
Quem nuca perdeu o botão de uma camisa ou estrebuchou um zíper de calça? Quando isso acontece, lá fica a roupa abandonada, escondida no fundo do armário, esperando a hora da reparação. E isso é bem simples de ser feito: um botão ou um zíper novo, agulha e linha. Os mais básicos dos produtos de um armarinho.
Confira algumas fotos dos armarinhos de Curitiba
O nome já indica uma certa afetividade. É no diminutivo, tal qual se chamam os amigos íntimos e namorados. É um "pequeno armário", onde se guardam as coisas que não podem classificar, mas que sempre são necessários. Exatamente aquelas coisas que só se buscam quando se perdem; que só se sente a falta quando não se tem. Como um botão, um zíper, agulha e linha.
Em Curitiba quem perder um botão de camisa pode achar outro idêntico ao perdido em um giro pelas lojinhas de armarinhos das ruas do Centro. Além de devolver a vida à roupa desfigurada, poderá conhecer mais um pouco sobre esses pequenos microcosmos feitos de aviamentos.
Território
Os armarinhos estão espalhados pela cidade. Bem espalhados. Cobrem quase todos os bairros. Mas no Centro, especialmente colocados em volta da Praça Generoso Marques ou nas ruas entre as praças Osório e Rui Barbosa, fazem maior volume. Há para todos os gostos. Uns mais modernos, iluminados, com corredores espaçosos em que os clientes podem até compram via internet; outros mais reservados, um pouco escuros, redutos da tradição caótica dos armarinhos das décadas passadas.
Um deles está plantado a poucos metros da Boca Maldita. Basta atravessar a Praça Osório e seguir pela Rua Voluntários da Pátria para se achar a loja. Mas é preciso prestar atenção para não passar direto por ela. Não há letreiros pomposos, nem vitrines. É a loja de Victor e Bela Hertz.
Victor conta a história da loja com poucas palavras, enquanto continua a cuidar do caixa. Os clientes são poucos no horário do almoço, mas se multiplicam às dezenas em certos dias, tornando impossível caminhar entre os corredores estreitos. Para facilitar o atendimento e evitar mal entendidos a loja só atende por senha. Cada cliente ao chegar retira um número rabiscado com caneta num pedaço de papel cartão e espera ser chamado por alguma das vendedoras que se espremem nos balcões e corredores. Nem o próprio dono, que cuida do negócio há 33 anos, sabe o número de mercadorias que tem. "Ah, deve ter uns dez mil itens", diz, meio por acaso.
A clientela básica são costureiras, alfaiates, tricoteiras, todos que vivem das agulhas e linhas. Além das miudezas comuns aos demais armarinhos, na loja de Victor há máquinas que facilitam o trabalho, fazendo coisas que antes só podiam ser feitas à mão, como encapar botões com tecido colorido.
A Rua Emiliano Perneta é outro reduto das artes artesanais. Outro casal e sua loja -Humano e Len Hao Fon Switta tocam o negócio. Vindos de Moçambique, ainda falam um português carregado, apesar dos 36 anos de Brasil. "A gente não tinha conhecimento sobre armarinhos. Em Moçambique não tem muitos e são bem menores", explica Len Hao.
Não foi esse o primeiro negócio do casal. Ao chegar ao país eles abriram uma lanchonete na Praça Carlos Gomes. Depois de 16 anos resolveram mudar. Não que o negócio não estivesse prosperando. Era apenas a idade chegando. O trabalho exigia muito do corpo. Quando alguém pergunta de quem foi a ideia de trocar a chapa e as panelas pelas linhas e fios, Humano, hoje com 76 anos, indica a mulher. "Isso saiu daquela cabeça ai", conta rindo. Ela, mais séria, explica que o mais difícil do negócio é controlar o estoque e as vendas. Tudo chega em pacotes com dúzias e centenas e é preciso dividir os produtos em porções menores. Ela também não tem ideia de quantos itens tem na loja. "Uns 20 mil", arrisca.
É ela quem compra os produtos, buscando os lançamentos do mercado. Toda semana há coisa nova disponível. É preciso estar sempre atualizado. Mas Len Hao não usa os produtos que vende. Ela confessa que até gostaria de costurar "só por diversão", mas não consegue. Não há tempo para isso. É preciso continuar a vender botões e zíperes para os outros.



