
Nos idos de 1973, uma parcela de curitibanos estufava o peito para dizer que morava na Cidade Industrial, a CIC, ou "o CIC", então o mais novo bairro saído das pranchetas do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc). O logradouro era uma espécie de promessa de revolução proletária. Próximo do Portão, Capão Raso, Novo Mundo e Pinheirinho regiões com tradição em abrigar vilas operárias , a nova planta surgia com ares de prosperidade.
Ali poderiam se abrigar os curitibanos recém-chegados, livrando a capital de um medo que a assombrava desde meados da década de 1950 a favelização, vingada então em áreas como Capanema, Parolin de Baixo e fundos do Santa Quitéria, ou "Inferninho". Além do mais, os "novos curitibanos" não eram poucos. Vinham do Norte, expulsos das lavouras de café, principalmente a partir de 1975, e precisavam habitar como gente.
A capital só fez crescer 68% apenas naquela década. A CIC, claro, pagou a conta: teve de abrigar os conjuntinhos dos sonhos de casa própria, e também as favelas, os loteamentos clandestinos, as fábricas e tudo mais. Em quase 40 anos, os entusiastas que ali chegaram se viram atropelados pelo crescimento que ultrapassava 5% ao ano, varrendo muitos capões bonitos. Viraram cinzentos entornos de fábricas, sem infraestrutura que chegasse e sem uma via de porte que lhe desse algum respiro e importância. Junto do isolamento cresceu a violência. Um alvoroço mas só para quem morava lá.
Para agravar, a CIC permaneceu invisível para a Curitiba que vive bem e tem serviços na própria quadra. E ser invisível se tornou parte de sua tragédia. Extenso, diverso e com crescimento acelerado, o bairro é quase uma abstração, não havendo similares na cidade. Não há como associá-lo com vizinhos, a exemplo do que se faz com a Boa Vista e o Santa Cândida. Não tem um marco seja uma praça, uma igreja ou uma via que o identifique, fazendo por ela o que a Rápida e a República Argentina fizeram pelos bairros com os quais a CIC a princípio queria se parecer. Espera-se pela Conectora 5. No dia em que sair dos planos, quem sabe.
Não bastasse, com a CIC se deu o contrário do que aconteceu nos anos 1990 com outra abstração o Bairro Novo. Propagandas na tevê, nos outdoors, e o entusiasmo do então prefeito Rafael Greca criaram uma imagem positiva da antiga plantação de grama transformada em zona de moradia.
A Cidade Industrial continuou sendo falada com tintas no noticiário policial, aumentando seu estigma além de distante, violenta. "A população se acostumou com isso e com todos os outros problemas. Questão de sobrevivência", pondera o engenheiro florestal Fernando Guedes, secretário municipal de Relações com a Comunidade.
"É um bairro fabricado, sem uma estrutural, a exemplo dos outros bairros. Talvez a CIC se pareça com o Cajuru, mas não muito", avalia o arquiteto e urbanista Reginaldo Reinert, assessor de Planejamento do Ippuc, na busca de alguma imagem e semelhança para a região. Ambos cresceram de forma desenfreada. Ambos não têm cara própria. Por enquanto, é problema sem saída.
Região cresce abaixo da média da cidade
De acordo com o arquiteto Reginaldo Reinert, na gestão do ex-prefeito Cassio Taniguchi pensava-se em "dar um banho de loja na CIC", criando praças e reduzindo a cara de zona industrial mal planejada. Mas o projeto não foi adiante. O Ippuc já aventou a possibilidade de reduzir a CIC de tamanho, evitando que um coordenador de regional tenha de cruzar 15 quilômetros para resolver um problema. "Mas, por ora, o que se pode fazer é manutenção do que já existe", acrescenta o arquiteto, admitindo uma brincadeira: um lugar assim é um presente ou uma tormenta para os urbanistas. Talvez a segunda opção.
Mas sem pânico. De acordo com Reinert, a "compressão" da CIC tende a diminuir. A regional que a abriga é a sexto em ritmo de crescimento. O bairro, em si, move-se na casa do 1,3% ao ano, abaixo da média da cidade. E há a ascensão da classe C, majoritária na região. No momento ela cuida de sua casa colocando tevês e estofados. A depender dos modelos urbanos em que se espelhar daqui em diante, pode se incomodar com o que vê da porta para fora e desejar mudar de cara. Arrisca, um dia, a CIC trocar até de nome. Seu espelho, então, pode ser a zona industrial de Joinville. Na melhor das hipóteses.




