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Geraldo e o filho Rafael: um vida na “chacrinha” comprada para ser um campo de pelada entre amigos | Ivonaldo Alexandre / Gazeta do Povo
Geraldo e o filho Rafael: um vida na “chacrinha” comprada para ser um campo de pelada entre amigos| Foto: Ivonaldo Alexandre / Gazeta do Povo

O nome apareceu pela primeira vez há cinco anos no noticiário do Paraná. "O treino de amanhã será na Chácara do Geraldo". Entre torcedores e imprensa, ninguém conhecia. Nem a chácara, lá no fim do Caiuá, na Cidade Industrial. Muito menos o Geraldo. Depois foi CT do Geraldo, CT do Caiuá e, finalmente, CT Barcelos.

O local surpreende mais do que a repentina entrada no dia a dia do futebol paranaense. Um terreno de 64 mil metros quadrados, com quatro campos de futebol – um deles, logo na entrada, com uma grama tão verde que nem parece real –, vestiários, alojamento, refeitório, arquibancada. É, duas vezes por semana, o local de treinamentos do Paraná. Por outros três, do J. Malucelli. Ainda é pouco.

Geraldo Fortunato Barcelos, dono de uma pequena construtora e de uma imobiliário no Campina do Siqueira, projeta o grande salto do CT que leva seu nome. Até o fim do ano, pretende arrendar a estrutura e para isso conta com a Copa do Mundo de 2014. O bonde para hospedar uma seleção já foi perdido. Nos próximos dias, deve acertar um plano B: seja um acordo com a Fifa para ser campo de treinamento reserva, seja abrigando todos os times do Atlético enquanto a Espanha estiver hospedada no CT do Caju.

Como começou o CT?

A gente tinha uma turma de pelada, amigos de infância. Jogávamos todo sábado à tarde no campo de um amigo nosso, o Bandeira. Aí ele vendeu o terreno e a gente ficou sem pai nem mãe. Comecei a procurar uma chácara. Comprei um lote aqui. Já fiz o campo e o vestiário para a gente continuar jogando. Isso era em 1980.

O time de pelada continua jogando aqui?

Agora parou. Falei em fazer negócio, ficaram com medo de perder a chácara e arrumaram outro campo.

O senhor joga?

Jogo. Meia-direita, armador. Camisa 8.

E o time da casa é bom?

É bom. Todo mundo meio velho, mas ainda dá baile em muita gente.

Como era o acesso aqui naquele tempo?

Não existia Caiuá. Não tinha nada em volta, só um pesque e pague. Era só mato e barro. Eu tinha uma Brasília amarela. Quando chovia, precisava acorrentar os pneus para conseguir chegar. Aí a cidade foi chegando.

E com o tempo foi aumentado a chácara.

Comecei a comprar mais lotes. Em 2004 decidi investir mesmo. Fui fazendo mais campos, depois o alojamento. Hoje tem quatro campos e 64 mil metros quadrados.

Seu Geraldo sempre foi do futebol. Das peladas de sábado à tarde ao convívio com o pessoal da Suburbana. E dali para o profissional. Amigo de Carazzai, ex-jogador e ex-dirigente do Coritiba, o levou para dentro do clube. Virou conselheiro do Coxa, além de tornar-se um frequentador ainda mais assíduo do Couto Pereira. É um dos cornetas das sociais.Ironicamente, o time do coração é o que está mais distante de usar o CT no Caiuá. Houve conversas ano passado para abrigar as categorias de base do Alviverde enquanto o CT de Campina Grande do Sul não fica pronto. O Coritiba acabou acertando com o Sportville, em Colombo.

Como o Paraná descobriu o CT?

Foi o Beto [Amorim, gerente de futebol] que descobriu. Ele veio por indicação do Rui Wisniewski, do J. Malucelli. Veio falar comigo, conheceu o lugar e o Paraná começou a treinar aqui. Era o tempo do Aurival Correia presidente. Depois o próprio Jota passou a treinar aqui. Hoje o Paraná vem duas vezes por semana e o Jota, segunda, quarta e sexta.

Como funciona o acerto com o Paraná?

É uma troca de gentilezas. A gente compreende as dificuldades do clube. Às vezes treina aqui um tempo, não paga nada. Depois vem e paga tudo de uma vez. E o aluguel é baratinho.

O senhor sempre recebe os times que vêm treinar?

Sempre. É minha obrigação como anfitrião.

E como é essa convivência com o meio do futebol em um nível diferente do de torcedor?

Sempre gostei muito de futebol. Muitos técnicos já vieram aqui. O Abel Braga veio mais de dez vezes quando treinava o Coritiba e o Paraná. Leomir Souza, Gilson Kleina. Agora, não sou muito de assediar. Quando vinha o Zetti, o Bonamigo, falavam para eu tirar foto. Não gosto muito de aparecer. Mas gosto do cheiro de Zig.

