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Começa com o desejo de vitória. Aos poucos o esforço limita a ambição a tentar ultrapassar a linha de chegada. No fim, o sacrifício traz à mente apenas o instinto de sobrevivência. Atrás dessa (às vezes) incompreensível emoção, competidores de dez países se reuniram esta semana no Rio Grande do Sul para o Ecomotion/Pro 2005, a maior corrida de aventura da América Latina.

No total, 52 equipes (com quatro integrantes cada, sendo necessariamente uma mulher) percorreram de rapel, trekking, mountain bike, rafting, canoagem e escalada 444 quilômetros pelo litoral e pela região serrana gaúcha. A prova faz parte do AR World Series, o circuito mundial da modalidade.

A competição terminou ontem com a chegada dos últimos "sobreviventes" à Igreja Matriz de Gramado. Para as equipes de ponta o sofrimento acabou bem antes.

O quarteto vencedor foi o Buff Nike-ACG, da Espanha, seguido pelos norte-americanos e neozelandeses da Team Merrell/Wigwam Adventure e pelos brasilienses do Oskalunga Brasil Telecom – responsáveis pela melhor classificação do país no evento. Os espanhóis completaram o percurso ainda na quarta-feira, em quase 69 horas de chuva e muito frio.

O clima do Sul potencializou as dificuldades da terceira edição do Ecomotion. Em 2003 a prova foi na Chapada Diamantina e ano passado na Costa de Dende, ambas sob calor baiano. Os 208 aventureiros agora precisaram enfrentar trechos acidentados, grandes altitudes e nevoeiro típicos da Serra Gaúcha, tornando o trabalho dos navegadores tão difícil como se fosse à noite e piorando a sensação térmica. "O cansaço, aliado ao frio, faz de uma bolha no pé uma dor alucinante, transforma uma brisa em tempestade, um pequeno corte em navalhada", contou o cardiologista e intensivista (responsável pela UTI) carioca Klaus Kleuse. A avaliação não vem da literatura médica, mas das dificuldades experimentadas pelo membro da equipe On the Rocks nos pampas.

O esforço físico e a falta de sono logo mudam também a mente e a aventura ganha toques surreais. Bezerros voadores, jacarés e Mickey Mouse são algumas das alucinações citadas pelos participantes. "Apesar de absurdo é algo muito comum em provas de longa distância. Eu já caí de bicicleta para desviar de um motorhome que não existia", lembrou o uruguaio Ruben Manduré, da Al Aire Libre.

Estar sobre duas rodas em situações extremas é o caminho mais rápido para os acidentes. "A gente dorme andando, remando, mas no mountain bike é mais perigoso. Vi um competidor cochilar na bicicleta, cair em uma cerca de arame farpado e continuar dormindo pendurado", contou Roy Malone, capitão da norte-americana Subaru.

O sono, ou a falta dele, na prova é até tema de estudos. "Claro que a parte motivacional e a intenção de terminar a prova são importantes, porém o simples fato de fazer exercício ajuda os atletas a suportar ficar tanto tempo sem dormir. Se eles estivessem em casa vendo tevê, por exemplo, agüentariam, no máximo, três dias", explicou a pesquisadora e doutoranda em psicologia Hanna Antunes.

Acompanhando a prova desde 2003, ela detectou também que enquanto as pessoas "normais" levam 15 minutos para alcançar um estágio de sono reparador, aos competidores basta parar para dormir imediata e profundamente.

É tanto martírio que parece não haver nada de bom além de percorrer as belas paisagens de praias, montanhas e canyons. Engano. "É divertido desafiar a si mesmo", afirmou o norte-americano Chris Boyd, capitão do Golite/Timberland Sprint, pela primeira vez no Brasil. "Quanto pior, melhor. Depois de disputar uma prova como essa os níveis de dificuldade em todos os setores da vida passam a ser menores", garante o colombiano Ricardo Velez, da Soferbo Traxion Colômbia.

O público se fascina com a incansável determinação. Daqueles perdidos em um posto de controle três dias atrás do líderes. De quem prossegue transfigurado pela dor.

Pelo poder de chegar a lugares inusitados o evento provoca ainda outras emoções. "Foi a coisa mais linda que eu já vi na minha vida", soltou uma senhora, ex-freira, ao acompanhar as equipes estrangeiras nuas na troca de roupas após 21 quilômetros de canoagem em Lageadinho, localidade com 600 habitantes. "Não vou esquecer nunca", completou.

A jornalista viajou a convite da Ecomotion Outdoor Sports Marketing.

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