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O futebol está chato. Tudo o que dá sabor à partida está desaparecendo aos poucos, como um quadro cujas cores esmaecem gradativamente sob o autoritarismo do tempo. Dentro de campo, trocou-se a qualidade técnica, a mola propulsora do improviso e da criatividade, pela eficiência do dueto condicionamento físico-aplicação tática. Joga-se com o pulmão o que antes era atividade para cabeça e coração.

Estaria resignado se o único sintoma do obscurecimento do nosso futebol fosse o brilho cada vez mais raro de jogadores que provam com os pés que a bola é redonda. Há ainda o capitalismo selvagem, que mudou a relação de jogadores e clubes. Vínculo emocional nessa ligação cada vez mais curta é tão raro quanto neve em Curitiba. Ídolo é palavra do passado, caiu em desuso por falta de referencial.

Mas esses problemas não são novos. Podemos, mesmo lamuriosos, conviver com eles desde que não se perca o calor, a sensação mágica do gol. Naquela fração de segundo entre o movimento do chute (ou do cabeceio) e o adormecer da bola aninhada na rede adversária – há quem defenda que aí o tempo corre em câmera lenta –, esquecem-se os dramas e a emoção vem à tona.

Triste é ver que nem isso querem proporcionar ao torcedor. Da forma como o futebol vem empalidecendo, perdendo suas cores para se tornar uma atividade burocrática e operária, não é de se surpreender se proibirem o grito vibrante de gol ou de campeão. "É desrespeito ao oponente", vão sussurrar as mesmas línguas infelizes que não permitem hoje a festa dentro de campo.

Pois veja o que ocorreu com o atacante Alecsandro, do Vasco, ao comemorar o gol contra o Atlético na Baixada. Levou cartão amarelo porque fez uma careta desengonçada! Mesmo que não fosse uma homenagem ao pai, Lela, ex-atacante coxa que cansou de fazer caras e bocas para festejar a vitória sobre os goleiros rivais, a malícia, a provocação sadia é tempero essencial ao jogo de futebol. Faz parte do espírito esportivo.

Aparentemente, há um excesso de sensibilidade rondando os estádios. Para tudo se evoca o famigerado desrespeito. Se o palmeirense Valdívia chuta o vento para ludibriar o marcador, é a senha para liberar ameaças e pancadas. Fábio Santos, do Corinthians, disse recentemente que é menosprezo ao profissional. Pode parar. Dá um lenço pro cara.

Por aqui mesmo, o atacante Bill, do Coritiba, levou o segundo amarelo e foi expulso por marcar o quarto gol na goleada sobre o Caxias (4 a 0) no Couto Pereira e ter ido se ajoelhar no escudo do time, perto da torcida. Ridículo. Situação pior viveu Neymar, expulso por usar uma máscara de si mesmo após um golaço no duelo com o Colo Colo, pela Libertadores. Frescura de quem tem o apito na mão. O Santos perdeu o garoto-prodígio por uma partida, suspenso; o futebol, a cada censura à alegria, perde um pouco de sua alma.

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