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Clóvis Galvão planeja sua aposentadoria para depois da Copa do Mundo de 2014 | Marcelo Andrade/Gazeta do Povo
Clóvis Galvão planeja sua aposentadoria para depois da Copa do Mundo de 2014| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Para 16 atleticanos, a inesquecível noite de 5 de fevereiro de 2014 não existiu. Enquanto o Atlético saía três vezes da UTI para eliminar o Sporting Cristal e avançar à fase principal da Libertadores, este grupo cumpria a pena pela participação na briga com torcedores do Vasco, na Arena Joinville, na última rodada do Campeonato Brasileiro de 2013. Por determinação da juíza Luciana Lampert Mangarin, eles têm de ficar de duas horas antes a duas horas depois de cada jogo do Furacão em uma delegacia. Essa delegacia é a Demafe (Delegacia Móvel de Atendimento a Futebol e Eventos), chefiada por Clóvis Galvão.

Baiano de 65 anos, Galvão se mudou para o Norte do Paraná quando tinha apenas cinco anos. Atraído pelo sonho do café, seu pai, lavrador, pôs a família em um caminhão de boia-fria para atravessar meio Brasil. Galvão fez a vida no estado. Jogou bola, formou-se em Direito, atuou na Justiça Desportiva. Criou a Demafe em 2009 e viu sua delegacia virar modelo nacional de combate à violência no futebol graças ao eficiente reconhecimento e captura dos torcedores envolvidos na pancadaria da Arena Joinville. Uma trajetória que ele pretende encerrar depois da Copa do Mundo, com um sonho realizado. "Acabou a Copa, um abraço. Vou para minha casa na Ilha de Itaparica, na Bahia", diz.

Como começou sua ligação com o futebol?

Minha ligação com o futebol foi profissional. Comecei a jogar no Grêmio de Cruzeiro do Oeste [Norte do Paraná]. Depois passei por Água Verde, Ponte Preta, Fluminense de Feira de Santana, Coritiba. Era ponta-direita e centroavante. Se fosse hoje, ganharia muito dinheiro.

Jogou até quantos anos?

Até os 23 anos. Eu era reserva do Leocádio, no Coritiba. O grande Elba de Pádua Lima, o Tim, era meu técnico e me disse: "Meu filho, vai estudar que você não vai virar boleiro".

Depois sua volta ao futebol foi já no Tribunal de Justiça Deportiva. Quanto tempo de Tribunal?

Fui procurador por cinco anos e auditor por outros cinco. Um dos mais famosos casos que eu participei foi aquele de suborno do goleiro do Iraty pelo Coritiba [Campeonato Paranaense de 1998]. Botei dois anos de suspensão no João Carlos Vialle [diretor de futebol] e no Nedo Xavier [à época, preparador de goleiro].

Saiu por quê?

Entrei com o Onaireves Moura e saí com o Hélio Cury. Eu e o Otacílio Sacerdote Filho, outro auditor. O Hélio Cury, como Federação, queria obrigar o Coritiba a ceder o Couto Pereira para o Atlético por causa das obras na Arena para a Copa. Foi para o TJD e votamos contra. Aí, o Hélio nos tirou.

Julgou o supermando também.

Jamais vi um absurdo como aquele. É o retrato de como são os nossos arbitrais. Também participei do julgamento do rebaixamento do Rio Branco no lugar do Paraná [por uso de jogador irregular]. Fui taxado de paranista, mas o que eu fiz está na lei. Sempre fui um cara legalista. Depois, reverteram o resultado no STJD.

Quem reverteu esse resultado foi o Domingos Moro. É o advogado mais difícil de enfrentar?

Tenho várias divergências conceituais com o Moro, mas ele é expoente nacional. Tem de ir bem armado para enfrentá-lo. Ele leva provas para qualquer julgamentinho.

Teve algum episódio curioso com ele no TJD?

Certa vez ele deu um piti na Federação que claramente foi premeditado. Estava defendendo o Coritiba em um caso claramente perdido e pediu para apresentar a defesa antes da denúncia da procuradoria. O pedido foi para votação. O Moro perdeu e desmaiou. Foi uma correria para carregar ele dali, levar para o hospital e retomar o julgamento. No dia seguinte, ele entrou com um pedido de anulação por cerceamento de defesa e ganhou a causa.

Galvão começou a articular a criação da Demafe ainda como membro do TJD-PR. Aproveitou a proximidade com o vice-governador Orlando Pessuti, com quem morou na Casa do Estudante Universitário (CEU), para garantir apoio político à empreitada. Na busca por um imóvel para instalar a unidade, encontrou um casarão abandonado do Tribunal de Justiça na esquina da Martin Afonso com a Visconde de Nacar, no São Francisco. Conseguiu a liberação que permitiu à delegacia ser inaugurada em 2007.

Embora a atuação mais conhecida seja em futebol, Galvão leva suas equipes para qualquer outro evento com grande público. Sempre em uma estrutura improvisada. Situação que deve mudar em breve, com a chegada de um ônibus-delegacia, com direito a gerador, internet, mesa para escrivão, cama para os agentes e uma cela para dez pessoas.

