Experiência
"Não há perdedores ou vencedores"
O psicólogo Edson Januário Neves é um experiente mediador de conflitos. Já trabalhou com o juizado especial de Curitiba e passou por poucas e boas para conseguir mostrar que uma desavença pode ser resolvida com a vitória de todos os lados. Hoje, ele trabalha com a Fundação de Ação Social, principalmente em divergências familiares, e no Sindicato da Habitação e Condomínios do Paraná. Fundador do Instituto de Mediação e Arbitragem de Curitiba, desde 1997 atua na área.
Segundo ele, o trabalho difere da atuação de um advogado ou juiz. "Na mediação, ambas as partes podem sair satisfeitas", conta.
"O maior problema é cultural. As pessoas estão configuradas para a briga e às vezes não compreendem que podem ganhar sem o outro perder", explica.
Em uma de suas mediações, uma idosa pediu na Justiça para receber dos filhos uma pensão. Na petição, a advogada teria indicado com detalhes a suposta negligência da família com a mãe. "Eles queriam até agredir a defensora pública. No final, resolveram sentar e conversar. Facilitei o diálogo. A mãe, na verdade, não queria pagamento. Ela queria é o reconhecimento dos filhos. No fim, todos se abraçaram e choraram", conta Neves.
Resultados
Minas tem programa semelhante
Um projeto em Minas Gerais conseguiu montar 11 núcleos com delegados conciliadores: oito em Belo Horizonte (BH) e três na região metropolitana. Implantado em 2007, o programa já tem resultados visíveis, de acordo com a coordenadora do Projeto Mediar, da Polícia Civil mineira, Letícia Gamboge. "A gente tem percebido uma queda grande de crimes de pequeno potencial ofensivo e em tentativas de homicídios", afirma.
Para suprir a necessidade de profissionais capacitados, a Academia da Polícia Civil mineira incluiu em sua grade curricular a matéria de mediação de conflitos. "Os policiais não aceitaram bem no começo, mas foi promovida uma mudança cultural com oficinas de sensibilização", conta a delegada. A ideia agora é expandir os núcleos para o interior e ampliá-los na região de BH.
O Projeto de Lei n.º 1.028/2011, em análise na Comissão de Segurança Pública da Câmara Federal, tem a pretensão de ser um marco no país na aproximação da polícia com a comunidade. A proposta concede a atribuição de mediador de conflitos, uma espécie de conciliador, ao delegado de polícia. Carregada de polêmica mesmo antes de ir à votação, a nova função pode conter a abertura de ações contra crimes de menor potencial ofensivo, como brigas e ameaças, que abarrotam as mesas das delegacias e dos juizados especiais. Mas tende a aumentar a sobrecarga de trabalho dos policiais.Segundo o relator do projeto, deputado federal Fernando Francischini (PSDB-PR), a ideia é colocar o delegado como uma figura que antecipe a solução do problema, para evitar que um pequeno conflito vire uma ação criminal ou um termo circunstanciado procedimento para crimes com pena máxima de dois anos. "Às vezes demora meses ou anos para ocorrer uma audiência no juizado", afirma Francischini, ex-secretário municipal Antidrogas de Curitiba. De acordo com ele, e com a própria Polícia Civil do Paraná, os pequenos delitos representam a maioria dos casos registrados no estado e no país. São problemas que poderiam não ter virado caso de polícia.
Se houver uma briga de vizinhos, por exemplo, um policial poderá ir até o local fazer o atendimento. Lá, terá a possibilidade de realizar um pré-termo circunstanciado um documento de fé pública , registrando o episódio, de acordo com Francischini.
Esse documento seria levado para a delegacia, evitando que os envolvidos precisassem se deslocar até a repartição. O caso seria analisado pelo delegado, que chamaria as partes para resolverem o conflito. A conciliação só começaria se todos os envolvidos concordassem com a intermediação do profissional. Resolvido o caso, o acordo seria validado após parecer do Ministério Público e homologação do juizado especial.
Polêmica
A Associação dos Magistrados do Paraná posiciona-se contra o projeto. O presidente da entidade, Gil Guerra, argumenta que a proposta apenas criará mais uma instância para resolver questões da alçada do juizado especial. "A polícia não tem estrutura nem para investigar. Além disso, esse projeto tem um aspecto inconstitucional", explica. Segundo Guerra, toda questão de conflito deve ser resolvida pelo Judiciário.
Para o psicólogo Edson Januário Neves, mediador de conflitos em Curitiba, o delegado não é a pessoa mais adequada para atuar na mediação: ele acredita que as pessoas enxergam esse profissional como alguém que pune e não que pode conciliá-los. "O delegado é uma autoridade do estado. Ele jamais será imparcial. As pessoas não abrirão os casos para eles", avalia. No dia 9 de novembro, a Comissão deve votar o relatório final do projeto, que seguirá para a Comissão de Constituição e Justiça e a votação em plenário.
Iniciativa auxilia na prevenção de crimes
O coordenador do Centro de Estudos da Violência da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pedro Bodê, vê no projeto de lei uma boa possibilidade de aproximar o delegado de polícia da comunidade e prevenir que pequenos delitos se transformem em crimes. A ideia é que o mediador possa intervir antes que ameaças e brigas cresçam e virem tentativas de homicídios, lesões corporais graves ou até assassinatos. "É uma saída boa, desde que todos os envolvidos não tenham seu direito à defesa cerceado", avalia.
Outra ressalva é sobre o efetivo da polícia. Segundo Bodê, qualquer medida nova terá de ser acompanhada por investimentos em estrutura. "Só faz sentido se criar condições para que o projeto seja efetivo. Se não, será mais uma sobrecarga para o delegado", explica.
O delegado-geral da Polícia Civil, Marcus Vinicius Michelotto, também aprova a iniciativa. "A polícia sempre foi o primeiro conciliador. Já chegamos a ser advertidos pela Justiça (por promover mediações informalmente), mas esse projeto vai aliviar o trabalho de todos", diz. A Associação Paranaense dos Juízes Federais também considera que toda medida que desburocratize a conciliação é bem-vinda. "Vamos suprimir o aumento da demanda de procedimentos e audiências, que demoram muito", afirma o presidente da entidade, Anderson Furlan.
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