Estádio o senhor frequenta? É muito corneta?

Sou sócio do Coxa, frequento o Couto Pereira. Dou minha opinião. Gosto de cornetar um pouco. Já dei entrevista metendo o pau no time. Sempre que viajo, dou um jeito de conhecer estádio. Se passar dois dias em casa, são dois dias vendo futebol.

O aluguel para clubes de futebol logo fez Geraldo ver a Copa do Mundo como uma possibilidade real. Os contatos no mundo da bola trouxeram gente da Fifa, do Comitê Organizador Local (COL), da prefeitura e do governo do estado para conhecer o CT Barcelos e comer uma picanha. O convívio com o mundo da política esfriou a situação. Sem lobby, o CT Barcelos ficou para trás. Hoje, tenta ser um centro de treinamento reserva ou abrigar o Atlético durante a estada espanhola no Caju. Ainda há uma esperança de receber uma seleção insatisfeita com sua escolha. A insatisfação é fácil. Somente Atlético, Cruzeiro, Atlético Mineiro e São Paulo têm estruturas realmente melhores que a do Barcelos. Difícil é convencer a Fifa a reabrir um prazo encerrado no fim de janeiro. Enquanto isso, Geraldo negocia o futuro da estrutura.

Quando a Copa se tornou uma possibilidade real?

Vieram pela primeira vez em janeiro de 2011. Um grupo de 90 pessoas. Veio o Mário Celso [coordenador-geral de Copa], a Maristela [Kuhn, especialista em gramados da Fifa], gente da Fifa, do COL. Gostaram muito da estrutura. Disseram que dava para deixar uma seleção aqui.

Mas o que aconteceu que o CT acabou ficando como opção de reserva?

Foi um pouco mal trabalhado da nossa parte. Ficamos esperando alguma decisão e quando tomamos peito, porque de onde a gente esperava ajuda não saiu nada, já era tarde. A Fifa tinha emitido o caderno dos CTs.

Já teve proposta concreta de arrendamento?

Tudo conversa. De interessado, já vieram mais de 150. A grande maioria sem poder de fogo nenhum, só propondo aquela parceria caracu, como dizem. O Márcio Santos, ex-zagueiro da seleção, foi um que nos decepcionou. Veio mais de dez vezes, estava quase acertado e deu pra trás.

De fora teve alguma coisa?

Há pouco tempo veio o contato de um clube da Inglaterra. Eles querem transformar o CT na base deles na América Latina, revelar jogador. Há seis anos o Barcelona veio com a mesma intenção, mas só sondagem.

Só proposta para trabalhar com futebol?

Veio um rapaz da AEG que quer transformar em um centro de excelência de futebol americano. O projeto é mexer bastante aqui. Construir arquibancada para 10 mil pessoas, por grama sintética em um dos campos. Não é uma ideia ruim, não. Avançou bastante a negociação e parou. Depois da Copa ele volta.

O pós-Copa determinará uma mudança na vida de Geraldo Fortunato Barcelos e da sua família. Nos 34 anos da chácara, ele a mulher, Ivonete, aumentaram a família. Criaram ali os dois filhos, Rafael e Ricardo. Neste feriado de carnaval, estão todos lá, com mulher, filhos, alguns casais de amigos fugindo da correria da cidade grande. O sinal de celular não pega. Telefone, só o da casa na entrada da chácara. Bem longe dos dois tanques de pesca que, em breve, servirão para o lazer do primeiro dono diferente que o terreno terá após mais de três décadas.

Quanto já gastou aqui?

Não tenho ideia, prefiro nem falar. Mas tudo que eu ia ganhando, ia aplicando aqui.

E a sua mulher nunca chiou?

Chiou um pouco no começo, mas ganhei pelo cansaço. Hoje ela gosta bastante. Tem um jardim que ela cuida.

Por que decidiu negociar o CT?

Foi projetado para isso. É minha aposentadoria. A Copa surgiu como uma oportunidade de mostrar o CT e conseguir um bom negócio.

Nestes 34 anos, teve algum dia que o senhor não dedicou um minuto que fosse ao CT?

Não. Todo dia fiz alguma coisa. Fim de semana, se não estou viajando, venho para cá. A gente vem, se esconde um pouco. Minha vida é ligada ao CT. Meus dois guris cresceram aqui. Continua sendo a nossa chacrinha.

Nunca pensou em largar o negócio?

Tem altos e baixos, é normal do ser humano. Mas nunca pensei em largar. Já tive medo de não recuperar o investimento. Hoje, não. Tenho certeza de que vou fazer um bom negócio depois da Copa.

E como vai ser depois de arrendar?

[risos] Não sei… [pausa] A gente fez com esse objetivo, é hora de cair na real. Compra outro terreno, começa tudo de novo e bola pra frente.

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