O "breve século 20" expressão consagrada por Eric Hobsbawm não começa em 1901. Nem termina no ano 2000. Ele começa, de fato, em 1914, na eclosão da Primeira Guerra Mundial. Ela se encarregará de assinalar o declínio da civilização ocidental tal como ficou conhecida no século 19: capitalista, liberal e burguesa; crente no progresso técnico e científico; convicta da Europa como o centro da civilização. E o século termina em 1991, com o desmoronamento do socialismo real no Leste Europeu. Finda a alternativa real ao capitalismo, o mundo torna-se unidade operacional única. É inaugurado o novo século, sob a égide da globalização.
Em geral, descreve-se esse século 20 como o mais terrível, um século de guerras e massacres; uns sublinham o vertiginoso crescimento demográfico (especialmente nos países subdesenvolvidos), fonte de inúmeros cataclismos; outros, mais otimistas, enaltecem o espetacular desenvolvimento científico; ou pode-se pensá-lo como o determinante do fim das utopias.
De fato, sobre todo o século pairou o espectro da guerra. A primeira metade do século 20 foi uma "Era de Catástrofes": duas guerras mundiais e, entre elas, uma crise econômica de impacto global sem precedentes e a ascensão dos totalitarismos. A maior das catástrofes talvez seja, para além do Holocausto, a própria banalização do mal, como apontado pela alemã Hannah Arendt. A novidade assustadora os campos de concentração eram fábricas de extermínio que exterminaram milhões de vidas de maneira burocrática e tecnificada. A "solução final" não foi resultado de um planejamento político sistêmico, mas foi engendrada cotidianamente no interior da sociedade moderna burocrática de massas, em uma sucessão de acontecimentos corriqueiros e automatizados. O oficial alemão Adolf Eichmann, julgado culpado por sua responsabilidade pelas mortes de judeus exemplifica a temível banalidade do mal: um burocrata medíocre e subalterno, para quem a ordem e a obediência converteram-se em ferramentas do crime. Era um homem comum. Hoje seria confundido, na multidão, com um cidadão de bem.
Se, entre outras, a função do historiador é relembrar o que a maioria esquece, é válido pensar o século 20 desde sua assombrosa novidade. Se se faz história do ponto de vista do presente, é importante refletir sobre a banalidade do mal, a experiência totalitária, os campos de concentração, o estado de exceção.
Eles não foram defenestrados. Ao contrário, vivemos em uma sociedade de controle. A individualidade do ser é constantemente violentada.
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