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Cenas da noite no Guadalupe: depois da missa do padre Reginaldo tudo muda | Marcos Vinícius
Cenas da noite no Guadalupe: depois da missa do padre Reginaldo tudo muda| Foto: Marcos Vinícius

São 23h18 de uma sexta-feira. Ouço o convite: Sexo? Vamos?

Faz parte. É da noite.

Este é o primeiro sinal de que o Terminal Guadalupe, no centro de Curitiba, está prestes a entrar num ritmo diferente daquele a que os curitibanos estão acostumados durante o dia, quando 70 mil pessoas passam por ali para utilizar as 48 linhas que servem bairros da capital e cidades da Região Metropolitana, além dos madrugueiros.

Plantado em uma das áreas mais degradadas da capital, o Terminal Guadalupe existe desde 1956 e, até 1972, serviu como rodoviária de Curitiba, quando essa função foi transferida para o atual prédio da Rodoferroviária. Hoje, o terminal é ponto de partida para a Região Metropolitana e conta com comércio popular de alimentos, comida, bebida e, principalmente, salões que compram cabelo. Um dos principais atrativos em redor é a Paróquia Nossa Senhora de Guadalupe – onde, desde 2006, acontecem as famosas missas do padre Reginaldo Manzotti.

À noite, o cenário muda. Depois das 23 horas, em dias da semana como as sextas, chegam os primeiros baladeiros. Ao mesmo tempo, saem os últimos ônibus em direção aos bairros. Depois da meia-noite, o fluxo cai drasticamente, o terminal se transforma. Entre os luminosos painéis com a inscrição "Urbs Informa", brotam as histórias da madrugada.

Eduardo ficará no Terminal Guadalupe até uma da manhã. Perdeu o último ônibus para Pinhais porque foi "fumar um verde" depois do trabalho e o amigo, gordinho, não conseguiu correr o bastante para alcançar a condução. Perguntou-me se eu queria ir até lá.

- Não, não! Minha missão é aqui mesmo. Obrigado.

Então tá.

Embarcou. Chegará em casa, "lá depois da segunda ponte, na baixada", às 2h30. Precisa acordar às 6 horas para ir à escola – num sábado.

Marcos e Davi têm outras coincidências além dos nomes bíblicos: os dois fazem parte da equipe de funcionários que a Urbs mantém no Terminal durante a noite. Ao todo, seis funcionários – contando o do banheiro, que fica aberto 24 horas –, atendem a centenas de passageiros e trabalham na limpeza e conservação dos 7,5 mil m2 do local. Às sete da manhã, os dois largam o batente. Um vai para o bairro Sítio Cercado e o outro segue rumo a Piraquara.

À meia-noite e dez, pontualmente, pode-se partilhar um café na sala reservada à equipe. Um atrasado, em companhia da namorada, entra e descobre que o último horário da linha "Rodovia da Uva" partiu há meia hora. Terá que esperar o amanhecer.

Dona Maria, 20 anos na limpeza do Terminal Guadalupe, entre uma xícara de café e uma colherada de açúcar. Diz que "nem gosta de falar disso". Explica-se: o Terminal tem fama de ser frequentado por gente de maus bofes – como diziam as avós.

Esquece-se que nas madrugadas de sexta-feira há grupos organizados – a maioria pertencentes às igrejas evangélicas neopentecostais – que frequentam o terminal para ajudar a mitigar o flagelo dos usuários de crack que se acumulam nas proximidades da paróquia.

Helena trabalha há dois meses na lanchonete 24 horas, que fica no centro do Terminal Guadalupe. Era seu primeiro dia de labuta no novo horário.

- Quer algo, moço?

- Nada. Estou ouvindo histórias.

- Para pegar salgado tem que comprar fichinha no caixa.

- Como é trabalhar aqui, assim, à noite. Sabe?

- É o meu primeiro dia à noite. É igual de dia. Vira-se em direção a um cliente:

- Com leite? O açúcar está neste pote aí.

Um cara de cabelo comprido, violão a tiracolo, bermuda e tênis all-star começa a cantar. Espera o segundo madrugueiro da noite. Uma prostituta de idade se aproxima e pede uma música. Ganha um verso: "Quem sabe eu ainda sou uma garotinha ...".

Ao lado, dois funcionários da Urbs. De resto, vazio. Começa a chuviscar. Um táxi passa pela André de Barros, paralela ao terminal, no sentido Alto da XV seguido de outro carro tocando "ah, lelek, lek, lek...".

Bem no meio do pátio, acima, a imagem de Nossa Senhora do Guadalupe, na paróquia, parece olhar para baixo, para o terminal, para mais um dia que começa a nascer.

*Este texto foi escrito a partir de histórias, observações e algumas conversas da madrugada de sexta-feira (22) no Terminal Guadalupe, no Centro

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