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Noite dessas um latido estridente e ininterrupto de cachorro, parecendo um filhote em apuros, me levou a um episódio que irei descrever agora.

Extremamente incomodado com o insistente ladrido e querendo dar um basta ao incômodo, desci pelas escadarias numa tentativa de localizar de qual vizinho vinha o desagradável choro do cãozinho.

Moro no oitavo andar e logo que cheguei ao pavimento abaixo ficou claro que o desespero canino vinha dali. Toquei a campainha uma, duas, três vezes e nada. Os latidos ficaram ainda mais histéricos. Não havia ninguém, além do cão.

Subindo pelas escadas, com o latido reverberando nos ouvidos e desolado, me deparei com a pequena janela basculante entre o sétimo e oitavo andar. Estava entreaberta. Não havia percebido que essas janelinhas eram móveis, achava que eram fixas.

Empurrei-a para ver o que se enxergava daquele ponto, despretensiosamente. Para minha surpresa, havia uma tubulação ali! Não dava para ver o fim dela, e decidi entrar. Era estreita, mas consegui deslizar por ela. Como Alice no País das Maravilhas e semelhante à obra de Lewis Carroll, caí pelo tubo, agora verticalmente, por vários minutos, aos gritos.

Devo ter desmaiado por alguns instantes e quando acordei estava em frente a um microfone, em uma pequena saleta cheia de equipamentos eletrônicos. Abaixo, uma partida de futebol em andamento. Eu estava dentro de um estádio, comentando um jogo dentro de uma cabine de rádio!

Minha voz havia mudado, era mais grave, rouca. Soltava-a com segurança como nunca antes. "O time se comporta tática e tecnicamente muito mal diante de um adversário medíocre", disse eu ao microfone. "Houve um grave relaxamento na marcação e o ataque é inoperante", completei.

Eu olhava para o jogo com olhos de lince. Irritava-me com a falta de movimentação de certo lateral e o recuo exagerado do volante. E comentava isso com aquela voz poderosa, firme.

Assim que o jogo terminou, peguei um notebook. Abri o Office Word e passei a escrever sobre o jogo que havia acabado de comentar. Digitava tão rápido quanto as ideias vinham à cabeça. Era muito fácil lembrar os lances e os jogadores envolvidos. Em poucos minutos já tinha quase 3 mil caracteres escritos. Salvei em uma pasta e cliquei em um navegador de internet. Busquei meu webmail e digitei carneironeto@gazetadopovo.com.br.

O quê?!? Eu era o Carneiro Neto?!? Levantei-me da cadeira num sobressalto e tossi vigorosamente, me segurando nas paredes do estúdio. Senti que meus pulmões iriam sair pela boca. Tossi mais e expectorei algo.

Acordei entre o sétimo e o oitavo andar, molhado. Subi os degraus que davam para minha casa e sentei no sofá, ofegante. O cachorro continuava latindo. E pensei, decepcionado, que eu não era o Carneiro Neto.

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