"Estou atrás desse legado que todo mundo fala. Quando encontrar, vou prender esse legado", brinca o delegado, que foi cobrar pessoalmente o ministro do Esporte, Aldo Rebelo. "Em uma dessas reuniões de Copa, virei para o ministro e falei: ‘Eu quero o meu busão’. Ele disse: ‘Ah, mas…’. Não tem ‘Ah, mas...’. Eu quero o meu busão. Resultado: dia 20 de março eu vou chamar toda a imprensa para vir aqui fotografar o meu sonho", conta, orgulhoso.

Qual a solução para a violência nos estádios?

Mais Juizados Especiais. Só assim você acaba com a impunidade, que já diminuiu. Sabe por quê? Não tem mais venda de bebida em estádio. Vias de fato, lesão corporal, tudo caiu 60%. Minha mulher diz: "Não entre em confronto com louco nem bêbado". O cara quando bebe sai da casinha.

Mas em 2014 tivemos vários episódios de violência. Em Joinville havia torcedores que já haviam se envolvido em confusão: vascaínos em Brasília e atleticanos no Atletiba.

Eu falo do meu quintal. Estes fatos foram fora do Paraná. Se o Distrito Federal tivesse punido exemplarmente os vascaínos que brigaram lá, não teria acontecido Joinville.

Mas o Atletiba foi no seu quintal.No meu quintal esse torcedor foi punido, não pode entrar em campo. Tanto que foi arrumar confusão em Joinville.

Então por que aconteceu Joinville?

Culpa da PM. Não existe um jogo de alto risco você deixar a polícia fora do estádio. Põe ali 20 na divisa entre as torcidas e não tinha acontecido nada.

Algum dia vai funcionar ter só segurança particular em estádio?

Espero que um dia aconteça, mas Brasil é Brasil. Não pode comparar com Europa. Você coloca 27 stewards com mão para trás para separar duas torcidas. Na hora do sapeca iá-iá, o pessoal passa por cima deles.

Por que no Brasil é tão diferente da Europa?

Droga! Crack! Nas minhas buscas pessoais nos estádios, apreendo, em média, de 20 a 30 pedras escondidas nas partes íntimas das meninas. Nunca vi droga como essa. O cara fuma maconha e diz: "Vem cá, meu amigo, me dá um abraço". Como eu sei? Fui universitário nos anos 70. O crack tem um poder de violência muito grande.

A experiência que permite a Clóvis Galvão apontar a droga como maior problema dos estádios lhe garante autoridade para falar sobre organizadas. Na reunião do último Atletiba, bastou ele mudar de cadeira para Julião Sobota, presidente da Fanáticos, interromper o discurso de que a polícia deveria barrar "os marginais da Ultras".

Para Galvão, Fanáticos e Império são sinônimos de dor de cabeça. Não seu quadro completo, mas os 10% de baderneiros. Um problema localizado, que para ele só será solucionado com punição. Algo que faltou na barbárie do Coritiba x Fluminense de 6 de dezembro de 2009. E ajudou a parir a pancadaria do Atlético x Joinville do 8 de dezembro de 2013.

Acabar com as organizadas é solução?

Não. Solução é prender baderneiro. 90% dos organizados são de bem. Com a Fúria nunca tive problema. Meu problema é Fanáticos e Império. Tem uma cultura de violência que está acima de torcida. No Tatuquara, os coxas e atleticanos não se dão. Não são de organizada, mas sempre que tem Atletiba eu já sei que tenho de mandar meus homens para lá porque eles brigam desde manhã.

Então qual a solução?

É o que estamos fazendo aqui. Nunca ninguém fez o que essa juíza está fazendo. Vou a Joinville cumprimentá-la pessoalmente. Se passar um atleticano de avião lá, ela prende.

Os torcedores ficam totalmente isolados?

Totalmente. Imagina você vir aqui e eles estão vendo o jogo na tevê, ouvindo pelo rádio. Eles já se ofereceram para trazer uma enxada e carpir o mato aqui na delegacia.

Essa ideia vai se espalhar por outros estados?

Sem dúvida, vai virar doutrina para o país inteiro. Não tem punição mais exemplar do que proibir o cara de fazer o que ele gosta. É doído. Estou curioso para ver a sentença dele. Muito torcedor vai para o xilindró.

Faltou uma punição como essa para os torcedores que invadiram o Couto Pereira em 2009?

Faltou uma punição exemplar. Foi uma barbárie. Estive lá tomando cacetada, um policial quase perdeu a vida. Ali, política, justiça, clubes e sociedade foram pegos totalmente de surpresa. É diferente. Em Joinville era uma torcida contra a outra. No Couto, era a violência de uma torcida contra seu próprio clube, sua própria casa.

Por que não houve punição?

Não teve um trabalho sério de identificação. Na bronca do Couto Pereira, por baixo, era para ter saído preso no mínimo 50, 60 torcedores. Nós passamos uma semana inteira olhando todo dia, a noite toda, imagem por imagem, para identificar os torcedores.

E se tivesse havido punição exemplar em 2009?

Se tivesse mandado para a cadeia quem tinha de ir, Joinville não teria acontecido.

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