A descoberta de jazidas de petróleo nos países vizinhos Guiana e Suriname desencadeou uma corrida pelo "ouro negro" no litoral norte do Brasil. A disputa, no entanto, não é entre empresas petroleiras. A queda de braço ocorre entre o setor petroleiro e ambientalistas, e divide até mesmo o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O motivo é a relativa proximidade da Floresta Amazônica e da foz do Rio Amazonas.
O trecho que vai do Rio Grande do Norte ao Amapá é chamado de Margem Equatorial brasileira e, por ser uma continuação da costa da Guiana e do Suriname, suas bacias têm características geológicas semelhantes. Nesses dois países foram descobertas reservas de petróleo estimadas em 13 bilhões de barris.
As estimativas mais conservadoras do Ministério de Minas e Energia (MME) são de que o lado brasileiro tenha aproximadamente 10 bilhões de barris recuperáveis comercialmente. O economista Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e um dos principais consultores do setor, também trabalha com esse número.
O MME, porém, acredita que a Margem Equatorial brasileira possa ter tanto petróleo quanto Guiana e Suriname, ou até mais, ultrapassando assim a casa dos 13 bilhões de barris.
O volume total de petróleo que pode estar nas águas profundas tende a ser muito maior. Segundo a CBIE, pode chegar a 30 bilhões de barris. Entretanto, o que vale para o setor são os barris "recuperáveis", aqueles considerados comercialmente viáveis.
O volume de 10 bilhões de barris recuperáveis considerado nas contas do MME e do CBIE é muito próximo das reservas provadas do pré-sal – de 11,5 bilhões de barris, segundo os dados mais recentes da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), referentes ao fim de 2022. Não por acaso, a Margem Equatorial é tratada como um "novo pré-sal" – não pela localização das jazidas, mas pelo tamanho potencial.
Na soma de todas as províncias petrolíferas, incluindo aí o "pós-sal", o Brasil tem hoje quase 15 bilhões de barris em reservas provadas. Em pouco mais de oito décadas de produção, o Brasil já extraiu do subsolo cerca de 23 bilhões de barris de petróleo.
Novo Eldorado ou risco para o meio ambiente?
Quem enxerga a área como um novo Eldorado a considera talvez a última grande janela de oportunidade para produzir petróleo em grande quantidade e desfrutar dessa riqueza antes de um possível declínio da demanda em meio à transição energética. É vista, ainda, como uma chance de geração de renda e desenvolvimento social.
Ambientalistas, por outro lado, defendem que o ritmo dessa corrida precisa ser guiado pelo zelo socioambiental. Para eles, ainda não estão claros os riscos de um vazamento de petróleo e os impactos no entorno. A Floresta Amazônica é o maior bioma brasileiro e concentra de espécies únicas a ameaçadas de extinção, como boto-cinza e peixe-boi-marinho, além de populações de quilombolas, ribeirinhos e povos indígenas.
O cerne da discussão atualmente está no bloco “FZA-M-59”, adquirido ainda em 2013 pela Petrobras na 11.ª Rodada de Licitações da ANP. Ele fica na bacia da Foz do Amazonas, uma das cinco bacias da Margem Equatorial – as outras são Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar.
Dona da concessão, a Petrobras pediu ao Ibama licença ambiental para perfurar um poço e averiguar potencial e viabilidade comercial do petróleo ali. Por enquanto, o pedido foi negado.
Se confirmada presença relevante de óleo, a estatal prevê a perfuração total de 16 poços na região e investimento de US$ 3 bilhões nos próximos cinco anos. O montante é quase metade (49%) de todos os investimentos exploratórios plenajados pela estatal para o período. Ou seja: grande parte do esforço para a futura produção de petróleo da companhia se concentra na Margem Equatorial.
De acordo com o MME, a região tem hoje 41 blocos com contratos de concessão vigentes para exploração e produção de petróleo e gás natural. Há, ainda, 81 blocos exploratórios em oferta, também em regime de concessão, no edital de oferta permanente.
Outras petroleiras arremataram concessões na região na rodada de 2013, mas a dificuldade em obter as licenças ambientais as levaram a desistir ou suspender projetos. Segundo ANP, hoje existem apenas campos de pequena produção, em águas rasas, na Margem Equatorial, todos localizados na bacia Potiguar. Ainda não houve nenhuma descoberta parecida com as de Guiana e Suriname ou mesmo da margem oeste da África, que tem semelhanças geológicas.
