, como deve ser o caso em uma democracia”, disse a entidade em nota.
Procurado pela Gazeta do Povo, o presidente-executivo da ANJ, Marcelo Rech, reforçou que as decisões judiciais pela censura de notícias violam a plena liberdade para o exercício da imprensa. “Via de regra, os pedidos e a eventual censura só fazem aguçar o interesse público pelo conteúdo proibido quando ele é liberado por instâncias superiores”, comentou Rech, ao lembrar do efeito Streisand, que significa a consequência não intencional de divulgação da informação censurada de forma mais ampla com o aumento da procura de informações sobre o tema pelo público.
O presidente do Iprade, Paulo Henrique Golambiuk, também avalia que a tendência é de reversão no TSE das decisões de tribunais regionais, que acolhem pedidos de retirada de conteúdos jornalísticos ou mesmo das campanhas dos candidatos. “No Tribunal Superior, a jurisprudência é no sentido de liberar e propiciar o livre debate de ideias e pensamentos políticos”, analisa.
O diretor da agência Fiquem Sabendo Bruno Morassutti afirma que existem outros meios para a contestação dos candidatos por conteúdos publicados, o que não justifica a censura aos materiais divulgados durante a campanha eleitoral. “A gente reconhece que é possível dentro dos limites do que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) admite a responsabilização posterior em casos que houver excessos”, pondera.
No entanto, Morassutti destaca que o trabalho da imprensa é fundamental para a transparência do processo eleitoral e para o conhecimento do público sobre os candidatos. “Sendo a reportagem da imprensa profissional, qualificada, é totalmente descabida a responsabilização tanto do veículo quanto do jornalista. Quem se coloca na função pública ou está concorrendo ao cargo público está sujeito ao escrutínio da imprensa. A população tem muito mais interesse em acompanhar informações a respeito do candidato, o que ele faz, como se comporta publicamente e qual o histórico dele”, ressalta.
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