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São poucos os torcedores nas ruas. A maioria das cidades-sede encerrou as atividades nos estádios e está começando a lembrar os problemas que as atormentavam em um tempo que parece distante, mas que é logo ali, antes de a Copa do Mundo começar.

Com os jogos escasseando, nós que trabalhamos com a Copa estamos finalmente conseguindo dormir apropriadamente. O Mundial está acabando e só falta saber quem é o vencedor. Mas isso nem é o mais importante. Desde o início, o troféu dourado estava no campo de visão apenas de poucas grandes seleções. A maioria dos competidores estava competindo por outros títulos, que agora já foram entregues: já conhecemos o bobo da corte, os vilões e as Cinderelas.

Tradicionalmente, o palhaço é a Inglaterra. A tendência desta seleção a alçar voo e depois escorregar em casca de banana é um ritual das Copas. Os ingleses cumpriram seu papel novamente sendo desclassificados apenas cinco dias depois de dar o primeiro chute. E tem mais: as estrelas deste Mundial não jogam na Premier League inglesa. E os ingleses ainda têm que brigar pelo título de bobo da corte com a Espanha. Desembarcar como campeões e então perder no primeiro jogo de 5 a 1 para uma seleção holandesa de segundo escalão é uma comédia total. Por sorte, a memória dessa tragédia vai se apagar aos poucos e o que nós lembraremos é da equipe de jogadores mais bem sucedida da historial do futebol internacional. Como John Foot, historiador do futebol italiano, registrou, o goleiro Iker Casillas teve uma carreira brilhante. Duas performances medonhas contra Holanda e Chile não mudam isso. Ainda assim, por uma semana na carreira deles, os espanhóis foram os bobos da corte.

O torneio começou com dois vilões nas arquibancadas. Sepp Blatter, presidente da Fifa, dirige uma organização tão pomposa (fora outros tantos defeitos), que seu regulamento o descreve como "Líder Supremo". Ele irrita especialmente os torcedores europeus e norte-americanos. A maioria dos brasileiros vê outro vilão nesta história: a presidente Dilma Rousseff, bode expiatório para todo o desperdício, corrupção e gastos excessivos que a Copa causou ao Brasil.

Mas o Mundial progrediu bem e a reputação de Dilma começou a se recuperar. O fato é que a Copa pode até ajudá-la a se reeleger em outubro. E aí surgiu um novo vilão: o uruguaio mordedor Luís Suarez. Quando todos começaram a pensar mesmo no que ele fez – e que foi um tema de conversas mundo afora --, percebeu-se que era mais bizarro do que maldoso. A mordida não ajudou o Uruguai: sem Suarez, eles foram imediatamente derrubados. A vítima, Giorgio Chiellini, o perdoou. Suarez se metamorfoseou de vilão para bobo da corte.Na noite da última sexta-feira, em Fortaleza, a partida mais desagradável que vi nesta Copa Brasileira, outro vilão se apresentou: o árbitro espanhol Carlos Velasco Carballo. Os árbitros neste Mundial seguiram uma nova diretriz: "Deixem que joguem", ou, dito de outra forma, não fiquem interrompendo as partidas com pênaltis e cartões.

Velasco Carballo levou esta diretriz a um extremo absurdo. O Brasil estava jogando de acordo com uma estratégica clássica dos anos 70: encurralar o gênio colombiano James Rodrigues. Velasco Carballo "deixou que jogassem". James, atacado constantemente por Fernandinho, fez o que qualquer pessoa normal faria: nem chegou perto do gol brasileiro. Então o colombiano Juan Camilo Zúñiga deu uma joelhada nas costas de Neymar, quase aleijando o rapaz para o resto da vida, de acordo com o médico da Seleção Brasileira. Um mesmo juiz conseguiu eliminar dois gênios em uma única noite. Sai do estádio nauseado. E, ainda assim, leio no jornal espanhol Marca, a Fifa cogita convocar Velasco Carballo para apitar a final.

A tevê brasileira está agora ainda mais bizarra que de costume. Metade do tempo você vê os comerciais com Neymar oferecendo todo tipo de produto; na outra metade do tempo você vê imagens de Neymar sendo levado de helicóptero para o hospital; Neymar tentando não chorar, mandando uma mensagem para o povo brasileiro, torcedores em vigília na porta da clínica, etc etc etc. Ele se transformou em um herói católico: o salvador que sacrifica seu corpo para nos redimir.

E por fim, temos muitas Cinderelas. Em abril, um jovem costarriquenho que joga na Grécia chamado Joel Campbell estava tão animado por estar no álbum da Panini que comprou 100 pacotinhos na esperança (vã) de encontrar uma figurinha com sua foto. Pois ele se tornou uma estrela no Mundial brasileiro. Assim como o goleiro mexicano Guillermo Ochoa, e o adolescente belga Divock Origi, que era tão desconhecido quanto foi convocado para jogar na Copa que seu colega de seleção Marouane Fellaini nunca tinha ouvido falar dele. Esses homens não vieram ao Brasil para ganhar a Copa do Mundo. Mas o que eles ganharam foi provavelmente tão grande quanto o título mundial: uma experiência para lembrar para sempre.

Mauricio Pinilla, o reserva chileno que acertou uma bola na trave no jogo contra o Brasil (no que seria um gol para mudar o resultado do jogo no último minuto), não ficou chorando as mágoas. Imortalizou aquele momento com uma tatuagem nas costas reproduzindo o lance e a frase, em inglês, "um centímetro da glória". É mais perto do que a maioria dos humanos vai chegar. Agora, deixemos os poderosos disputarem o título mundial. As Cinderelas já triunfaram.

Tradução: Marleth Silva

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