Ibama diz que estudos da Petrobras têm "inconsistências técnicas"; especialista vê radicalismo
Segundo o Ibama, os estudos apresentados até agora pela Petrobras para o bloco FZA-M-59 não conseguiram captar e mensurar todo o bioma e os possíveis impactos da sondagem. Com isso, o Ibama – vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, de Marina Silva – negou o pedido de licença em “função do conjunto de inconsistências técnicas” nos estudos apresentados pela petrolífera. A Petrobras recorreu e aguarda nova decisão.
Para Adriano Pires, impedir a exploração é uma decisão radical e que desconsidera o impacto social na região. Na opinião dele, deve-se trocar o "ou" pelo "e".
“Não precisa ser a preocupação ambiental ou a exploração. Não são incompatíveis. Pode-se fazer os dois. O Brasil tem adotado uma postura muito polarizada. O próprio dinheiro dos royalties pode ser usado em parte para fazer uma política ambiental mais robusta”, argumenta o economista.
“Aquela região [próxima da margem equatorial] é a mais pobre do país. Não faz sentido deixar de aproveitar isso. As pessoas têm que ter menos ideologia e mais racionalidade. O Brasil ainda não está em condições, principalmente no Arco Norte, de abrir mão de riqueza”, prossegue.
O Ministério de Minas e Energia calcula que a produção de petróleo na Margem Equatorial pode gerar arrecadação estatal na casa dos US$ 200 bilhões, considerando a produção total de 10 bilhões de barris de petróleo.
A leitura do presidente da consultoria Aurum Energia, José Mauro Coelho, corrobora a ideia de desenvolvimento social e de renda no entorno. Segundo ele, do ponto de vista técnico, os riscos de vazamento são os mesmo que poderiam ocorrer em qualquer outro ponto de exploração do país – onde, sublinha, são raros.
“Há estudos sobre a Foz do Amazonas que mostram que, mesmo se tivesse risco de vazamento, ele não iria para a costa. Seria disperso para o mar. Do ponto de vista técnico, entendemos que não faz sentido não permitir a exploração ali. E acredito que desenvolveria a renda na região”, argumenta Coelho, que já presidiu a Petrobras.
Petrobras descarta risco à costa brasileira e diz que seu plano é robusto
A Petrobras sustenta que a atividade de perfuração exploratória em alto mar será realizada a mais de 500 quilômetros da foz do Rio Amazonas e em uma profundidade de mais de 2,8 mil metros. A empresa sustenta que na área próxima não há nenhum registro de unidades de conservação ou terras indígenas, nem tempouco rios, lagos, várzeas ou sistema de recifes.
Para o Ibama porém, as informações são insuficientes. Segundo o presidente do órgão, Rodrigo Agostinho, os estudos apresentados pela estatal não consideram que o óleo chegaria à costa num eventual vazamento.
“[O óleo] iria para o mar do Caribe [segundo os estudos apresentados pela Petrobras]. Mas já houve ocorrências naquele cenário em que o mar devolveu para a costa, e os técnicos têm que trabalhar com todos os cenários”, disse Agostinho durante audiência na Comissão de Infraestrutura (CI) do Senado para debater o assunto. “A Petrobras tem condições de entregar estudos mais sólidos”, completou.
A equipe técnica do Ibama alegou que a petrolífera não apresentou uma Avaliação Ambiental de Area Sedimentar (AAAS). Este instrumento é mais amplo e mapeia não apenas o bloco em questão, mas as áreas ao redor aptas e não aptas para exploração, assim como uma abrangência maior do impacto ambiental. O estudo não é obrigatório, mas a falta dele está sendo a principal barreira para a emissão da licença.
Em resposta à afirmação do presidente do Ibama, a Petrobras disse à Gazeta do Povo que foram realizadas duas modelagens, em 2015 e em 2022, e que “os resultados indicam que não há probabilidade de toque na costa brasileira, e é remotíssima a probabilidade que atinja a costa de outros países, mesmo no pior cenário de um acidente".
A estatal afirmou, ainda, que ambas as modelagens foram aprovadas pelo Ibama e um parecer técnico do órgão também validou que o plano da empresa para resposta à emergência é robusto e cumpre os requisitos técnicos.
