
Década de 1950, Curitiba. Na esquina da Rua Ébano Pereira com a Rua XV, um grupo de amigos se reunia quase diariamente. Formavam uma "boca", num tempo em que esse termo não era identificado com a marginalidade e o crime. Eram rapazes de bem. Tinham em média 30 anos e falavam de mulher, futebol e política, como todo grupo de amigos. Moças não entravam no clube e quando passavam por lá eram cantadas pelos rapazes, os "malditos". Surgia uma das mais tradicionais instituições curitibanas: a Boca Maldita.
Fundada oficialmente em 1956, com o primeiro dos mais de 50 jantares de fim de ano realizados até hoje, a sociedade civil Boca Maldita teve em Francisco Cunha Pereira Filho um de seus primeiros e mais distintos integrantes conhecidos como Cavalheiros da Boca Maldita. "É impossível dissociar a Boca Maldita e o doutor Francisco. Ele sempre esteve presente. Não faltava aos nossos jantares", conta o atual presidente, Ygor Siqueira, filho do fundador e eterno presidente, Anfrísio Siqueira.
A principal função da Boca era e ainda é discutir a realidade, os problemas de Curitiba e do Brasil. "A Boca era um território livre para o exercício do papel crítico da sociedade", lembra o advogado René Ariel Dotti, também um dos Cavalheiros pioneiros. "E o doutor Francisco Cunha Pereira Filho sempre levou a ordem a sério, dando a ela muito prestígio, por meio da RPC", completa.
O grupo ganhou notoriedade a partir do final de década de 1960, quando defendia a liberdade em tempos de ditadura militar. Um exemplo disso ocorreu em 1968, no dia 13 de dezembro (mesmo dia em que, todos os anos, ocorrem os jantares da Boca), quando foi baixado o Ato Institucional n.º 5, o AI-5. "Naquele dia, os militares tentaram acabar com o jantar da Boca, mas não conseguiram", conta Ygor. Em 1971, com base na crítica ferrenha, a Boca Maldita ajudou a derrubar o governador Haroldo Leon Peres, indicado pelo general-presidente Médici. Em 1984, apoiou o primeiro comício a favor das eleições diretas para presidente. "Nossa ideologia era a liberdade de crítica", comenta Dotti.
Mas nem só de momentos "sérios" vive a Boca. Ygor Siqueira lembra da Banda Polaca, organizada por integrantes da Boca, em meados da década de 1970. "O doutor Francisco era um dos que apoiava a ideia. Ele achava o máximo", conta Ygor. A Banda Polaca foi uma iniciativa contestada, mas divertida da Boca para contrapor o carnaval carioca. Contestada e divertida também é a posição da ordem de não deixar mulher entrar em suas rodas. "Chegou-se a propor a criação de uma delegacia de proteção ao homem", fala Dotti.
Entre tantos momentos polêmicos e alegres, a Boca hoje vive um dia triste, com a perda de seu Cavalheiro Francisco. "O doutor Francisco faz muita falta", diz Ygor. "Ele é insubstituível", comenta Dotti.
Ilustres e nem tanto
Ao lado de nomes como o do diretor-presidente da RPC, Francisco Cunha Pereira Filho, outras personalidades brasileiras já receberam o grau de Cavalheiro da Ordem da Boca Maldita. Entre elas, o atual Ministro da Defesa, Nelson Jobim, o presidente do Senado José Sarney Filho e o empresário Antônio Ermírio de Moraes. Por outro lado, figura no rol de cavalheiros gente contestada, como o ex-presidente Fernando Collor de Mello o título foi concedido antes dos escândalos que o tiraram da presidência.




