• Carregando...

O leitor deste caderno vai me desculpar, mas hoje não irei assuntar futebol. E não é porque à esta altura, terça-feira, tudo já foi dito, mas porque quero contar um pouco da incrível história do mestre Cláudio Seto, o Samurai de Curitiba, falecido no último domingo.

Trabalhei com Seto durante uma década, quando eu ainda engatinhava no desenho. Eu era um guri tímido, sensei Seto ainda mais. Ficávamos lado a lado, cada um em sua prancheta horas a fio sem trocar uma palavra. De vez em quando, vencendo o acanhamento, dava umas espiadelas por cima de seu ombro para ver o que o japonês desenhava. Apresentou-me aos delicados mangás, quando eu estava mais para a fúria dos fanzines.

Cartunista, pintor, escritor, "onmyoji" (mestre do Yin e Yang) da seita Zenchi, bonsaista e o escambau, Seto tem uma história de vida que é uma verdadeira obra de ficção, a começar que ele não é o Cláudio Seto. Ele é Chuji Seto Takeguma. Cláudio Seto é seu irmão gêmeo – mais tarde, bem mais tarde, ele admitiria que era um "falso Cláudio Seto".

Ele e seu irmão nasceram em Guaiçara, interior paulista. Pela tradição dos antigos japoneses, dois ou mais filhos de um mesmo parto era coisa de bicho, de párias, algo vergonhoso, nada digno de samurais, mestres guerreiros – chegavam a matar o excedente da concepção.

Sua avó, nascida no século XIX, no Japão, achava, como todos do Período Meiji, um castigo divino nascer mais de um. Quando a mãe dos gêmeos recebia visitas, a avó só mostrava um.

Seu irmão ganhou o nome Cláudio, inspirado em um jogador do São Paulo F. C. – time de 1944, ano em que eles nasceram; alguém sabe que Cláudio é esse? –, e ele ficou com o nome Chuji.

Cláudio, aos dois anos de idade, foi morar no Japão e registrado lá. Chuji ficou no Brasil e registrado aqui. Quando completou nove anos, Chuji foi visitar Cláudio. Visitar não, trocar de lugar. Chuji e Cláudio, a partir daí, passaram a trocar de lugar a vida toda.

Ao contrário dos personagens de Gêmeos, Mórbida Semelhança, os dois não podiam ficar juntos, sob risco de algum mal acontecer, como acreditava sua avó.

Quando Chuji voltou para o Brasil, oito anos depois, trouxe os primeiros esboços de mangás, ensinados pelo mestre mangajin Tezuka Osamu. Cláudio teria voltado para o Japão e Chuji adotou seu nome, decerto para facilitar a compreensão dos brasileiros (Chuji o quê?).

Mais tarde ambos estavam juntos no Brasil, desenhando a quatro mãos, um esboçando e o outro finalizando, e vice-versa, apesar de poucos, muito poucos à época saberem que eram dois, não um Seto.

Chuji precisava esconder Cláudio, porque havia prometido a avó que só tornaria pública a existência do irmão gêmeo quando completasse o "ETO", ou ciclo de vida, equivalente a 60 anos, soma vinda dos 12 signos vezes os cinco elementos da natureza.

Chuji Seto Takeguma morreu no domingo passado, aos 64 anos. E Cláudio Seto, estaria vivo?

A vida e obra dos irmãos Seto rende muito mais que uma nota na página de obituário.

tiagorecchia@gazetadopovo.com.br

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]