Segundo a Petrobras, além de ações constantes de proteção e monitoramento, no caso de acidente a companhia tem estrutura para atender com agilidade à costa e à fauna. “Todos os estudos elaborados no processo de licenciamento ambiental são conduzidos seguindo melhores práticas internacionais”, disse a estatal.
Mercado pressiona, AGU faz comitê e Lula já decidiu que, se houver petróleo, vai explorar
Em meio às rusgas dentro do governo, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, vem defendendo o Ibama e diz que explorar ou não a Margem Equatorial se trata de uma decisão técnica. O presidente Lula, no entanto, afirmou pode intervir no impasse.
“O Brasil não vai deixar de pesquisar a Margem Equatorial. Se encontrar a riqueza que pressupõe-se que exista lá, aí é uma decisão de Estado se você vai explorar ou não”, disse o executivo na cúpula do G20, na Índia.
Enquanto isso, a Advocacia Geral da União (AGU) criou um comitê para unir todas as partes envolvidas na discussão e tentar encontrar uma solução.
“A expectativa é de que participem da mediação todas as partes interessadas, como Ibama, Petrobras e ministérios de Minas e Energia e Meio Ambiente e Mudança do Clima", informou a AGU em nota, acrescentando: "No momento não é possível fornecer detalhes sobre as conversas, que não têm prazo para serem concluídas, para não prejudicar as tratativas".
Todavia, há uma grande pressão para acelerar o desfecho, ou melhor, a liberação da licença ambiental. O que agilizaria investimentos, a eventual descoberta de petróleo e, claro, o esperado retorno econômico.
Mesmo sem a licença ambiental na Foz do Amazonas, o governo federal já incluiu o empreendimento no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Ao menos 47 projetos serão tocados pela Petrobras na Margem Equatorial e, destes, 19 estão localizados na área que inclui a foz do Rio Amazonas.
Margem Equatorial pode dar sobrevida ao petróleo no Brasil e financiar a transição energética
O petróleo não vai acabar amanhã, mas também não vai durar para sempre. A Petrobras já afirmou que vê potencial para continuar produzindo o óleo por três ou quatro décadas.
A previsão do Ministério de Minas e Energia é que em 2029 o Brasil atinja o pico de produção no pré-sal, com uma fase de declínio da produção em seguida. O país começou a extrair óleo dessa camada em 2008 e hoje ela responde por 78% da produção brasileira e por mais de um terço de todo o petróleo extraído na América Latina, segundo a Petrobras.
A questão é que as áreas ainda não contratadas do pré-sal apresentam alto risco geológico e pequeno potencial para novas descobertas de volumes expressivos. Daí a pressa por explorar a Margem Equatorial. A eventual descoberta de uma grande jazida a tornaria de fato uma nova fronteira energética.
“O desenvolvimento de novas fronteiras exploratórias, como a Margem Equatorial brasileira, é importante para a manutenção das reservas, do patamar de produção de petróleo e gás natural, para a segurança energética e para economia do país, uma vez que petróleo ainda será a principal força motriz das economias globais por um período considerável. Caso o Brasil não desenvolva o potencial petrolífero, outros o farão para atender à demanda estabelecida”, argumenta o Ministério de Minas e Energia.
Por que buscar mais petróleo em meio à transição energética?
Um questionamento que vem sendo levantando é: por que Petrobras e governo querem explorar mais petróleo se ambos vêm reafirmado e anunciado investimentos em energia eólica e outros projetos para impulsionar a descarbonização e o uso de combustíveis sustentáveis?
Segundo a Petrobras, o petróleo da Margem Equatorial também vai ser usado para financiar a própria transição energética e suas tecnologias de descarbonização. De acordo com a empresa, mesmo em cenários de transição energética acelerada, a demanda de petróleo para o Brasil e região é crescente e a matéria-prima é usada em diversas indústrias como alimentícia, cosméticos, tintas e petroquímica.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse em entrevista ao Canal Livre, da TV Band, que o petróleo está "com os dias contados" ao defender a transição energética, e pontuou que o "novo petróleo" pode ser bem útil.
“Temos que parar de consumir petróleo não pela falta de petróleo. Temos que ter até o momento que não precise mais dele. Temos que correr com a outra agenda [energia limpa], sem perder de vista que nós podemos precisar do petróleo da Margem Equatorial com as cautelas que o meio ambiente deve impor”, disse Haddad.
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